MIKE WHITNEY, Counterpunch
“As intervenções do imperialismo norte-americano, com a colaboração direta da monarquia saudita, lançaram todo o Oriente Médio no caos e num só banho de sangue – desde a destruição do Iraque, até a conversão da Líbia num “estado fracassado” desgraçado por milícias e a carnificina em curso que levaram para a Síria (…) Essas agressões do imperialismo predatório ameaçam incendiar uma conflagração generalizada em toda a região, no momento em que Washington deliberadamente agrava as tensões militares com Rússia e China.
O perigo de que todos esses conflitos separados estejam convergindo para uma 3ª Guerra Mundial cresce dia a dia.”
– Bill Van Auken, Obama’s criminal war against Yemen, World Socialist Web Site
“Os governantes reacionários da Arábia Saudita conseguirão quebrar as legítimas esperanças e sonhos entusiasmados que ardem no coração
de milhares de jovens em toda a Península Árabe? NUNCA!”
– Gamal Abd al-Nasser, Presidente do Egito, de 1956 a 1970
http://www.counterpunch.org/2015/04/14/saudis-face-defeat-in-yemen-and-instability-at-home/
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No seu esforço para impedir o crescimento de “qualquer governo da região que conte com apoio da população”, os EUA uniram-se à guerra selvagem, de aniquilação, que a Arábia Saudita faz contra tribos rebeldes no norte do Iêmen, os houthis [também conhecidos pelo nome do movimento político ao qual os houthis se integram, Ansar Allah (Apoiadores de Deus)]. O Pentágono já autorizou a entrega de bombas, munição, sistemas de orientação, para ajudar na guerra saudita contra o Iêmen, e está fornecendo apoio logístico para maximizar o efeito dos ataques pelos bombardeiros sauditas. Os EUA também já organizaram um “centro conjunto de fusão”, forneceram plataformas para reabastecimento aéreo e “armamento avançado made in USA”, com a explícita intenção de varrer do mundo um grupo militante que derrubou do poder o governo fantoche que os EUA haviam plantado na capital Sanaa, no outono de 2014. O nível de coordenação entre uma improvisada coalizão árabe (o Conselho de Cooperação do Golfo, CCG) e os EUA sugerem que Washington não apenas sabe que os alvos dos sauditas são depósitos de alimentos, instalações de tratamento de água, campos de refugiados e instalações civis críticas, mas, também, que a Casa Branca deu luz verde para essas ações que, inevitavelmente levarão a fome generalizada e colapso social. Aqui, alguns parágrafos de um artigo de The National:
“A Corporação Econômica do Iêmen [orig. Yemen Economic Corporation], um dos maiores armazéns para depósito e distribuição de comida, foi destruída por três ataques dos mísseis da coalizão EUA-sauditas na 3ª-feira, segundo o ministério da Defesa controlado pelos houthis. Aqueles armazéns guardavam alimento suficiente para todo o país. O centro militar de armazenamento de alimentos em Hodeidah também foi atacado e destruído na 3ª-feira, segundo o Ministério da Defesa.
Também em Hodeidah, a segunda maior usina do país, para beneficiamento, armazenagem e distribuição de leite e derivados do leite foi atingida por cinco mísseis sauditas na 4ª-feira, com pelo menos 29 mortos, a maioria dos quais empregados da usina, e dúzias de feridos.” (Yemeni civilians struggle to get by amid conflict[Civis iemenitas colhidos no meio do conflito], The National)
Aqui, do Channel News Asia:
DUBAI – Navios de guerra da coalizão saudita bloquearam a passagem de navio que transportava mais de 47 mil toneladas de trigo, impedindo-o de entrar num porto do Iêmen, exigindo garantias da ONU de que o trigo não seria enviado ao pessoal militar – informaram autoridades portuárias, na 5ª-feira.” (Saudi-led coalition bars wheat ship from entering Yemen port – sources, Channel News Asia)
E também de WSWS:
“Ataques aéreos e os combates em solo destruíram a infraestrutura de eletricidade, deixando às escuras muitas áreas urbanas e interrompendo o funcionamento de bombas indispensáveis para manter o abastecimento de água potável para cidades iemenitas. “Estamos preocupados, porque o sistema pode cair completamente em breve, e as pessoas, sem água, estarão em situação realmente difícil” – disse Harneis, representante da UNICEF, aos repórteres (…)
A zona aérea de exclusão e bloqueamento implantada pela Arábia Saudita e seus parceiros de coalizão efetivamente interrompeu o fornecimento de medicamentos e material médico de primeiros socorros já há duas semanas, o que agravou a atual crise.” (World Socialist Web Site)
Relatos ao vivo da região confirmam que depósitos de alimento estão sendo bombardeados por todo o país; Asr (no oeste) foi atacado, assim como o complexo de Urdhi (centro do país) e Noqum (no leste).
Eis como os EUA guerreiam suas guerras, criando e aprofundando massivas crises humanitárias, que ajudam os norte-americanos a alcançar seus objetivos políticos, mas… Se não é precisamente o modo com operam os terroristas, o que é isso?!
E mais ainda, do Washington Post:
“Com toneladas de medicamentos desesperadamente necessários ainda à espera de liberação para serem enviados ao Iêmen, pessoas que trabalham na ajuda humanitária aos feridos alertaram 3ª-feira sobre o agravamento da crise humanitária naquele país: pelo menos 560, inclusive dúzias de crianças, foram assassinadas, principalmente pelos ataques aéreos da campanha liderada pelos sauditas e em batalhas entre xiitas rebeldes e forças leais ao presidente. Mais de 1.700 pessoas foram feridas e outras 100 mil tiveram de abandonar casas e propriedades, com a intensificação da luta nas últimas três semanas, disse a Organização Mundial da Saúde.” (560 dead amid fears of humanitarian collapse in Yemen,Washington Post)
Os sauditas iniciaram mais essa agressão invocando o mais frágil dos pretextos, a saber, que queriam “restaurar o governo legítimo” e “proteger a constituição e as eleições no Iêmen”. Como comentou Ali Alahmed, da CNN, com ironia:
“Bem estranha essa repentina necessidade de proteger constituições e eleições, vinda de representante de monarquia absoluta (…). Os verdadeiros motivos do reino são absolutamente claros, se se examina a história da monarquia saudita, que jamais permitiu concorrência regional de qualquer tipo, e sempre combateu contra quaisquer esforços para construir governos democráticos que dão poder ao povo (…)
O objetivo dos sauditas é simples: impedir que cresça qualquer governo que tenha apoio popular na região, e que aspire à autodeterminação. E o pretexto de que ao mesmo tempo estariam “resistindo contra a influência do Irã” não passa de mais perversão sectária entre os sauditas.” (What Saudi Arabia wants in Yemen, CNN)
Ainda que concordemos com a tese básica de Alahmed, nossa avaliação é que a ‘explicação’ aplica-se muito mais aos EUA que à Arábia Saudita. Afinal, é o que os EUA têm feito, pulando de país para país, derrubando governos que têm apoio popular e implantando fantoches de Washington, e disseminando desgraça e anarquia por onde andem. Seja qual for o papel que os sauditas tenham representando no grande plano de Washington para redesenhar o mapa do Oriente Médio e projetar os tentáculos dos EUA para a Eurásia, é papel sempre menor e menos determinante que o papel dos EUA. São os EUA que se recusam a permitir que surja qualquer governo independente numa região que os EUA estão dedicados a tentar controlar. E são os EUA que estão facilitando os ataques contra iemenitas inocentes, fornecendo as bombas, as armas, o suporte logístico, sem os quais os reacionários governantes sauditas pouco poderiam fazer. Vejam o que escreveu Gregory Johnson, em Buzzfeed:
“Um consenso parece estar sendo construído em Riad, Cairo e Islamabad na direção de enviarem tropas de solo para combater no Iêmen.” Um oficial militar egípcio disse a BuzzFeed News que a decisão já foi tomada. “Soldados de solo serão incorporados à guerra” – disse o oficial que pediu para não ser identificado.
O timing desse movimento, que implicaria escalada significativa da campanha aérea comandada pelos sauditas, ainda está sendo discutido. Mas nossa fonte militar egípcia disse que pode acontecer imediatamente, nos próximos “dois ou três dias”. (Ground Forces Seen Joining Bloody War In Yemen, Buzzfeed)
Quer dizer então que, depois de duas semanas de bombardeios ininterruptos, a coalizão agora planeja intensificar o conflito metendo coturnos em solo. Mas isso só aprofundará a crise também na Arábia Saudita. Aumentará o risco de que os houthis decidam retaliar – o que, parece, já aconteceu. Segundo a rede Al-Arabiya em inglês, começaram as lutas na cidade saudita de Narian, no sul do país, dia 11 de abril. (#BREAKING Asiri: Houthi militias are amassing close to the Saudi-Yemeni border… #BREAKING: Asiri: clashes reported near the Saudi city of Najran)
Embora ninguém espere que os houthis venham a invadir território do vizinho do norte, alguns analistas entendem que a monarquia abocanhou mais do que conseguirá engolir e, provavelmente, enfrentará revide contra o ataque aos houthis. Um desses analistas e críticos é Sayed Hassan Nasrallah, secretário-geral da organização libanesa Hezbollah. Em entrevista recente, Nasrallah sugeriu que os houthis têm meios para cortar suprimentos vitais de energia, golpear a Arábia Saudita e ainda pôr aos tropeços os mercados financeiros globais, ao mesmo tempo. Aqui, um excerto da entrevista de Nasrallah (com legendas em inglês):
“Os líderes iemenitas já começam a ouvir demandas (…) embora ainda não tenham tomado a decisão, para que fechem o [estreito estratégico] Bab al-Mandeb, o que podem fazer a qualquer momento (São só 20 km de largura; os iemenitas têm meios para fechá-lo.) E também podem atingir alvos dentro da Arábia Saudita, com seus mísseis, ou mesmo entrar em território saudita. Mas nada disso está decidido, até agora (…). Atualmente, o povo do Iêmen já começa a reivindicar “Vamos para a Arábia Saudita!” Os líderes ainda não decidiram fazer isso. Mas quis registrar que, sim, já há a demanda popular.”
E Nasrallah novamente: “Tenho certeza absoluta de que a Arábia Saudita sofrerá derrota terrível. E essa derrota terá impacto sobre a situação interna, sobre a família real… e sobre toda a região.” (“Hassan Nasrallah: The war in Yemen announces the end of the House of Saud”, The Vineyard of the Saker)
Assim sendo, os houthis podem fechar o estreito de Bab Al Mandeb e impedir que milhões de barris de petróleo cheguem ao mercado? É informação que muda completamente todos os cálculos.
E como isso afeta o plano de Washington, para esmagar a economia russa, fazendo desabar os preços do petróleo? Que impacto tem isso sobre os mercados globais de ações, já nervosos por causa dos aumentos que o Fed está projetando? Que efeito terá isso sobre a Frente al-Nusra, o ISIS e outros grupos ligados à Al-Qaeda, que passariam a planejar ataques semelhantes contra pontos críticos da infraestrutura de energia, como melhor meio para alcançar seus objetivos?
Há coisas que os houthis podem fazer para desencorajar a agressão saudita. Podem tomar as coisas nas próprias mãos e começar a atacar onde mais dói.
Washington está tão convicta da própria invencibilidade, que ninguém nem pensa em tal coisa. Sem nenhuma hesitação, a turma de Obama já meteu um aliado chave dos EUA numa guerra sangrenta que pode gerar efeitos graves contra os próprios interesses dos EUA na região. A Arábia Saudita é a pedra basilar do poder dos EUA no Oriente Médio, mas, simultaneamente, é o calcanhar de Aquiles dos EUA.
Ao apoiar o ataque dos sauditas contra os houthis, em vez de procurar solução política, Washington fortaleceu muito a posição da Al-Qaeda na Península Arábica [orig. Al-Qaeda on the Arabian Peninsula (AQAP)], a qual, como grupo, é a principal e mais forte ameaça à monarquia saudita. Como observa Nasrallah:
“Eles [os EUA e a Arábia Saudita] protegem a Al Qaeda e o Daesh no Iêmen e, mais que isso, estão entregando armas a eles, que aos terroristas chegam por avião. Que grande vitória é essa?! Isso é trabalhar contra os interesses da Arábia Saudita.”
E é, sim, realmente. A Al-Qaeda tem capacidades muito mais efetivas para infiltrar-se em território da Arábia Saudita, para fomentar a revolta popular ou organizar ataques terroristas. Os houthis nada tem a ver com isso e não são esse tipo de ameaça à segurança. O único objetivo dos houthis é manter a soberania do Iêmen, as fronteiras e sua política externa independente. Artigo de 2003 publicado em Atlantic e assinado pelo diretor da CIA, Robert Baer, sob o título de “A Queda da Casa de Saud” dá excelente pista das vulnerabilidades de Riad e chega à terrível conclusão de que os dias do reino estão contados. Aqui, um excerto daquele artigo:
“O petróleo saudita é, cada vez mais, controlado por uma família real disfuncional, falida, criminosa e intocável, odiada pelo povo sobre o qual reina e por todas as nações em torno do reino (…)
Há sinais de desastre iminente por todos os lados, mas a Casa de Saud escolheu rezar para que o momento de acertar as contas nunca chegue – e os EUA escolheram fingir que nada veem e nada sabem. E assim nada muda: a família real continua a exaurir o tesouro saudita, comprando mais e mais armas e desviando mais e mais dinheiro ‘de caridade’ para os terroristas jihadistas, sempre no mesmo esforço desesperado e autodestrutivo, para se autoproteger.
O ponto mais vulnerável e o alvo mais espetacular do sistema saudita de petróleo é o complexo de Abqaiq – a maior instalação para processamento de petróleo do planeta, localizada a 24 milhas da costa, a partir do extremo norte do Golfo do Bahrain. Todo o petróleo que se origina no sul é enviado a Abqaiq para ser processado. Para os dois primeiros meses de ataque de moderado a severo contra Abqaiq, calcula-se que a produção cairia, de uma média de 6,8 milhões de barris/dia, para um milhão de barris, perda equivalente a um terço do consumo diário de petróleo cru nos EUA. Sete meses depois do ataque, a produção permaneceria 4 milhões de barris abaixo da normal – redução praticamente igual à que todos os parceiros da OPEP conseguiram alcançar no embargo que impuseram em 1973.
Trabalhei durante 21 anos com o Diretorado da CIA para Operações no Oriente Médio e, durante todos aqueles anos aceitem como verdade o que dizia o meu governo, que o dinheiro que a Casa de Saud enterrava em armas e segurança nacional significaria que as forças armadas e guarda-costas da família real conseguiam manter a salvo a família governante e o petróleo deles (…) Hoje, já não acredito nisso (…) Mais cedo ou mais tarde, e provavelmente mais cedo, de um modo ou de outro, veremos a queda da Casa de Saud.” (The Fall of the House of Saud, Robert Baer, The Atlantic)
Nem os EUA nem a Arábia Saudita tem qualquer direito de interferir em assuntos internos do Iêmen ou de instalar fantoches seus para governar os iemenitas. Esse direito é direito exclusivo do povo do Iêmen. E, apesar de o atual processo para mudar o regime ser confuso e violento, os houthis e seu movimento Ansar Allah representam melhor os interesses da população indígena que qualquer um em Riad ou em Washington. A guerra Sauditas-EUA visa meramente a controlar o resultado do processo de troca de governo, para assegurar que o novo governo permaneça sob o tacão imperial. Como diz Nasrallah:
“O verdadeiro objetivo da guerra é manter o controle e a dominação sobre o Iêmen. Mas o povo iemenita não deixará passar a agressão e a humilhação. O povo do Iêmen vai lutar para defender a própria dignidade, a própria existência, as famílias deles e seu território. E vencerá.”
Tradução Vila Vudu