A receita para a paz na Síria- Um diálogo entre o GT Árabe e o Governo do Brasil

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Por: Luciana Garcia de Oliveira*

Desde os primeiros levantes na Síria, em 2011, o país passou a ser o foco de um expressivo grupo de estudos da capital paulista, o Grupo de Trabalho Árabe (GT Árabe), grupo que reúne integrantes da diáspora síria, libanesa, palestina e brasileiros estudiosos de temáticas variadas sobre o Mundo Árabe. Muito embora tenha sido criado em função das reportagens omissivas sobre a questão internacional palestina, notadamente durante as ações israelense em 2008-2009, a emergência da chamada “Primavera Árabe” em alguns países árabes como a Tunísia e Egito tem rendido uma série de informações imprecisas sobre o caráter das manifestações, a cultura e a política dentro desses contextos, porém o caso considerado mais trágico, foi sem dúvida, o caso da Síria.

Os levantes e as manifestações perduraram, porém, diferente do contexto tunisiano e egípcio o então classificado “ditador Bashar Al Assad” não caiu e entre aqueles que se manifestavam em prol da “Democracia” havia sido constatado uma enorme quantidade de mercenário estrangeiros, os quais promoviam ataques terroristas em larga escala em muitas instituições públicas e santuários religiosos notadamente as Igrejas cristãs e ainda realizavam uma série de massacres e perseguições às populações não coniventes com o seu método sejam elas muçulmanas sunitas, xiitas e alawitas e à grande comunidade cristã síria, incluindo mulheres e crianças. Progressivamente eram reportados na imprensa árabe diversos casos impactantes, grande parcela das vítimas sofriam estupros e torturas bárbaras.

O GT Árabe pôde se prevenir de uma série de informações “desencontradas” na imprensa brasileira, alguns dos seus integrantes falam e leem o árabe, isso facilitou para que fossem realizados muitas reuniões de estudos sobre o que de fato estava acontecendo na Síria e o resultado já estava sendo desenhado: ao mesmo tempo que os meios de comunicação de massa no Brasil reportavam sobre a tragédia de forma absolutamente maniqueísta, durante as reuniões do GT Árabe estava sendo propagadas uma versão distinta: A essa altura o território sírio já estava tomado por alguns grupos terroristas internacionais como a Al Qaeda e Jabhat alNusra, que se fundiam em meio ao chamado “Exército livre da Síria”, ao mesmo tempo, grande parte da população saiam às ruas em apoio a unidade do país e em solidariedade ao seu Governo e Exército Nacional.

A imprecisão midiática brasileira em certa medida refletiu no discurso e ações do Ministério das Relações Exteriores do governo da presidente Dilma Rousseff, em 2012 a embaixada brasileira em Damasco foi fechada e todas as demandas consulares foram transferidas ao país vizinho, em Beirute, capital libanesa. Mesmo diante do terrível estado de violência, os integrantes do GT Árabe, sobretudo a diáspora síria não deixaram de sentirem um desapontamento profundo, não somente pela ação entendida como de exclusão e isolamento, mas porque a maioria dos integrantes que compõem o GT Árabe haviam apoiado demasiadamente a candidatura de Dilma Rousseff, na esperança de continuidade de um modelo de política internacional adotada pelo seu antecessor, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.

No dia 25 de novembro foi enviada uma carta à Presidenta Dilma Rousseff, assinada pela maioria dos integrantes do GT Árabe, o texto parabenizava a presidente pela vitória no segundo mandato presidencial e pela postura adotada durante a reunião dos BRICS. Ao final no entanto, foi clamado:

Em nome de nossos pais e avós imigrantes, que ajudaram a construir este país, pedimos que o Brasil se posicione favorável ao povo sírio, sua integridade e soberania e que este passo possa se materializar com a reabertura da embaixada brasileira em Damasco, aonde os nossos diplomatas brasileiros estarão próximos de seus pares das inúmeras outras representações diplomáticas que permaneceram na capital da Síria”.

Esse clamor dos imigrantes e brasileiros solidários ao povo sírio representados pelo GT Árabe não ficou em vão, a resposta ao pedido veio prontamente no dia 10 de dezembro através do Ministério das Relações Exterires. Em seu conteúdo pôde ser reafirmado que o Brasil não havia fechado a sua embaixada em Damasco “tendo apenas evacuado os seus servidores por questões de segurança”. Ainda, foi reiterado que “do ponto de vista bilateral, o Brasil mantém sua Embaixada na capital síria como plataforma de comunicação com as autoridades daquele país e, em temas consulares, com os cidadãos sírios e brasileiros residentes naquele país”. A resposta, da mesma forma, reforça as ações de um modelo de política externa almejado pelo GT Árabe, qual seja, um modelo que prioriza ações consistentes para um encaminhamento pacífico para a crise, de modo a promover o diálogo político entre os componentes internos do contexto sírio em respeito à integridade e soberania territorial do Estado da Síria.

O diálogo que envolve os caminhos para uma possível solução para a tragédia instalada na Síria terá continuidade através do fomento de ações políticas e culturais coletivas, sobretudo por intermédio de estudos e pesquisa com fontes capazes de transmitir um olhar mais atento sobre os contextos políticos e sociais da região do Oriente Médio. O contexto sírio é extremamente complexo, não há saídas fáceis e resoluções milagrosas, da mesma forma, os cerca de 200 mil mortos e os 3 milhões de refugiados além dos 5 milhões de desalojados, certamente não enfrentaram uma luta do “bem contra o mal”; ao invés de apontar e acusar uma única autoridade, o mais adequado é compreender e ouvir os depoimentos daqueles que permanecem no front, ao contrário não passará de um diálogo superficial e de um desfecho impositivo, sem o devido respeito à realidade, a paz e a liberdade. 

 * Advogada, mestranda, autora e pesquisadora de temas do Oriente Médio e membro do GT Árabe

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