Os momentos suscitados pela “comunidade internacional” para recordar o compromisso não cumprido com a Palestina são vários, mas a ocupação sionista, petulante, parece desafiá-los, “vitimizada” pela crescente condenação. Em 2014, o Ano de Solidariedade ao Povo Palestino, assistimos a um marco histórico, na ofensiva israelense à Faixa de Gaza. E este 29 de novembro, Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, traz outra vez a violência recrudescida à análise.
Por Moara Crivelente*
Neste domingo (29), os meios de comunicação lamentaram o 101º corpo palestino – desde o início de outubro, quando se indentificou uma nova “escalada da violência”. Pode ser o de Baseem Abdul-Rahman Mustafa Salah, alvejado e morto após alegadamente tentar um ataque contra um policial israelense em Jerusalém Oriental, perto do Portão Damasco, que dá acesso à Cidade Antiga. Nem o nome nem a acusação sobre o ataque foram confirmados ainda, mas já temos uma nova cifra de mortos para o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino.
Entre os israelenses, cerca de 20 pessoas foram mortas em ataques palestinos, com facas ou por atropelamento, majoritariamente. Um novo estopim, mais uma gota d’água, provoca o retorno ao ponto de violência intensificada no círculo vicioso infinito dos territórios palestinos ocupados por Israel.
A punição coletiva e a vingança encontram no regime da ocupação um palco propício para o espetáculo das “medidas de segurança” e o discurso da “autodefesa” israelense para responder às críticas internacionais. Demolições de casas e a autorização – tácita ou oficial – aos soldados de “atirar para matar” são normalizadas. Na quinta-feira (26), o gabinete de segurança do governo israelense autorizou que o Exército enclausure vilas palestinas inteiras enquanto procura por “suspeitos”, mas um oficial disse ao diário Haaretz que os soldados nunca precisaram da autorização para já fazer isso.
Os outros pontos nesse círculo são de violência unidirecional, estrutural, inescapável, contidos em postos de controle militar, permissões escassas para a movimentação, um muro de 800 quilômetros de extensão, a desapropriação de terras, a segregação, a detenção arbitrária, a humilhação cotidiana. Para os palestinos, a ocupação israelense baseia-se nisso.
Para muitos israelenses, esta é uma estratégia de contenção da resistência, para a sua “segurança”; para outros, e espera-se que cada vez mais, uma política inaceitável de seu governo. Embora marchas pela paz entre palestinos e israelenses venham se proliferando, e é preciso saudar essa tendência, o apoio nacional às medidas da ocupação ainda é infelizmente bastante expressivo.
Foi assim, por exemplo, durante a ofensiva de mais de 50 dias de Israel contra a Faixa de Gaza, em 2014, quando mais de 2.200 palestinos foram mortos. O território continua devastado e seguimos esperando pelos resultados práticos das denúncias e da investigação internacional sobre os crimes de guerra perpetrados pelas forças israelenses. Mas a impunidade sustenta o regime.
A partilha infinita e a ocupação
Em 1947, a resolução 181 das Nações Unidas, ou seja, o Plano de Partilha da Palestina, já dividiu de forma desproporcional o território entre os palestinos nativos e uma população engrandecida, mas ainda minoritária, pela migração massiva, apoiada quase integralmente pelo poder colonial britânico. E é esta resolução, adotada em 29 de novembro de 1947, a retomada pelo Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, para recordar a “comunidade internacional” da pendência: a criação do “Estado árabe” ao lado do “Estado judeu” previsto no documento.
O problema com a terminologia, entretanto, também é vastamente apontado, mas ela foi retomada em 2009 pelo governo do premiê Benjamin Netanyahu, que exige dos palestinos reconhecer Israel como Estado judeu. Os palestinos devem arriscar a já conturbada cidadania segregada dos palestinos, que são 20% da população israelense?
Embora 136 países do mundo já reconheçam o Estado da Palestina, as condições para o efetivo estabelecimento do Estado são deliberadamente anuladas pela Potência Ocupante, Israel, e seus aliados. Não se trata apenas dos Estados Unidos, que financiam a máquina de guerra sionista com mais de US$ 3 bilhões (R$ 12 bilhões) anuais desde a década de 1970, mas dos próprios “doadores internacionais” financiando o governo palestino.
As condições impostas às autoridades para a continuidade do recebimento de apoio, do qual a Autoridade Nacional Palestina é feita extremamente dependente pelas condições dos Acordos de Oslo da década de 1990, são ultrajantes, e até conhecidas para os latino-americanos. Incluem as reformas neoliberais e a construção de um Estado nos moldes do Ocidente, mas é claro, aplicam-se nas condições de opressão em que se encontram os palestinos.
A estrutura malformada precisa ainda sobreviver às bombas de gás lacrimogênio, às detenções arbitrárias – inclusive de ministros – e a todo o tipo de constrangimento imposto pela Potência Ocupante. Com esta, aliás, as autoridades palestinas são obrigadas pelos “doadores” a cooperar, inclusive, no setor securitário. Um grande plano de paz e reconciliação, ou simplesmente para fazer os israelenses sentirem-se “mais seguros”, à custa da segurança palestina. Há tempos, entretanto, a liderança israelense teme os debates entre as autoridades palestinas sobre a denúncia desta cláusula debilitante.
Será esta a solidariedade que a “comunidade internacional” tem a oferecer ao povo palestino? A cada momento simbólico somos levados a lembrar o que isso significa para os palestinos sobrevivendo à ocupação, incertos do próximo episódio de violência intensificada, descrentes do “processo de paz” há mais de 20 anos enraizando as colônias ilegais em seus territórios, despojando-os de suas terras e tornando o “Estado Palestino” uma incógnita: será viável, será contíguo, será soberano, será possível?
Que a solidariedade finalmente consolide-se em ação concreta, que se permita aos palestinos, embora valentes e fazendo uso de um direito certamente humano por fazê-lo, finalmente desmobilizarem-se do modo “resistência” para construir suas vidas, em seu Estado livre e independente, na dignidade de não ter mais de acatar “condições” de doadores e da “comunidade internacional” para mostrar que respeitam a diplomacia enquanto a ocupação toma suas terras e suas vidas, episódio após episódio de “escalada da violência”.
*Doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos e membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), onde assessora a presidência do Conselho Mundial da Paz