Salem Nasser: Palestina#4: Um balanço parcial

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Você teria sido ouvido / Se tivesse invocado algo vivo / Mas não há vida naqueles que você invoca

Por Salem Nasser
Nov 20
4. A partir da Charge em questão, das discussões feitas em aula e do texto indicado no classroom, - brainly.com.br
Prólogo

Escrevi isto depois de já ter terminado o texto que segue e é por isso que o leitor perceberá a repetição de uma mesma ideia em dois lugares. Você haverá de me perdoar por isso.

Tenho evitado imagens ou cenas do sofrimento de Gaza, especialmente se envolverem crianças. Pretendo evitar que tais imagens tomem conta do meu espírito e me paralisem.

Mas, por acaso, vi um menino ferido inclinado sobre o corpo de outro menino, no meio da rua, onde jaziam outros corpos, num cenário de casas e prédios transformados em escombros; Imagino que os meninos fossem irmãos; aquele que está inclinado segura a cabeça do irmão e lhe diz repetidas vezes: você está me ouvindo? você me ouve?

Uma frase árabe muito comum me veio à mente nesse momento. É uma frase geralmente pronunciada como uma reclamação ou como uma declaração pessimista de fatos. Ao pesquisar sua origem, descobri que era um verso de um poema do século VII que dizia assim (na minha tradução provisória):

Você teria sido ouvido
Se tivesse invocado algo vivo
Mas não há vida naqueles que você invoca
E se fosse fogo o que você está soprando
Ele teria acendido
Mas você está soprando cinzas

Não há vida naqueles que você invoca! Isto passou a significar que aqueles que poderiam fazer alguma coisa, aqueles que deveriam assumir responsabilidades, aqueles a quem recorremos nos momentos de necessidade, são indiferentes e não fazem nada.

Não havia vida, de fato, no irmão daquele menino.

E não há vida, de fato, num sentido muito diferente, em tantas pessoas que deveriam estar ouvindo o chamado do menino.

Mostra 'Respiro da Arte' expõe máscaras estilizadas na Itália

Foto: Ansa / Ansa – Brasil

A guerra na Palestina, esta última rodada, já dura pouco mais de 40 dias. Há muitas coisas que merecem alguma análise e alguns comentários. Escreverei com mais frequência sobre esta guerra, enquanto durar e, uma vez terminada, sobre as suas consequências para a região e para o mundo.

Hoje tentarei traçar um mapa dos temas que devem merecer a nossa atenção.

1- Os massacres diários

Realmente não consigo encontrar palavras para tentar descrever ou discutir os massacres de civis, principalmente crianças e mulheres, que ocorrem todos os dias, perpetrados principalmente através de bombardeios aéreos. Na realidade, mal consigo reunir forças para olhar para algumas das milhares de imagens que retratam corpos de crianças despedaçados, carregados por pais que nunca se recuperarão da dor.

É muito doloroso ver e é doloroso pensar sobre isso. E o sofrimento é ainda pior se levarmos em conta o silêncio do mundo. Sim, as pessoas estão saindo às ruas em todo o mundo e a opinião pública reconhece cada vez mais a enormidade dos crimes de Israel.

Mas a chamada “comunidade internacional”, aqueles líderes e governos ocidentais que, normalmente, passam o seu tempo a dar lições ao resto do mundo sobre Direitos Humanos, sobre Direito Humanitário e intervenções humanitárias, ainda estão em silêncio. Se quebram o silêncio, é apenas para apoiar Israel naquilo que ainda consideram ser um “direito à defesa”.

A hipocrisia deveria ser impossível de ignorar, especialmente quando a memória dos discursos entusiásticos e inflamados, carregados de referências à moral, aos valores, ao direito e à justiça, relativos à Rússia e à Ucrânia, ainda está tão fresca.

Esta cegueira, intencional, voluntária, e este silêncio, esta hipocrisia, precisam de alguma discussão. Isto é vital. Farei o meu melhor para lidar com o problema no futuro.

Foto grátis pessoa cega andando pela cidade com bengala cega

Foto:.freepik

2- O que aconteceu no dia 7 de outubro

Insisto que ainda não sabemos exatamente o que aconteceu no dia do ataque do Hamas contra as instalações militares e assentamentos israelenses, e insisto que seria muito importante descobrir.

Israel divulgou pouca informação e há demasiada incerteza: sobre o número de vítimas, sobre a distribuição das vítimas entre civis e militares, sobre o número de locais militares que foram atacados e o número de tropas que ali estavam presentes, sobre o causa real da morte de muitos dos civis que morreram no primeiro ataque.

Há um número crescente de relatos, no entanto, de que muitas, se não a maioria, das vítimas civis israelenses foram causadas por fogo das forças militares de Israel.

Tudo isto é importante para podermos julgar as ações do Hamas e avaliar o que a realidade nos diz sobre o equilíbrio de poder.

3- Quem e o que é o Hamas

Como parte da guerra de propaganda, especialmente aqui no Ocidente, a imagem de um ataque brutal do Hamas contra civis – incluindo notícias falsas, mas duradouras, de bebés decapitados – foi combinada com uma representação do Hamas como sendo, sem qualquer espaço para discussão, uma organização terrorista.

Isso também precisa ser aberto para uma discussão honesta. Farei a minha parte, mas não hoje; em algum momento no futuro próximo.

Por enquanto, deixem-me dizer apenas isto: não sou um homem de apostas, mas estaria disposto a apostar que 99,9% das pessoas no Ocidente não sabem absolutamente nada sobre o Hamas – como disse que era o caso do Hezbollah na minha postagem anterior.

4- A realidade das batalhas no terreno, em Gaza

Mencionei acima o silêncio e a cumplicidade dos líderes e governos ocidentais em relação às ações armadas de Israel contra alvos civis. Nisso, são acompanhados pela grande mídia e pelas agências de notícias. Estes parecem ter perdido toda a capacidade de fazer jornalismo investigativo e de avaliação da realidade; preferem o silêncio quando se trata de crimes.

Na realidade, servem principalmente como veículo para um relato ficcional do que se passa na Palestina e em Gaza. O que vemos e lemos é basicamente o que Israel, os Estados Unidos e os seus aliados desejam mostrar e dizer.

Isso inclui um relato do que está acontecendo no campo de batalha. Não devemos esquecer que Israel precisa extrair da sua guerra em Gaza alguma imagem que indique qualquer tipo de vitória, algo que reconstrua, mesmo que apenas parcialmente, o seu estatuto de poderosa potência militar, mesmo que apenas para consumo externo.

Não há dúvida de que as baixas e o sofrimento de civis são indescritíveis, mas a tendência das batalhas terrestres fala de um momento muito difícil para as forças invasoras israelenses.

5- As outras frentes, complementares

A existência de várias frentes abertas de conflito, que correm paralelamente à de Gaza, não tem recebido atenção suficiente nos meios de comunicação ocidentais e nos debates públicos, mas é de fundamental importância.

A Cisjordânia está cada vez mais instável e à beira da explosão.

As forças de resistência iraquianas têm atacado consistentemente instalações militares dos EUA no Iraque e na Síria.

As forças iemenitas dirigiram drones e mísseis contra o território israelense e, no momento em que escrevo, declaram ter apreendido um navio israelense no Mar Vermelho.

Finalmente, a mais intensa das frentes complementares é a do norte de Israel, onde as suas forças enfrentam ataques diários do Hezbollah. Este último vem, desde 8 de outubro, destruindo sistematicamente equipamentos de vigilância e de espionagem ao longo da fronteira e atacando instalações e veículos militares israelenses. Israel, por sua vez, tem atacado aldeias e campos libaneses. Nesse meio tempo, combatentes do Hezbollah e militares israelenses morreram às dezenas.

O Hezbollah prometeu escalar de acordo com o progresso da guerra em Gaza e de acordo com as ações israelenses contra o Líbano. E a escalada tem sido constante.

6- O dia seguinte

Israel claramente teme o dia seguinte ao cessar-fogo. Nesse dia, começará o momento da prestação de contas para Israel e os seus apoiantes. Nesse momento as negociações terão de começar e deverão incluir a troca de prisioneiros e concessões aos palestinianos e a Gaza. Então, começarão também as investigações sobre as falhas e as deficiências das forças armadas e do governo israelenses e será necessário reavaliar o poder relativo do país.

A aliança da resistência – que inclui o Irã, o Hezbollah, os Ansar Allah do Iêmen, a Mobilização Popular e outros grupos iraquianos, e todas as facções militares palestinas – também considerará o balanço da guerra e aprenderá com ela. A avaliação global, deste lado, deverá ser positiva.

7- O longo prazo

Qual será o futuro da região?

Não há exagero na afirmação de que tudo entrou em curso irreversível de mudança desde o dia 7 de outubro.

Acompanharemos essas mudanças com muita atenção e expectativa.

Fonte: substack

 

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