EUA derrubam a Alemanha pela terceira vez em um século 1

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Guerra Fria – Wikipédia, a enciclopédia livre
3/3/2022, Michael Hudson,[1] Information Clearing House

 

O objetivo estratégico dos EUA na disputa OTAN x Rússia é inflar os preços do petróleo e do gás, sobretudo em detrimento da Alemanha.

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Meu antigo chefe Herman Kahn, com quem trabalhei no Hudson Institute na década de 1970, tinha  discurso já pronto para reuniões públicas. Khan começava dizendo que no ensino médio em Los Angeles, seus professores diziam o mesmo que a maioria dos liberais, nas décadas de 1940 e 1950: “Guerras nunca resolveram nada”. Era como se as guerras jamais tivessem mudado coisa alguma.

Herman discordava, e oferecia lista das mais variadas coisas que as guerras resolveram na história do mundo ou, se não resolveram, pelo menos mudaram. Claro que estava certo, e é claro que ambos os lados no atual confronto da Nova Guerra Fria na Ucrânia lutam para mudar várias coisas.

A pergunta portanto é: o que a Nova Guerra Fria de hoje tenta mudar ou “resolver”?

Para responder a essa pergunta, ajuda perguntar quem iniciou a guerra. Sempre há dois lados – atacante e atacado. O atacante visa a certas consequências; o atacado procura consequências não planejadas, das quais possa tirar vantagem. Nesse caso, ambos os lados têm seus duelos entre consequências buscadas e interesses especiais.

Desde 1991 a força militar atacante e de agressão
sempre é os EUA

Quando o mútuo desarmamento dos países do Pacto de Varsóvia e da OTAN foi rejeitado, não se viu distribuição equitativa de “dividendos de paz”.

Em vez disso, a política dos EUA executada por Clinton e administrações subsequentes para alcançar nova expansão militar via OTAN pagou dividendo de 30 anos sob a forma de redirecionar a política externa da Europa Ocidental e de outros aliados norte-americanos, da respectiva esfera política doméstica, para a ‘bolha’ da “segurança nacional”, orientada para os EUA (porque é proibido falar de “interesses especiais”). A OTAN tornou-se o órgão formulador da política externa da Europa, a ponto de dominar todos os interesses econômicos domésticos de todos os países.

A recente provocação feita à Rússia, com a disseminação da violência étnica ucraniana, anti-Rússia, praticada pelo regime nazista da Ucrânia pós-Maidan de 2014 visava a forçar (e conseguiu forçar) um confronto – reação ao temor entre os interesses dos EUA, de estar perdendo o controle econômico e político sobre seus aliados da OTAN e outros satélites da Área do Dólar. Esses países, afinal, viram suas principais oportunidades de ganho mudarem-se para maior comércio e maiores investimento com China e Rússia.

Para entender exatamente quais objetivos e interesses dos EUA estão ameaçados, é necessário entender a política dos EUA e “a bolha”, ou seja, o planejamento central do governo que não pode ser explicado se se considera exclusivamente uma política ostensivamente democrática. A política que se tem de examinar não é a política dos senadores e representantes dos EUA que representam seus distritos eleitorais ou estados no Congresso.

As três oligarquias norte-americanas que controlam a política externa dos EUA

É mais realista ver a política econômica e externa dos EUA em termos do Complexo Militar-Industrial, do Complexo de Petróleo e Gás (e Mineração) e do Complexo Bancário e Imobiliário, do que em termos da política ‘política’ dos Republicanos e Democratas. Os principais senadores e parlamentares não representam tanto seus estados e distritos quanto representam os interesses econômicos e financeiros de seus principais contribuintes de campanha política. Um diagrama de Venn mostraria que, no mundo de hoje, pós-Cidadãos Unidos, os políticos dos EUA representam seus contribuintes de campanha, não os  eleitores. E esses contribuintes enquadram-se basicamente em três blocos principais.

Três principais grupos oligárquicos compraram o controle do Senado e do Congresso, para instalar seus próprios formuladores de políticas no Departamento de Estado e no Departamento de Defesa.

O primeiro desses grupos oligárquicos é o Complexo Industrial-Militar (ing. MIC) – fabricantes de armas, como Raytheon, Boeing e Lockheed-Martin, que diversificaram amplamente suas fábricas e empregos em quase todos os estados, e especialmente nos distritos eleitorais, onde são eleitos os principais chefes dos comitês do Congresso. A base econômica desse bloco é a renda monopolista, obtida sobretudo da venda de armas à OTAN, aos exportadores de petróleo do Oriente Próximo e a outros países, todos eles com superávit na balança de pagamentos.

As ações dessas empresas dispararam imediatamente após a notícia do ataque russo, liderando uma alta de dois dias no mercado de ações, quando os investidores reconheceram que a guerra de alto custo em mundo de “capitalismo do Pentágono” (como Seymour Melman o descreveu) oferecerá o ‘guarda-chuva’ da Segurança Nacional, aos lucros de monopólio das indústrias da guerra. Senadores e representantes da Califórnia e de Washington no Congresso tradicionalmente representaram o Complexo Industrial-militar, além do Sul, sempre solidamente pró-militares.

A escalada militar da semana passada promete aumento nas vendas de armas para a OTAN e outros aliados dos EUA, enriquecendo os reais eleitores  desses políticos. A Alemanha rapidamente concordou em aumentar os gastos com armas para mais de 2% do PIB.

O segundo grande bloco oligárquico é o setor que extrai renda do petróleo e gás, junto com a mineração (ing. OGAM), aproveitando os favores fiscais que os EUA garantem a empresas que arrancam todos os  recursos naturais do solo e os enviam principalmente para a atmosfera, para os oceanos e às fontes de água.

À semelhança do setor bancário e imobiliário (ing. BARE),  que procura maximizar a renda econômica e maximizar os ganhos de capital para habitação e outros ativos, o objetivo do OGAM é maximizar o preço da energia e matérias-primas que vende, de forma a maximizar a renda que aufere de recursos naturais. Monopolizar o mercado de petróleo da Área do Dólar e isolá-lo do petróleo e gás russos tem sido alta grande prioridade dos EUA há mais de um ano, posto que o gasoduto Nord Stream 2 ameaçou ligar mais estreitamente as economias da Europa Ocidental e da Rússia.

Se as operações de petróleo, gás e mineração não estão presentes em todos os distritos eleitorais dos EUA, pelo menos os seus investidores, sim  estão. Senadores do Texas e outros estados produtores e mineradores ocidentais de petróleo são os principais lobistas do setor OGAM. E o Departamento de Estado tem forte influência do setor do petróleo, e garante cobertura de Segurança Nacional aos incentivos fiscais especiais do setor.

O objetivo político auxiliar é ignorar e rejeitar impulsos ‘ambientais’ para substituir petróleo, gás e carvão por fontes alternativas de energia. Assim sendo, o governo Biden apoiou a expansão da perfuração offshore; apoiou o oleoduto canadense até a fonte do mais sujo petróleo do mundo, nas areias betuminosas de Athabasca, e celebrou o renascimento do fracking nos EUA.

A extensão da política exterior é concebida para impedir que outros países que não cedem o controle do próprio petróleo, gás e a exploração mineral às empresas norte-americanas do setor de petróleo, gás e mineração (OGAM) venham a competir com fornecedores dos EUA nos mercados mundiais. Isolar Rússia (e Irã) dos mercados ocidentais reduzirá a oferta de petróleo e gás, o que fará subir preços e, igualmente, os lucros.

O terceiro maior grupo oligárquico é o setor simbiótico de Finanças, Seguros e Imóveis (ing. FIRE) – que é o moderno sucessor capitalista-financeiro da velha aristocracia fundiária pós-feudal da Europa, que vive de rendas de terra. Com a maioria das moradias no mundo de hoje já ocupadas pelos proprietários (embora com taxas crescentes de casas fechadas e proprietários ausentes, desde a onda dos Despejos de Obama pós-2008), o aluguel da terra é pago em grande parte ao setor bancário, na forma de juros hipotecários e amortização de dívidas (aumento na razão dívida/capital próprio, à medida que os empréstimos bancários inflacionam os preços da habitação).

Cerca de 80% dos empréstimos bancários norte-americanos e britânicos vão para o setor imobiliário, inflando os preços dos terrenos para gerar ganhos de capital – que são efetivamente isentos de impostos para os proprietários ausentes de casas fechadas.

Esse bloco bancário e imobiliário centrado em Wall Street tem base ainda mais ampla, distrito a distrito, que o Complexo Industrial-militar.

Seu senador de Wall Street, por Nova York, Chuck Schumer, chefia o Senado, há muito apoiado pelo ex-senador de Delaware, da indústria de cartões de crédito Joe Biden e pelos senadores de Connecticut do setor de seguros centrado naquele estado.

Domesticamente, o objetivo desse setor é maximizar a renda da terra e os ganhos de “capital” resultantes do aumento da renda da terra.

Internacionalmente, o objetivo do Complexo Finanças, Seguradoras e Imobiliárias   (ing. FIRE) é privatizar economias estrangeiras (sobretudo para garantir nas mãos dos EUA o privilégio de criar crédito). Isso, para transformar a infraestrutura governamental e os serviços públicos em monopólios rentistas, para fornecer serviços básicos (assistência médica, educação, transporte, comunicações e tecnologia da informação) a preços máximos em vez de preços subsidiados para reduzir o custo de viver e de fazer negócios.

Wall Street, vale lembrar, sempre esteve intimamente fundida com a indústria de petróleo e gás (vide  os conglomerados bancários Citigroup e Chase Manhattan, dominados por Rockefeller).

Os setores de Finança, Seguros e Imobiliárias (ing. FIRE), o Complexo Industrial-militar e OGAM são os três setores rentistas que dominam o capitalismo financeiro pós-industrial de hoje. Suas fortunas mútuas dispararam à medida que as ações da Complexo Industrial-militar e do setor OGAM aumentaram. E as medidas para excluir a Rússia do sistema financeiro ocidental (e agora parcialmente do SWIFT), juntamente com os efeitos adversos de isolar as economias europeias da energia russa, prometem estimular um influxo de títulos financeiros securitizados dolarizados.

Como mencionado no início, é mais útil ver a política econômica e externa dos EUA em termos dos complexos baseados nesses três setores rentistas, do que em termos da política política de Republicanos e Democratas. Os principais senadores e representantes do Congresso não representam seus estados e distritos tanto quanto representam os interesses econômicos e financeiros de seus principais doadores. É por isso que nem a indústria nem a agricultura têm hoje papel dominante na política externa dos EUA.

A convergência dos objetivos políticos dos três grupos rentistas dominantes dos EUA supera os interesses do trabalho e mesmo do capital industrial, para além do Complexo Industrial-militar.

Essa convergência é a característica definidora do capitalismo financeiro pós-industrial de hoje. É basicamente uma reversão ao rent-seeking econômico, que é independente da política do trabalho e do capital industrial.

A dinâmica que ainda temos de rastrear hoje é o motivo pelo qual essa ‘bolha assassina’ oligárquica entendeu que fosse de seu interesse provocar a Rússia no que a Rússia evidentemente via como questão de vida ou morte (resistir aos ataques cada vez mais violentos nas províncias de língua russa do leste da Ucrânia de Luhansk e Donetsk), além de outras ameaças mais amplas que o Ocidente fez à Rússia.

Consequências que a ‘bolha assassina’ oligárquica rentista esperava extrair da Nova Guerra Fria

Como o presidente Biden explicou, a atual escalada militar orquestrada pelos EUA (“Provocar o Urso”) não tem a ver, realmente, com a Ucrânia. Biden prometeu desde o início que nenhum soldado norte-americano estaria envolvido.

Mas continua a exigir, há mais de um ano, que a Alemanha impeça o gasoduto Nord Stream 2 de abastecer a indústria e habitação na Alemanha com gás de baixo preço; isso feito, que a Alemanha volte-se para os fornecedores americanos, de preços muito mais altos.

As autoridades norte-americanas tentaram primeiro impedir que fosse completada a construção do gasoduto.

As empresas que ajudaram na  construção foram sancionadas, mas finalmente a própria Rússia completou o oleoduto.

A pressão dos EUA então voltou-se contra os tradicionalmente dóceis políticos alemães, alegando que a Alemanha e o resto da Europa enfrentavam uma ameaça da Rússia, contra Segurança Nacional daqueles países. Essa ameaça consistiria de a Rússia vir a desligar o gás, presumivelmente para extrair algumas concessões políticas ou econômicas.

Não conseguiram inventar nenhuma específica demanda russa nessa direção. Então deixaram tudo vago, uma ameaça obscura, espécie de ‘bolha assassina’. A Alemanha se recusou a autorizar que o gasoduto Nord Stream 2 entrasse oficialmente em operação.

Um dos principais objetivos da Nova Guerra Fria de hoje é monopolizar o mercado de embarques de gás natural liquefeito (ing. GNL) dos EUA. Já sob a administração de Donald Trump, Angela Merkel foi chantageada para prometer gastar US$ 1 bilhão em novas instalações portuárias para navios-tanque dos EUA descarregarem gás natural para uso alemão.

A vitória nas eleições democratas em novembro de 2020, seguida pela aposentadoria de Merkel, que saiu da cena política alemã, levou ao cancelamento desse investimento em portos, deixando a Alemanha realmente sem muita alternativa à importação de gás russo para aquecer suas casas, fornecer energia elétrica e fornecer matéria-prima para sua indústria de fertilizantes e, consequentemente, para manter a produtividade da agricultura alemã.

Assim, o objetivo estratégico mais premente dos EUA no confronto da OTAN com a Rússia é fazer aumentar os preços do petróleo e do gás, sobretudo em detrimento da Alemanha. Além de gerar lucros e ganhos no mercado de ações para as companhias petrolíferas americanas, os preços mais altos da energia tirarão grande parte do ímpeto da economia alemã.

Essa é a terceira vez em um século que os Estados Unidos derrubam a Alemanha – a cada vez aumentando o controle sobre uma economia alemã cada vez mais dependente dos EUA para importações e liderança política, com a OTAN no controle efetivo contra qualquer resistência nacionalista doméstica.

Preços mais altos de gasolina, aquecimento e outras energias também prejudicarão os consumidores dos EUA e de outras nações (especialmente as economias com déficit de energia do Sul Global) e deixarão menos do orçamento das famílias dos EUA para gastos com bens e serviços domésticos. Isso pode espremer proprietários de imóveis e investidores marginalizados, levando a uma maior concentração de proprietários ausentes de imóveis residenciais e comerciais nos EUA, juntamente com aquisição de proprietários de imóveis em dificuldades em outros países que enfrentem custos crescentes de aquecimento e energia. Para a ‘bolha assassina’ pós-industrial, esse efeito não passaria de dano colateral.

Os preços dos alimentos também subirão, encabeçados pelo trigo. (Rússia e Ucrânia respondem por 25% das exportações mundiais de trigo.) O aperto alcançará também muitos países com déficit alimentar do Oriente Próximo e do Sul Global, piorando a balança de pagamentos e ameaçando calotes da dívida externa.

As exportações de matérias-primas russas podem ser bloqueadas pela Rússia em resposta às sanções à moeda e ao sistema SWIFT. Pode haver quebras nas cadeias de suprimentos de materiais-chave, incluindo cobalto, paládio, níquel e alumínio (cuja produção consome muita eletricidade, seu principal custo – o que tornará esse metal mais caro).

Se a China decidir ver-se como a próxima nação ameaçada e juntar-se à Rússia num protesto comum contra a guerra comercial e financeira dos EUA, as economias ocidentais sofrerão choque sério.

O sonho de longo prazo dos Novos Guerreiros da Guerra Fria é desmembrar a Rússia, ou pelo menos restaurar a cleptocracia gerencial Yeltsin/Harvard Boys, com oligarcas buscando lucrar com as privatizações nas bolsas de valores ocidentais.

O sonho de longo prazo do setor OGAM (setor de petróleo, gás e mineração) ainda é comprar o controle majoritário da Yukos e da Gazprom. Wall Street adoraria recriar um boom do mercado de ações russo. Com os investidores da Complexo Industrial-militar antecipando alegremente a perspectiva de vender mais armas para ajudar a trazer tudo isso.

As intenções da Rússia, de se beneficiar das consequências que os EUA não planejaram

O que a Rússia quer? Mais imediatamente, remover o núcleo nazista anti-russo que o massacre de Maidan e o golpe de Estado consumaram em 2014. A Ucrânia deve ser neutralizada, o que para a Rússia, significa basicamente posicionar-se pró-Rússia, Donetsk, Luhansk e Crimeia. O objetivo é evitar que a Ucrânia torne-se palco de movimentos anti-Rússia  orquestrados pelos EUA à moda  Chechênia e Geórgia.

O objetivo de longo prazo da Rússia é tirar a Europa do domínio da OTAN e dos EUA – e, no processo, criar com a China uma nova ordem mundial multipolar centrada em uma Eurásia economicamente integrada.

O objetivo é dissolver completamente a OTAN e, em seguida, promover as amplas políticas de desarmamento e desnuclearização que a Rússia vem pressionando. Sem OTAN, não se reduzem só as compras de armas de empresas dos EUA. É possível também que o fim da OTAN leve a sanções contra o futuro aventureirismo militar dos EUA. Com isso, reduz-se a capacidade dos EUA para financiar as próprias operações militares à medida que a desdolarização se acelera.

Agora – quando já deveria ser óbvio para qualquer observador informado que (1) o propósito da OTAN é agressão, não defesa; e (2) não há mais territórios para a OTAN conquistar dos restos da antiga União Soviética – pergunto, o que a Europa ganha, com manter a adesão à Aliança?

É óbvio que a Rússia nunca mais invadirá a Europa. Não tem nada a ganhar – e não teve nada a ganhar na luta contra a Ucrânia, exceto reverter a expansão por procuração da OTAN naquele país e os ataques apoiados pela OTAN à Novorossiya.

Líderes nacionalistas europeus (a esquerda é amplamente pró-EUA) perguntarão talvez por que seus países deveriam pagar por armas americanas que apenas os põem em perigo; obrigam os cidadãos a pagar preços mais altos por GNL e energia dos EUA; forçam os países a pagar mais por grãos e matérias-primas produzidas na Rússia? Por que tudo isso ao mesmo tempo, em que seus países vão perdendo a opção de exportar e auferir lucros em investimentos pacíficos na Rússia? E talvez todos esses povos e países percam também a China?

O confisco das reservas monetárias russas pelos EUA, após o recente roubo das reservas do Afeganistão (e a apreensão pela Inglaterra dos estoques de ouro da Venezuela mantidos lá) ameaça (1) a adesão de todos os países ao padrão do dólar e, portanto, (2) o papel do dólar como veículo de poupança em moeda estrangeira para bancos centrais do mundo.

Tudo isso acelerará o processo de desdolarização internacional já iniciado por Rússia e China, apoiados, os dois países nas reservas com que contam, um em moeda do outro.

No longo prazo, a Rússia provavelmente se juntará à China na formação de uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial, dominados pelos EUA.

O anúncio da Rússia, de que  prenderá os nazistas ucranianos e os julgará por crimes de guerra, parece implicar que se estabelecerá uma alternativa à Corte Internacional de Haia, depois da  vitória militar da Rússia na Ucrânia.

Só um novo tribunal internacional poderá julgar criminosos de guerra, que vão, de líderes nazistas da Ucrânia a funcionários dos EUA – todos responsáveis por crimes contra a humanidade, conforme definidos pelas leis de Nuremberg.

Espero que a Rússia retire-se essa semana. Não consigo imaginar que tenha qualquer intenção de gastar recursos e vidas, numa ocupação.

A primeira tarefa das tropas russas é deter o ataque às províncias orientais de língua russa e proteger a Crimeia. A segunda tarefa, destruir as forças militares nazistas, prender seus líderes e, se possível, levá-los a julgamento por crimes de guerra. Daí, então, subir a escada até os patrocinadores norte-americados, NED, etc.

É claro que é possível que a Europa se separe. Nesse caso, a Rússia se voltará para a China e seus colegas membros da Organização de Cooperação de Xangai, OCX.

A Europa sofrerá graves problemas na cadeia de suprimentos, inflação dos preços das commodities e apertos orçamentários para a população e governos.

A ‘bolha assassina’ norte-americana em algum momento pensou nas consequências da guerra da OTAN?

São quase humor negro, as tentativas dos EUA para convencer a China de que deve juntar-se aos EUA na denúncia dos movimentos da Rússia na Ucrânia. A maior consequência não intencional da política externa dos EUA foi unir Rússia e China – e também o Irã, a Ásia Central e outros países – ao longo das Novas Rotas da Seda.

A Rússia sonhava criar uma nova ordem mundial. Mas foi o aventureirismo dos EUA que levou o mundo a uma ordem inteiramente nova. Nova ordem que parece ser dominada pela China como ganhadora padrão, agora que a economia europeia está essencialmente dilacerada, e a América é deixada de lado, com o que conquistou da Rússia e do Afeganistão, mas sem a capacidade de conseguir qualquer apoio futuro.

E tudo o que escrevi acima pode já estar obsoleto, pois a Rússia e os EUA entraram em alerta atômico.

Minha única esperança é que Putin e Biden possam concordar que, se a Rússia bombardear a Grã-Bretanha e Bruxelas com hidrogênio, haverá acordo do inferno (não de cavalheiros), para que um lado não bombardeie o outro.

Com essa conversa, sou trazido de volta às minhas discussões com Herman Kahn há 50 anos. Kahn tornou-se bastante impopular por ter escrito Thinking about the Unthinkable, ou seja, a guerra atômica.

Como se viu seu livro parodiado em Dr. Fantástico [o filme], Khan realmente disse que, sim, que haveria sobreviventes. Mas acrescentou que, para si mesmo, esperava estar bem debaixo da bomba atômica, porque não tinha interesse algum em sobreviver no tal mundo ‘pós’.*******

[1] Michael Hudson é autor de Killing the Host (publicado como e-book pela CounterPunch Books e impresso pela Islet). Seu novo livro é J is For Junk Economics. Recebe e-mails em mh@michael-hudson.com

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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Um comentário sobre “EUA derrubam a Alemanha pela terceira vez em um século

  1. Responder Rafael mar 8,2022 22:30

    Muito bom! Sinceros agradecimentos aos tradutores.

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