Günther Grass: O que tem de ser dito

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[*] Günter Grass (1927-2015), Süddeutschen, 4/4/2012

Tradução de trabalho realizada por Baby Siqueira Abrão

Retirado da postagem O poema que desmascarou Israel

Lembrado pelo pessoal da Vila Vudu

 
Günter Grass-documento

Por que me calo, já por tempo demais

Sobre o que é evidente e foi ensaiado

em jogos de guerra, ao final dos quais, como sobreviventes,

somos, se muito, notas de rodapé?

É o alegado direito do primeiro ataque,

que poderia apagar o povo iraniano

subjugado por um boquirroto

e dirigido ao júbilo coletivo,

porque se cogita construir uma bomba atômica

na esfera de poder do Irã.

Mas por que me nego,

a tratar pelo nome aquele outro país

no qual há anos — embora em segredo —

existe potencial nuclear crescente

mas fora de controle, por que nenhum auditor é deixado entrar?

O ocultamento geral desse fato,

ao qual se subordina o meu silêncio,

cai sobre mim como pesada mentira

e coerção, que ameaça castigos;

a condenação de “antissemitismo” é a mais comum.

Agora porém, porque meu país,

cujos velhos crimes antigos,

que são inigualáveis,

é chamado e chamado e assume a tarefa

embora repetidamente e protocolarmente,

com lábios escorregadios, chame de reparação,

será enviado a Israel

mais um submarino, cuja especialidade

consiste em levar ogivas mortais devastadoras de tudo

a um local onde nem se sabe com certeza se há bomba,

como se o medo fizesse prova de algo,

digo o que tem de ser dito.

Mas por que me calei até hoje?

Porque achava que minha origem,

maculada por mácula irremissível

proibia atribuir esse fato, como verdade declarada

ao país Israel, ao qual eu sou e

quero continuar ligado.

Por que só digo agora,

envelhecido e com tintas finais:

Israel potência nuclear põe em risco

a já frágil paz mundial?

Por que é preciso dizer

o que amanhã já pode vir tarde demais;

também porque nós -alemães já suficientemente sobrecarregados-

poderíamos nos tornar cúmplices de um crime

previsível, razão pela qual nossa cumplicidade

não pode ser disfarçada-escondida

nas desculpas costumeiras.

Assumo e admito: não me calo mais

porque estou enojado com a hipocrisia do Ocidente;

além disso, há a esperança

de que muitos se livrem do próprio silêncio,

e exijam que o causador do perigo evidente

abstenha-se de violência

e ao mesmo tempo insistam

que haja controle sem restrições.

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[*] Günter Wilhelm Grass (Danzig, 16 de outubro de 1927 – Lübeck, 13 de abril de 2015) foi um autor, romancista, dramaturgo, poeta, intelectual e artista plástico alemão. Sua obra alternou a atividade literária com a escultura, enquanto participava de forma ativa da vida pública de seu país. Recebeu o Nobel de Literatura de 1999. Também é reconhecido como um dos principais representantes do teatro do absurdo da Alemanha. Seu nome é por vezes grafado Günter Graß.

POSTADO POR CASTOR FILHO

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