Quatro anos depois, não há luz nem soluções para a Síria

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FÉLIX RIBEIRO

A guerra na Síria está a entrar no seu quinto ano e 2014 foi até agora o pior. Organizações humanitárias acusam a comunidade internacional de nada fazer para ajudar os sírios.

Quatro anos depois do início dos conflitos na Síria, desapareceram 83% das luzes visíveis do espaço. As imagens de satélite publicadas esta quinta-feira acompanham o apagão que foi tomando o país desde Março de 2011, data dos primeiros confrontos e início daquela que é, hoje, a maior crise humanitária no mundo. “Estas imagens ajudam-nos a compreender o sofrimento e o medo dos sírios à medida que o seu país vai sendo destruído”, diz Xi Li, investigador da Universidade de Wuhan, na China, que divulgou as imagens.

O desaparecimento das luzes conta parte da história do conflito. Alepo, que antes da guerra era um importante centro comercial e urbano e que se tornou depois no principal palco da guerra civil, perdeu 97% da sua iluminação. Damasco, a capital do Governo de Bashar al-Assad, perdeu 35%. Raqqa, agora o principal bastião do autoproclamado Estado Islâmico, perdeu grande parte da sua luz desde 2011. O mesmo acontece com Homs.

A violência tem aumentado na Síria desde Março 2011. O ano passado foi o pior até ao momento: morreram 76 mil pessoas, entre elas milhares de crianças. O número total de mortos é agora 220 mil. Há quase quatro milhões de refugiados e à volta de 6,7 milhões sírios estão deslocados dentro do país.

Samah é uma dessas pessoas. Tem 37 anos e seis filhos. Foi com eles para as montanhas para fugir aos ataques aéreos. Para terem um pouco de dinheiro e o que comer, Samah e outros refugiados fazem as colheitas dos agricultores que têm medo de ir para campo aberto e correr o risco de morrer em bombardeamentos. Foi desta maneira que conseguiu comprar a tenda onde vive agora com os filhos. O seu caso é um dos muitos citados num relatório de 21 organizações humanitárias na Síria, publicado nesta quinta-feira. Se fosse por ela, Samah estaria a viver na cidade: “Ainda acho que viver sob bombardeamentos é mais digno do que este tipo de vida. Se um míssil te atinge, morres instantaneamente, mas aqui morremos todos os dias milhares de vezes. Morremos de frio, de doença e de fome. Preferia estar a cozinhar pedras em casa do que estar aqui à espera que uma organização me traga um cesto de comida de vez em quando.”

Onde está o mundo?

O Conselho de Segurança da ONU aprovou até ao momento três resoluções para fazer frente à crise humanitária na Síria (em Fevereiro, Julho e a última em Dezembro de 2014). As três falharam. Foram ignoradas, no melhor dos casos, pelos grupos envolvidos na guerra civil, pelos Estados-membro da ONU e até pelos próprios países com assento no Conselho de Segurança – a principal intervenção da comunidade internacional no conflito tem sido através do envio de armas para as diferentes facções.

Estas são parte das conclusões do relatório intitulado Falhando a Síria. Nele, as 21 organizações humanitárias acusam os países-membro do Conselho de Segurança da ONU de nada fazerem para que se cumpram as resoluções e se combata, de facto, a crise humana na Síria. “Os membros [do Conselho de Segurança] têm o poder político, diplomático e financeiro, assim como a habilidade, de garantirem que estas mudanças aconteçam de verdade. Sem ação por parte dos diferentes governos, as exigências destas resoluções são pouco mais do que palavras numa página”, argumentam no relatório.

Das quatro dimensões da crise humanitária na Síria que as resoluções da ONU se propunham combater, três agravaram-se ao longo do último ano e uma delas manteve-se idêntica. Agravou-se a necessidade de financiamento para ajuda humanitária, tornou-se mais difícil proteger civis dos confrontos e deteriorou-se também a perspectiva de entendimento político entre as partes. Por outro lado, não houve evolução positiva no acesso às comunidades em áreas de confronto.

O relatório dá uma imagem negra da evolução do conflito na Síria: a violência sexual tem cada vez mais servido como arma de guerra entre todas as facções, aumentaram os ataques a estruturas civis – incluindo escolas e hospitais -, há cada vez menos acesso a água potável e comida, menos crianças nas escolas, mais pessoas em áreas de difícil acesso para as organizações e as necessidades de financiamento são hoje muito maiores do que os fundos que têm chegado ao país.

publico.pt 12/03/2015

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