Imigração Árabe no Brasil: “Flagrantes árabes na imigração” 2

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Por ocasião do dia 25 de março, “Dia Nacional da Comunidade  Árabe” estamos publicando um texto sempre atual sobre alguns flagrantes árabes na imigração, boa leitura a todos!
Syrian and Lebanese in Western São PauloPor Claude Fahd Hajjar
A Presença Árabe nos 500 Anos da América
Imigração Árabe no Brasil
 
Com este primeiro evento Americano -Árabe na cidade de Caracas -Venezuela, a Federação de Entidades Americano – Árabes – Fearab América, dá início às festividades em comemoração aos 500 anos do Descobrimento da América.

Toda festividade se nutre e cimenta na memória pois revive, recorda, elabora e se apodera do passado integrando – o ao presente.

Toda celebração traz uma nova leitura do mesmo fato, reatualizando percepções e sensações adormecidas e sobre uma nova ótica, inaugura um futuro, o devir. Por tanto, ao festejar um fato passado, estamos celebrando a esperança em um futuro ao qual nós traçaremos o seu contorno.

A Fearab América vem trabalhando há mais de oito anos com as comemorações do V° Centenário. Pesquisadores de diferentes países, americanos e árabes se dedicaram ao tema do descobrimento, conquista, desenvolvimento, integração e aculturação dos diferentes povos que para aqui vieram.

 A presença árabe na América e sua participação no desenvolvimento deste continente é o objeto constante destas pesquisa .

Consideramos este evento como um fato, uma pausa para a reflexão sobre:

nossa pertinência americana
nossa raiz árabe
nosso vínculo ibérico
nossa tradição sírio libanesa
nossa identificação com os nativos americanos
nossa solidariedade com todos os povos que ajudaram a povoar e construir a América.

Em 1492 Colombo atracou suas naves na Baia de Santo Domingo. Este fato denominado o  “Descobrimento da América” pelos espanhóis não é apenas um encontro extremo exemplar e paradigmático: ele possuí um outro sentido de causalidade direta.

A história mundial é feita de conquistas e derrotas, de colonizações e descobrimentos do “Outro”; mas é a conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente.
Podemos afirmar que o início da era moderna é 1492.
 
É nesse momento que começa nossa genealogia. A partir deste momento descobrimos o  “Outro” e também nosso real tamanho. Descobrindo nosso real tamanho, nós percebemos que os descobrimentos se acabaram, e constatamos que “o mundo é pequeno” como declarou Colombo emCarta raríssima 7de julho de 1503.
 
O corpo físico do planeta se completou, a parte que faltava havia sido encontrada e ao revelar-se a outra metade o mundo inaugura um novo tempo com uma nova realidade de espaço, de distancia, referência, clima e extensão territorial
Uma outra natureza se delineia e se mostra. Novas espécies, nova fauna e nova flora, diferentes hábitos e costumes se enfrentam, se estranham e se entranham.

Por estas e outras razões não consideramos estas comemorações somente americanas, espanholas ou portuguesas. O mundo festeja os quinhentos anos do encontro de suas duas metades:

– a América descobre o velho mundo
– o Velho Mundo descobre a América
– o Velho Mundo descobre a amplitude de espaço e riquezas que lhe eram negados nos velhos continentes.
 
América, também descobre uma outra riqueza cultural, produto do intercâmbio de raças e culturas que por milênios transitaram entre Ásia, África e Europa. A bagagem científica, tecnológica, política e administrativa do Velho Mundo foi a aquisição valiosíssima que a América ganhou.

Da mesma maneira que a natureza atrai e irradia vida e plenitude, também rechaça e expulsa muitos de seus filhos. Impõe-se hoje a nós pensadores e investigadores do V° Centenário fazer uma reflexão sobre estes quinhentos anos que promoveu um novo horizonte à humanidade.

Este período não proporcionou só abundância e riquezas, mas trouxe também consigo enfermidades, revoltas e massacres vividos tanto pela população autóctone como pelos primeiros colonizadores e também imigrantes.
Flagrantes Árabes na Imigração

Não é possível compreender e medir a presença árabe na América partindo de uma linearidade histórica descritiva. Gera perplexidade ao pesquisador a discrepância existente entre os elementos atribuídos à presença árabe na América em seu aspecto cultural, político, social, econômico e científico quando contraposto à quase ausência de registros, estudos e documentos que confirmam esta presença.
 
Fontes autorizadas em estatísticas estimam que dez por cento da população americana é de origem árabe. Não vamos nos deter nestes números pois o nosso foco é qualitativo:
nosso interesse é detectar como o estilo, a ética, os sutis detalhes do árabe ficaram impregnadas no estilo de vida americano.
 
No âmbito científico como no literário está retratada a vida cotidiana do homem americano.
Seus hábitos e costumes nos remetem a um outro tempo e lugar, a uma outra história: a presença árabe na Europa , sua miscigenação na Península Ibérica e no sul de Itália.
 
Para o investigador histórico da presença árabe na América é mais fácil escrever a história atual que se desenvolve dia a dia em cada país que conseguir um registro ou uma citação de tal presença. No entanto, percebemos como se um tabu impedisse a “revelação” desse movimento histórico participativo.
 
A presença Árabe americana fez a história, porém continua sem registro na história.
Ao estudarmos esta presença à luz da moderna imigração, isto é , desde fins do século dezenove até começo do século vinte nos enfrentamos com uma história descritiva. Obras memoráveis como a construção de hospitais, orfanatos, clubes, entidades de beneficência e outros, serviram para a “elaboração do luto” fruto da dor causada pelo afastamento dos seus países de origem. 
 
Vemos a divisão e o sectarismo atravessar o oceano e radicar-se aqui. O apego à terra natal transporta ao país da imigração as diferenças e os regionalismos.
Constatamos que as novas gerações repudiam essas práticas ancestrais e por não compreender a razão de ser de tais hábitos, estão se afastando das tradições.
 
Negando sua pertinência ao seu grupo, se instala o desenraizamento que por sua vez dá lugar à desarticulação com o social. Essas pessoas descendentes de imigrantes tentam uma miscigenação forçada com o meio em que vivem procurando desesperadamente formar parte dele, pertencer a ele. 
 
Dando continuidade aos flagrantes, mudarei a cena e os conduzirei aos atuais Síria e Líbano.
  Causou-me profunda estranheza ao visitar sítios arqueológicos nesses países e perceber que os povos que ali vivem, há muito tempo, não possuem nenhum vínculo com os fatos de seu passado glorioso. Muito semelhante, me pareceu, com a indiferença de peruanos e mexicanos frente às relíquias históricas deixadas por seus antepassados indígenas.
 
Essa descontinuidade histórica e cultural pode ser a causa subjacente geradora de toda a negação da origem que o imigrante vive em sua vida diária. Desconhecendo seu passado se coloca à margem de seu presente e da esperança no futuro. 
 
É necessário lembrar também, para a compreensão desta análise, que os mesmos quinhentos anos que comemoramos na América foram muito negativos para o povo árabe em geral.
Foi em 1492 que os árabes foram expulsos de Granada, na Espanha, e se dispersaram pelo mundo. Nesse mesmo período a região da Síria natural, estava sob o domínio Otomano e assim se manteve por quatrocentos anos.
 
Este período sombrio da história desse povo provocou grande perda da identidade nacional  e como consequência seu empobrecimento vital, econômico e político.
 
A deterioração das instituições do Estado privou os cidadãos de um sistema de ensino suficientemente amplo, reservando esse privilégio a uma reduzida elite econômica.
A grande massa do povo, no entanto, buscava a sobrevivência, condenada pela ausência de condições para manifestar seu potencial produtivo.
 
Dois tipos de imigrantes chegaram na América no final do século dezenove:
  1. o imigrante informado, culto, que abandona o país por questões políticas e econômicas,
  2. o imigrante que saía em busca da segurança e sobrevivência.

O primeiro tipo buscava na imigração, iluminar sua mente e oxigenar seus pensamentos, procurando soluções políticas, econômicas e sociais para o seu país de origem. Ele saía da cena política pensando organizar os acontecimentos entre bastidores. Um exemplo vivo dessa situação temos aqui no Brasil.

 
O começo da imigração documentada é de 1885 e o primeiro diário em idioma árabe,“Al – Fayad”, foi publicado na cidade de Campinas em1897.
Este exemplo ilustra bem a preocupação do imigrante árabe que saiu em busca da expressão política, em busca de seu direito de pensar e de encontrar soluções para seu povo e o país de origem. 

 
Os filhos desses imigrantes vivem comprometidos com a realidade de seus pais e conhecem bem a história, seu valor como imigrantes árabes e o significado de carregar em suas veias seis mil anos de história da civilização. Pertencem e se solidarizam tanto com sua parte árabe como com sua parte americana.
Entre eles temos excelentes profissionais orgulhosos de sua origem e que divulgavam sua tradição e história. Exercem participação ativa no seio da sociedade em que atuam e são verdadeiros cidadãos americanos. Muitos deles representam a América nos países árabes e os países árabes na América.

 
O segundo tipo, aquele que se viu expulso da sua terra por razões de miséria e fome, emigrou, sofreu, se ressentiu, porém ao chegar aqui, canalizou toda a sua força produtiva represada e pode conquistar sua tão desejada sobrevivência, segurança e por fim prosperidade.
Cabe aqui deixar claro alguns aspectos sobre diferenças existentes entre os imigrantes europeus, asiáticos, e o imigrante árabe.

Os italianos, alemães, japoneses, e outros formaram parte de uma imigração organizada, projetada e protegida. Por outro lado a imigração árabe foi programada, dirigida, mas não protegida; isto por que quando teve início a imigração, os atuais estados árabes não existiam, razão pela qual não foram firmados acordos tal como ocorreu com outros países de onde procedia também a imigração.
Este fator, sem dúvida, depois de passados cem anos de história imigratória, pode ser considerado como positivo, pois obrigou o imigrante árabe a forjar-se a si mesmo e a suas organizações sociais que protegiam os conterrâneos que chegavam aos portos americanos.

No entanto se pudéssemos retroceder no tempo e avaliar o sofrimento e dificuldade destas pessoas, que saindo da região da Síria e do Líbano, tiveram que somar à dificuldade da grande barreira idiomática, o clima do Brasil, a vegetação, a alimentação, a religião, tudo lhes era estranho, diferente. Tiveram que apreender a viver outra vez em outra terra e carregando ainda na alma a nostalgia do que deixou para trás.

Continuo agora a lhes falar deste segundo tipo de imigrante aquele que emigrou em busca da sobrevivência.
Para enfrentar todas as dificuldades inerentes à imigração, buscou no trabalho, na produção, a forma de afastar-se do mundo externo que lhe era desconhecido e hostil já que cabia a ele um propósito: buscar a segurança e a prosperidade econômica.

Muitos deles ao seguir essa fórmula, se excederam na dose, privando os seus familiares da presença paterna e por conseguinte, da história e do mito que o pai representa.
Criaram famílias desarticuladas de seu passado. Seus descendentes sentem-se estranhos, “inchados”, “ engrandecidos pelo dinheiro” porém sentindo a falta de base, da origem, da história e da tradição.

Tentam integrar-se na sociedade em que vivem, porém, como essa integração não é espontânea, não atingem o objetivo totalmente. Desconhecem a música e o folclore de seus pais e muitos sentem vergonha de serem árabes, já que este vínculo atávico foi lhes negado pelo ressentimento de seu pai.
Mantém o nome árabe, a comida, porém todo o demais está totalmente perdido.

Na segunda geração desses imigrantes, a desorientação é muito grande. Mais tarde, seus filhos, isto é, a terceira geração, buscam na compreensão de suas raízes a reintegração consigo mesmos e com suas origens. Usando uma linguagem metafórica psicanalítica, buscam ansiosamente reaproximarem-se e apoderarem-se das imagens fantasmáticas do inconsciente do pai, para a partir desse, poder chegar a seu avô, tão negado e anulado por seu pai.

 
Apresentado em Caracas,Venezuela, no início 1992.

Claude Fahd Hajjar
Diretora Cultural de Fearab América
Coordenadora do Vº Centenário de Fearab América -“Encontro de Duas Culturas”

 

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2 thoughts on “Imigração Árabe no Brasil: “Flagrantes árabes na imigração”

  1. Responder Sami Bordokan mar 28,2021 10:25

    Muito esclarecedor e reflexivo
    Adorei

    • Responder Claude Hajjar mar 28,2021 23:35

      Obrigada Sami Bordokan, fico feliz que você tenha gostado. Estarei publicando outros trabalhos sobre este tema.

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