Síria e a charada Genebra-2 1

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Por Pepe EscobarRussia Today. Traduzido por João Aroldo.

No verão, as pessoas vão para Montreux, Suíça, para acompanhar o festival de jazz. Esta semana, contudo, a “performance” é por uma turma positivamente sem swing, parte da (na teoria) muito séria conferência Genebra 2 sobre a Síria. Para que serve Genebra 2? Ela não tem nada a ver com “paz”. Ela não vai promover um acordo internacional para acabar com a tragédia síria. Os terríveis fatos de guerra em campo vão continuar fatos, e horríveis; muitos perpetradores não estarão se reunindo em Montreux. A sociedade civil síria não foi nem convidada.

E a charada toda degenerou em paródia vergonhosa mesmo antes de começar. Domingo passado, parecia que o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon tinha decidido sair de seu tradicional sono vegetal, convidando o Irã para Genebra 2. O convite durou menos de 24 horas; após a necessária pressão de Washington – instigada pelos autênticos democratas da Casa de Saud – ele foi cancelado.

Então nós tivemos Ban Ki-moon papagaiando o Departamento de Estado americano, segundo o qual Teerã não tinha concordado com os princípios do comunicado de Genebra 1, que pedia um cessar continuado da violência armada. Diplomatas iranianos discordaram fortemente, sublinhando como Teerã entende que a base para as conversas é a completa implementação da conferência prévia de junho de 2012, mesmo se o Irã não foi parte dela.

Ban Ki-moon também convidou a Santa Sé, assim como a Austrália, Luxemburgo, México e a República da Coreia, entre outros, para Montreux; como se esses atores tivessem alguma noção do que está acontecendo na Síria. Mas o cúmulo da farsa é que o Irã não pode ir, enquanto Arábia Saudita e Qatar – que continuam a armar cada “rebelde” sírio à vista, de jovens em busca de adrenalina a Takfiris e degoladores apoiados pelo ocidente, podem. E vão.

Conheça a “boa” e “má” Al-Qaeda

Hora de resumir. Washington decidiu que o Irã não pode estar em Montreux porque eles apoiam Assad. Simples assim. Washington ditando à ONU é a norma. Washington ditando à “oposição” exilada síria também é a norma. Todos são marionetes nesta comédia letal. Quanto aos spin doctors ocidentais, eles estão mais bobos do que moscas sobre cadáveres. Como parte do novo mito ocidental de que a Frente Islâmica apoiada pela Arábia Saudita – formada em setembro último contra o Conselho Militar Supremo apoiado pelos EUA – são nada menos que a “Al-Qaeda boa”, agora nós temos “rebeldes” top rotineiramente reconhecendo à mídia corporativa ocidental que eles são, bem, Al-Qaeda.

Dezenas de milhares de jihadis estrangeiros usando a rede de bases da Al-Qaeda na Turquia – bem, isso não é nenhum problema. Como diz a narrativa, “nossos novos amigos” na Frente Islâmica são apenas “muçulmanos salafistas conservadores”. E se eles gostam de tortura pra valer e não têm problemas para matar xiitas e cristãos? Grande coisa. Quanto à gangue da “má” Al-Qaeda– da Frente Al-Nusra e Ahrar al-Sham ao Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL) – eles estão no ganho. Afinal, são eles que têm experiência de combate/vantagem em campo. E na hora do vamos ver, eles dão mais um laço em volta de pescoços ocidentais sem noção.

Pegue o Ahrar al-Sham. Eles agora lideram a Frente Islâmica – e conversam com os americanos. E adivinhem; eles estão indo para Montreux! A cereja nesse bolo Takfiri é que, no fim, seus “interesses” estão sendo defendidos por ninguém menos que o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry. Washington promovendo al-Qaeda? Bem, nós já vimos esse filme.

Should I stay or should I go?

Washington está vendendo a ficção de que eles estão “liderando” Genebra 2 para“reconstruir” a Síria. Isso é bobagem monumental. Teoricamente – e mesmo isso é extremamente discutível – o interesse principal da administração Obama no Sudoeste da Ásia é negociar uma acordo complexo com o Irã, o que vai tomar quase todo 2014. No fim, toda esta charada é entre Washington e Teerã. A Marinha dos EUA não vai fazer Assad “sair” tão cedo – ou mesmo nunca; então tudo, em teoria, continua na mesa.

E todo o resto, ONU, a Santa Sé, a Casa de Saud, são apenas observadores, mesmo enquanto vários players, da União Europeia à Índia, China e Japão, pensam em nada além de finalmente formalizarem tudo com o Irã. O governo sírio, por sua parte, estará em Montreux; ele concordou com a conferência há muito tempo. Mas o Presidente Assad já deixou claro; ele não vai “sair”, como o Presidente americano Barack Obama exigiu. Ele não vai deixar a oposição apoiada pelo estrangeiro tomar o poder. E ele pode mesmo participar das próximas eleições presidenciais.

Assad foi na jugular quando disse que Genebra 2 deveria ser sobre sua própria “Guerra ao Terror”. Terror, incidentalmente, largamente apoiado pelo Ocidente. Então, sob esta perspectiva, mesmo Washington necessita que Assad não saia. No final das contas os únicos players que realmente querem que Assad saia são a Casa de Saud e a Casa de Thani no Qatar. Muitos no Ocidente já perceberam que Assad deve ficar para combater os “terroristas”.

O notoriamente suspeito Embaixador americano para a Síria, Robert Ford – que sempre aparece quando os EUA estão desestabilizando alguma coisa – desta vez pediu um encontro urgente em Istambul, apoiado pela Turquia e Qatar, e fez o número “vai pra Montreux porque eu tô mandando”. Ele só precisa seguir o dinheiro. Os que não vão viajar – um bando de chupins da Coalizão Nacional Síria (CNS) – vão ficar meio sem dinheiro. Então ouça o “patriotismo” falando. A CNS, que sempre foi furiosamente contra qualquer conversa com Assad, subitamente disse que iria, ainda que um terço de seus membros suspeitos tenham boicotado o encontro em Istambul.

O que é ainda mais farsesco é o que Ford deve ter dito para os bravos da CNS – ainda sujeito a muito debate pelo Oriente Médio. Se Ford realmente disse que a estratégia de Bandar Bush tem sido um fracasso total (de fato tornando a Síria uma base Al-Qaeda) então isso aponta à administração Obama, para todas as finalidades práticas, compartilhando o mesmo objetivo que Assad: combater o “terror”.

Ainda assim, Genebra 2 não “resolve” nada. Irã e Rússia continuarão apoiando Damasco. A terra de ninguém do deserto da Síria ao Iraque continuará sendo ocupada por jihadis sectários hardcore apoiados por Bandar Bush e pelo Golfo. A guerra continuará se espalhando mais e mais pelo Líbano. O governo em Damasco não vai cair. A crise de refugiados vai aumentar. E o Ocidente vai continuar fazendo pose de estar preocupado com o “terror”.

E todo esse não-jazz em Montreux não vai dar em nada. E aí algum burocrata vai pedir um Genebra 3.

Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto
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Um comentário sobre “Síria e a charada Genebra-2

  1. Responder Mohammad Hassan Deedaur jan 25,2014 15:04

    “Não conseguiram mudar o regime à força, com terrorismo, atentados, assassinato e doidos que comem gente. Agora, tentam mudar o regime com essa conferência-farsa, ao mesmo tempo em que distribuem toda a propaganda possível, servindo-se dos fantoches que têm na imprensa-empresa
    (BBC, France24 e o resto da press-tituta, no jornalismo impresso).”

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