Israel, Síria e o Direito Internacional

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Navios da frota Síria destruídos por Israel. Fonte: O Tempo

26/12/2024 por Jonathan Kuttab

A queda do regime de Bashar al-Assad na Síria proporcionou a Israel mais oportunidades para descaradamente dilacerar o tecido das normas jurídicas internacionais, seguindo suas transgressões em Gaza, na Cisjordânia ocupada e no Líbano. Poucos dias após o colapso do regime, a Força Aérea e a Marinha israelenses realizaram ataques massivos que destruíram entre 70% e 80% das capacidades militares da Síria, bem como todas as suas instalações navais e de radar. Israel nem sequer fingiu que suas ações eram um ataque preventivo, apenas alegando temer o ainda incerto processo de transferência de poder para uma nova liderança em Damasco. Israel revogou unilateralmente o acordo de desengajamento de 1974 com a Síria, capturando toda a zona de amortecimento estabelecida entre suas forças nas Colinas de Golã. O Exército israelense chegou a avançar além da zona de amortecimento, capturando território sírio adicional nas encostas orientais do Monte Hermon e em Reef al-Sham, nos arredores da capital síria, chegando a 15 quilômetros de Damasco. Israel também capturou várias cidades sírias na zona de amortecimento, incluindo Ofaniyah, Quneitrah, al-Hamidiyah, Samdaniyah al-Gharbiyya e al-Qahtaniyah.

O direito internacional da guerra inclui elementos de jus in bello e jus ad bellum. O primeiro termo refere-se às regras para a condução da guerra, incluindo a proibição de punições coletivas, normas para o tratamento de prisioneiros de guerra (soldados capturados) e a proibição de ataques a hospitais e alvos civis—todas essas já violadas por Israel em Gaza e no Líbano. O jus in bello é sinônimo de Direito Humanitário Internacional e consiste em uma recitação detalhada das limitações sobre a conduta de guerra e o que um exército pode ou não fazer durante um conflito. Inclui convenções, particularmente as Convenções de Haia e Genebra, aplicáveis durante a guerra e à população civil após o conflito. Seu objetivo principal é proteger a população civil enquanto se busca a resolução das hostilidades.

Já o jus ad bellum regula o que constitui razões legítimas para iniciar uma guerra. É fruto da teoria da guerra justa, e afirma claramente que a guerra e o recurso à ação militar requerem uma justificativa moral. A guerra só pode ser travada após a exaustão de todas as outras vias. Deve haver uma causa justa ou um ato que exija uma resposta militar. A guerra também deve ser declarada por uma autoridade legítima com a intenção de promover a paz. Deve ser usada apenas em legítima defesa ou após uma autorização das Nações Unidas para o uso da força.

Até o final da Primeira Guerra Mundial, o recurso à força para resolver disputas internacionais era uma prática comum. Posteriormente, foram feitos vários esforços para banir a guerra, como o Tratado de Paris (Pacto Kellogg-Briand) e, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, passaram-se a exigir condições rigorosas para justificar o início de qualquer guerra ou recurso a meios militares para resolver disputas. Esse princípio foi consagrado na Carta das Nações Unidas. De fato, estudiosos declararam o crime de agressão como o crime máximo no direito internacional, englobando todos os outros crimes.

Sob nenhuma teoria jurídica, entretanto, é legítimo simplesmente invadir outro país, destruir suas capacidades de defesa e capturar território apenas porque é inimigo, seu regime é indesejado ou para melhorar a segurança ou servir a interesses por meio do controle irrestrito do espaço aéreo de outro país. Tal posição torna o direito internacional ilusório e abre uma Caixa de Pandora, pois qualquer país poderoso pode sentir o ímpeto de iniciar guerras com seus vizinhos ou recorrer a meios militares para resolver disputas ou avançar suas reivindicações e interesses.

O comportamento do Exército israelense—aproveitando o caos na Síria para avançar massivamente, destruir suas forças armadas e capturar território estratégico—é, portanto, totalmente inconsistente com o direito internacional, especialmente porque permanece incerto qual autoridade política substituirá o regime de Assad ou qual será a política dessa autoridade em relação a Israel. As ações de Israel tornaram-se ainda mais condenáveis quando, longe de emitir ameaças a Israel, o novo líder sírio Ahmed al-Sharaa declarou publicamente que os rebeldes não pretendem permitir o uso do território sírio para atacar Israel. Essa declaração não desacelerou os ataques israelenses. Tampouco a declaração de al-Sharaa mudou as indicações de autoridades israelenses de que pretendem tornar essa ocupação do território sírio de longo prazo.

Deve-se observar que, em 1981, Israel anexou as porções das Colinas de Golã que havia ocupado em 1967. Nenhum país do mundo reconheceu a anexação, até que o presidente Donald Trump, em seu primeiro mandato, reconheceu a soberania israelense sobre o Golã. Israel o recompensou na época criando um novo assentamento no Golã e nomeando-o Trump Heights. É provável que, em sua segunda administração, Trump continue essa tendência de apoiar a anexação de territórios sírios adicionais por Israel. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu declarou que as forças militares israelenses permanecerão na zona de amortecimento na Síria indefinidamente, até que outro arranjo esteja em vigor “que garanta a segurança de Israel.” O governo israelense também anunciou novas políticas para dobrar o número de colonos judeus e expandir os assentamentos israelenses no Golã ocupado.

O problema vai muito além de alegações de hipocrisia desenfreada e padrões duplos por parte dos países ocidentais—vai à própria estrutura da comunidade internacional, do direito internacional e de suas instituições. O mais preocupante sobre o comportamento de Israel na Síria é o total desrespeito pelos princípios mais fundamentais do direito internacional e sua dependência de força bruta e poder militar para conduzir suas relações com outros países. A comunidade internacional não pode permitir que esse comportamento se torne norma. Os Estados Unidos, em particular, têm uma grande responsabilidade se permitirem tal comportamento, o validarem retroativamente e aceitarem a impunidade de Israel. Certamente é preocupante que o governo Biden já tenha defendido e apoiado as violações de Israel na Síria. A comunidade internacional sofrerá as graves consequências de subverter o direito internacional se as ações de Israel forem aceitas.

Originalmente publicado no Arab Center Washington DC. Jonathan Kuttab (@jkuttab) é um bolsista não residente da instituição.

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