Por Carl Edgard, com agências internacionais – de Nova York, EUA, Moscou e São Paulo
Os piores pesadelos do presidente Barack Obama têm ganhado forma, em uma velocidade com a qual ele não contava, no front financeiro. Uma análise do doutor em Estatística Jim Willie, PhD na matéria pela Carnegie Mellon University, nos EUA, afirma categoricamente que a Alemanha está prestes a abandonar o sistema unipolar apoiado pela Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) e os EUA, para se unir às nações dos Brics, o grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, razão pela qual a agência norte-americana de espionagem NSA ampliou suas escutas à lider germânica Angela Merkel e terminou flagrada por agentes do serviço secreto alemão, após as denúncias do ex-espião Edward Snoden. Em entrevista ao blogueiro Greg Hunter, editor do USA Watchdog, Willie afirmou que a verdadeira razão por trás do recente escândalo de espionagem da NSA, visando a Alemanha, é o clima de medo que ronda o governo norte-americano de que as potências financeiras da Europa estejam procurando fugir do inevitável colapso do dólar.
Editor de um boletim financeiro a partir de Pittsburg, no Estado norte-americano da Pensylvania, Jim Willie afirma que o apoio dos EUA à Ucrânia e as consequentes sanções impostas à Rússia integram o esforço dos EUA de tentar segurar o êxodo europeu no campo econômico e político, em nível mundial. “Aqui está a grande consequência. Os EUA, basicamente, estão dizendo à Europa: você tem duas opções aqui. Junte-se a nós na guerra contra a Rússia. Junte-se a nós nas sanções contra a Rússia. Junte-se a nós nas constantes guerras e conflitos, isolamento e destruição à sua economia, na negação do seu fornecimento de energia e na desistência dos contratos. Junte-se a nós nessas guerras e sanções, porque nós realmente queremos que você mantenha o regime do dólar. (Em contrapartida, os europeus) dizem que estão cansados do dólar… Estamos empurrando a Alemanha para fora do nosso círculo. Não se preocupem com a França, nem se preocupem com a Inglaterra, se preocupem com a Alemanha. A Alemanha tem, no momento, 3 mil empresas fazendo negócios reais, e elas não vão se juntar às sanções”.
Willie continua: “É um jogo de guerra e a Europa está enjoada dos jogos de guerra dos EUA. Defender o dólar é praticar guerra contra o mercado. Você está conosco ou está contra nós?”. Quanto à espionagem da NSA sobre a Alemanha, Willie diz: “(Os espiões norte-americanos) estão à procura de detalhes no caso de (os alemães) passarem a apoiar a Rússia sobre o ‘dumping’ ao dólar. Eu penso, também, que estão à procura de detalhes de um possível movimento secreto da Alemanha em relação ao dólar de união aos Brics. Isto é exatamente o que eu penso que a Alemanha fará”.
Willie calcula que, quando os países se afastarem do dólar norte-americano, a impressão de dinheiro (quantitative easing, QE) aumentará e a economia tende a piorar. Willie chama isso de ‘feedback loop’, e acrescenta: “Você fecha o ‘feedback loop’ com as perdas dos rendimentos causados pelos custos mais elevados que vêm da QE. Não é estimulante. É um resgate ilícito de Wall Street que degrada, deteriora e prejudica a economia num sistema vicioso retroalimentado… Você está vendo a queda livre da economia e aceleração dos danos. A QE não aconteceu por acaso. Os estrangeiros não querem mais comprar os nossos títulos. Eles não querem comprar o título de um banco central que imprime o dinheiro para comprar o título de volta! A QE levanta a estrutura de custos e causa o encolhimento e desaparecimento dos lucros. A QE não é um estímulo. É a destruição do capital”.
Na chamada “recuperação” a grande mídia tem batido na mesma tecla durante anos, Willie diz: “Os EUA entraram em uma recessão da qual não sairão até que o dólar tenha desaparecido. Se calcular-mos a inflação corretamente… Veremos uma recessão monstro de 6% ou 7% agora. Não creio que a situação melhore até que o dólar seja descartado. Portanto, estamos entrando na fase final do dólar”.
“Você quer se livrar de obstáculos políticos? Vá direto para o comércio e negócios. Por que é que a Exxon Mobil continua realizando projetos no Ártico e no mar Negro (na Crimeia) com os russos e suas empresas de energia? Nós já temos empresas de energia dos Estados Unidos desafiando nossas próprias sanções, e mesmo assim estamos processando os bancos franceses por fazerem a mesma coisa. Isso é loucura. Estamos perdendo o controle”, aponta.
Um mundo não norte-americano
No Brasil, a cúpula realizada em Fortaleza, na semana passada, durante a qual foi criado o Novo Banco de Desenvolvimento, chamou a atenção do mundo para o próprio projeto de desenvolvimento do bloco, bem como para o papel da China e da Rússia nesta organização. O vice-diretor do Instituto de Estudos do Extremo Oriente da Academia de Ciências da Rússia, Serguei Luzyanin, anda em paralelo à linha traçada por Willie. Leia, adiante, a entrevista que Luzyanin concedeu à agência russa de notícias VdR:
– Foi referida a criação do embrião “de um mundo não norte-americano”. Porque é que os BRICS não gostam da América do Norte?
– A cúpula brasileira ficou para a história enquanto o mais fértil encontro do “quinteto” – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A sua fertilidade não ficou apenas patente na criação de instrumentos financeiros – o Banco de Desenvolvimento e Arranjo Contingente de Reservas – mas, sobretudo, no nível de empenho dos líderes dos Brics – no auge da Guerra Fria 2.0, quando os norte-americanos tentam esmagar qualquer um que age à revelia das “recomendações” de Washington – em criarem o seu embrião “de um mundo não norte-americano”. No futuro, outros projetos poderão estar ligados ao desenvolvimento dos Brics, como a Organização de Cooperação de Xangai (RIC). O importante é que, de fato, existe a concepção “de um mundo não norte-americano” que se desenvolve ativamente e de forma concreta. Os Brics parecem prestes a se tornar o epicentro deste novo fenômeno. Não é preciso ser um político habilidoso para sentir que os povos e as civilizações dos países em vias de desenvolvimento estão cansados de “padrões norte-americanos” impostos. Aliás, padrões para tudo, economia, ideologia, forma de pensar, os “valores” propostos, vida interna e externa, etc. O mundo inteiro viu pela TV o aperto-de-mão dos cinco líderes dos Brics, ao qual, passado uns dias, se juntou praticamente toda a América Latina. É discutível se, neste impulso comum, existiu uma maior dose de contas pragmáticas ou de solidariedade emocional, mas, uma coisa é certa, nele não houve qualquer amor pela América do Norte. E isso ainda é uma forma polida de colocar as coisas.
– E quanto à adesão da Argentina, quem, no Sul, irá “apoiar” os EUA?
– Para a Índia os Brics são uma oportunidade de reforço na Ásia Austral e de desenvolvimento econômico fora da alçada da Ocidente. A motivação regional é conjugada com expectativas financeiras e tecnológicas que unem a África do Sul e o Brasil. No futuro, o “segmento” latino-americano poderá ser reforçado. Muitos peritos esperam que o “quinteto” seja alargado através da adesão da Argentina ao projeto. Ultimamente tem existido um desenvolvimento fulgurante das relações bilaterais da Rússia e da República Popular da China com países da América Latina, em setores como o tecnológico-militar, comercial, de investimento e energético. Neste quadro, as visitas em Julho de Vladimir Putin e de Xi Jinping marcaram o tendencial círculo de potenciais aliados dos Brics, nomeadamente Cuba, Venezuela, Nicarágua, Argentina, entre outros. Como é sabido, geograficamente, a America Latina “apoia”, a partir do Sul, os EUA. O reforço dos Brics, nessa zona sensível para os norte-americanos, é um trunfo adicional para o mundo em vias de desenvolvimento.
– Relativamente à “descoberta” muçulmana dos BRICS. Como será a institucionalização?
– Também se estuda o prolongamento dos Brics da direção do Islã, onde também existe descontentamento face ao domínio norte-americano. Espera-se que, após a entrada da Argentina, a fila de adesão aos Brics seja engrossada pelo maior, em termos de população, país muçulmano do mundo (cerca de 250 milhões), ou seja, a Indonésia. Ela, seja pela sua ideologia, seja pela ambições, nasceu para aderir ao projeto e assim fechar a região do Sudeste Asiático. O novo governo indonésio confirma a sua intenção de desenvolver o relacionamento com os Brics. A entrada da Indonésia encerrará a “corrente regional” que englobará as principais regiões do mundo. Além disso, cada um dos países dos Brics irá representar a “sua” região, tornando-se no seu líder informal. Brasil a América Latina, RAS a África, Rússia a Eurásia, China o Nordeste da Ásia, Indonésia o sudeste asiático. Os futuros cenários de desenvolvimento do projeto poderão ser diversos. Mas um deles já é atualmente equacionado e de forma bastante concreta. Num futuro próximo, os líderes dos BRICS deverão trabalhar no sentido da institucionalização do projeto, nomeadamente através da criação de um fórum de membros permanentes (atualmente são cinco Estados), e um fórum de observadores e de parceiros de diálogo.
– Há alguma chance de os EUA dialogarem?
– É possível que, com tempo, os EUA sejam obrigados a dialogar com os Brics. Porém, não parece ser algo que venha a ter lugar num futuro próximo. Hoje o projeto está em ascensão. Ele combina, organicamente, as vantagens de diversas civilizações, economias e culturas políticas. Aqui não existem imposições nem domínios de um só país. É claro que existem incongruências, algumas “divergências e visões diferentes quanto à concretização de alguns projetos internacionais. Mas não são diferendos estratégicos. Trata-se de questões objectivas, que surgem, normalmente, nas relações internacionais do mundo político. Os Brics acabam por ser o reflexo bastante preciso do nosso mundo multifacetado e bastante complexo.
Que alívio nos dá essa matéria quanto ao futuro…! Sim, há uma saída!
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