“Se tomarem o leste da Síria, eu tomo aquele porto no Iêmen”

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29/4/2017, Moon of Alabama

Traduzido por Vila Vudu
Será que os EUA deixarão a Síria, se for esse o preço para impedir que haja uma frota russa atracada no Iêmen?

A questão talvez pareçae estranha, mas se a Rússia tiver sucesso nas negociações que conduz no Iêmen, em pouco tempo será questão inescapável.

Um veículo neoconservador norte-americano publicou recentemente pequena notícia interessante, sem porém indicar qualquer fonte, sobre o Iêmen:
“Rússia está mediando negociações para uma solução política do conflito no Iêmen fora dos canais da ONU, como meio para assegurar bases navais no Iêmen. Rússia conduz negociações políticas com os Emirados Árabes Unidos e o ex-presidente do Iêmen Ali Abdullah Saleh, começando a discutir o futuro governo de consenso para o Iêmen. O apoio de Saleh aos Houthis é crítico para que o bloco Houthi-Saleh preserve a própria influência em todo Iêmen norte e central. Os Emirados Árabes Unidos podem encontrar nesse acordo um podo de conter a expansão da influência do Irã no Iêmen e de limitar custos futuros associados à guerra no Iêmen. Saleh já manifestara disposição de garantir à Rússia o direito de implantar base militar no Iêmen. Esse arranjo que lhe assegure bases nessa área permitiria à Rússia projetar poder sobre uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo, no Mar Vermelho e pelo Estreito Bab al Mandab – gargalo marítimo global.”
Ano passado, em agosto, o ex-presidente Saleh do Iêmen já havia realmente feito uma oferta à Rússia:
“Na luta contra o terrorismo, nos adiantamos e oferecemos todas as facilidades. Nossos portos, nossos aeroportos (…) Estamos prontos a garantir tudo isso à Federação Russa” – disse Saleh numa entrevista em Sanaa.
Naquele momento ninguém (além da Rússia?) levou a sério as palavras de Saleh. Ele não estava, e não está, em posição que lhe dê controle sobre Áden no sul do Iêmen nem sobre qualquer outro porto iemenita relevante.

Também duvidei daquela matéria recente. Sim, até o início dos anos 1990s a União Soviética manteve bases no sul do Iêmen e milhares de conselheiros e instrutores militares trabalhavam no país. Mas atualmente a Rússia não tem recursos navais nem interesse imediato que a leve a abrir uma nova base naquela área. Isso é o que eu pensava.

Mas fonte bem informada no Iêmen fez sumir as minhas dúvidas. Confirmou o que eu lera naquela matéria. A Rússia está, sim, em negociações com os Emirados Árabes Unidos, a aliança Houthi/Saleh e os vários grupos do sul do Iêmen buscando um acordo de paz; e, isso, já dura seis meses. E o acordo incluiria o direito de estabelecer uma base naval em Áden.

Mapa
Todos os sinais de alarme devem ter disparado no CENTCOM, no Pentágono e no Conselho de Segurança Nacional dos EUA. Há 25 anos o Mar da Arábia, o Golfo de Áden e o Mar Vermelho foram águas amplamente controladas pelos EUA. Já a China, que recentemente inaugurou uma base naval “antipirataria” em Djibouti, gerou muita preocupação. Agora…os russos estão chegando!!!

A guerra dos sauditas contra o Iêmen, que os EUA apoiam muito ativamente, não está levando a nada. Todos os dias os sauditas perdem soldados em incursões dos iemenitas (vídeo) em território saudita. Não há qualquer chance de forças sauditas apoiadas virem a tomar o norte do Iêmen que Houthi/Saleh controlam e a capital Sanaa. Os Emirados Árabes Unidos apoiaram a guerra saudita com forças consideráveis. Mas os EAU só querem o porto de Áden e as instalações que há ali para carregar navios petroleiros, que muito interessam à empresa DP World, de propriedade dos EAU, de gestão de portos. Os sauditas querem os portos como pontos de escoamento para o petróleo que exportam, longe dos portos do Golfo Perda, que o Irã poderia facilmente fechar. Mas também querem controlar todo o território do Iêmen.

Os sauditas contrataram a Al-Qaeda no Iêmen para combater como ‘exército saudita por procuração’. Mas nem os EUA nem os Emirados Árabes Unidos concordaram com esse arranjo. Al-Qaeda atacou forças dos EAU no Iêmen. E os EUA temem a AQ no Iêmen como fonte potencial de atentados internacionais. Desde o início do ano forças especiais de EUA e EAU têm atacado por terra ou bombardeado várias concentrações da Al-Qaeda no Iêmen. Os sauditas foram apanhados de surpresa, mas não tiveram como protestar. Al-Qaeda até ali sempre fora o ás com que contavam naquele jogo. E o perderam.

Os sauditas estão retrocedendo da planejada invasão pela costa iemenita do Mar Vermelho em Hodeidah. O porto é atualmente o único pelo qual é possível embarcar cargas de alimento para as áreas sitiadas no norte. A ONU protestou contra qualquer ataque àquele porto, e os EUA retiraram o apoio que davam à operação. Muito provavelmente os Houthis e Saleh aceitarão algum tipo de controle pela ONU, sobre o porto em Hodeidah. Por mais que os sauditas aleguem que o porto serviria para receber armas contrabandeadas do Irã, os Houthi sabem que não é bem assim.

O medo que os sauditas têm de que se implante uma fortaleza iraniana no Iêmen não tem qualquer fundamento. O suposto apoio que os iranianos dariam aos Houthis jamais se materializou. Em mais de dois anos de guerra, nenhum iraniano foi morto, capturado, sequer avistado no Iêmen. Os mísseis balísticos que os Houthis estão usando contra a Arábia Saudita são velhos modelos soviéticos, incluindo mísseis de defesa aérea SA-2/S-75 modificados localmente. O exército iemenita comprou e escondeu muitos desses mísseis, e o Irã jamais teve esse tipo de míssil. Os suprimentos militares que os Houthis usam não vêm do Irã: foram capturados de remessas que os sauditas enviaram aos soldados que alugaram no Iêmen. Os Houthis simplesmente capturam as armas ou as compram sempre que precisam.

Houve recentes protestos em Áden contra Hadi, o presidente iemenita fantoche dos EUA/Sauditas. Hadi residiu ali por algumas semanas, mas teve de correr de volta para sua luxuosa suíte de hotel em Riad, Arábia Saudita. Enquanto Hadi esteve oficialmente no controle e responsável por Áden, nenhum salário foi pago a funcionários do governo, lojas e serviços públicos permanecem fechados e a cidade permaneceu entregue a várias gangues que combatem entre elas em várias partes da cidade. A sede da Fraternidade Muçulmana aliada do partido Islah, que apoia Hadi, foi invadida e queimada.

Para os Emirados Árabes Unidos, já basta:
Os Emirados estão começando a cansar do eterno desentendimento entre aliados. Oficiais que esperavam que Áden viesse a ser um modelo para o resto do Iêmen hoje já temem que deixar o sul no piloto automático será condenar o país a mais instabilidade, – que pode alastrar-se por toda a península arábica. Milhares de combatentes treinados pelos Emirados simplesmente somem (depois de receber o pagamento). Motivar recrutas a avançar para o norte é missão quase impossível, mesmo que se paguem bônus e recompensas. Homens que lutariam dedicadamente para defender a própria casa não são facilmente motiváveis a lutar pela casa de outros.
Se a aliança Saleh/Houthi conseguir fazer a paz com os movimentos do sul que até aqui apoiavam Hadi, a guerra pode chegar ao fim em poucos meses. A Rússia pode operar como moderadora das negociações e, até certo ponto, oferecer garantias. Diferente dos EUA, a Rússia é considerada neutra e sóbria por todos os lados em conflito naquela região. Os Emirados Árabes Unidos e os sauditas terão de pagar pela carnificina que causaram. Os Emirados Árabes Unidos provavelmente conseguirão os direitos de porto comercial para sua empresa DP World. Os sauditas terão de se contentar com alguma paz nas fronteiras. Mas por enquanto os sauditas provavelmente aceitarão acordo desse tipo – se por mais não for, porque saem com alguma honra e põem fim àquela aventura calamitosa no Iêmen.

Quanto ao porto naval e direitos de erguer uma base russa – são excelentes itens com os quais barganhar nas negociações com os EUA sobre a Síria. Se os EUA insistirem em controlar o leste da Síria, os russos podem enviar alguns submarinos, um destroier e outros combatentes para Áden e instalar ali defesas aéreas e marítimas muito respeitáveis, com a missão de manter a segurança de seus navios e do próprio porto. Se os EUA aceitarem deixar a Síria em paz, nesse caso provavelmente bastará manter em Áden alguma velha corveta russa enferrujada, sem defesas aéreas.

O Pentágono e a Casa Branca têm agora de se decidir: manter a primazia sobre os mares daquela área e viver sob a constante ameaça de uma frota russa que expandirá a própria influência na área pelo simples fato de ali estar [ing. “fleet in being“]. Será que uma sempre problemática ocupação do leste da Síria realmente vale todo esse aborrecimento?

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