Por Patrícia Al-moor.*
Não costumo assistir televisão e confesso que não é raro eu me surpreender com algum tipo de discussão envolvendo algum episódio, personagem ou desinformação sendo difundida de forma no mínimo leviana pela televisão brasileira. Se considerarmos que as telenovelas também são possuidoras de uma importância cultural e política, tendo em vista sua grande audiência e o fato de que elas deixaram de ser apenas voltadas para o lazer para se tornarem um espaço cultural de intervenção para a discussão e introdução de hábitos e valores, talvez seja possível percorrer mais um caminho para se compreender a forma como os árabes – e mais recentemente, os muçulmanos, são vistos no Brasil.
Em 2010, realizei um levantamento exploratório com o intuito de verificar a quantidade de novelas em que havia presente um ou mais personagens árabes. O objetivo foi averiguar possíveis mudanças na forma como eles estão presentes no imaginário social da população brasileira. Tal levantamento permitiu constatar que entre 1967 e 2009 personagens árabes apareceram com algum destaque em cerca de 10 telenovelas nacionais. Desse total, os árabes adquiriram status de protagonistas principais em apenas duas delas, a saber: “O Sheik de Agadir” (1967) e “O Clone” (2001).
Um dos aspectos que mais chamou a atenção foi que após 2001, ou seja, período correspondente àquele do atentado de 11 de setembro ao World Trade Center nos EUA, a teledramaturgia brasileira levou quase uma década até contar novamente com algum personagem de origem árabe.
Curiosamente – ou não -, em 2009, a emissora de televisão Record lançou “Poder Paralelo”, uma novela que contou com 2 personagens de origem árabe, os quais inauguraram uma nova forma de representá-los na teledramaturgia brasileira aos caracterizá-los como terroristas.
De lá para cá, eu não pude acompanhar com a devida atenção o eventual aparecimento de personagens árabes (e/ou muçulmanos) em novelas brasileiras, mas hoje me surpreendi ao ver uma discussão no grupo Somos Árabes sobre um episódio ocorrido em um folhetim exibido atualmente: “Amor à vida”.
Como eu desconhecia a trama, tentei ler os comentários deixados no grupo enquanto que me situava um pouco melhor em relação ao assunto que teria gerado a polêmica. Por fim, após pesquisar um pouco – provavelmente não com a atenção necessária, pois meu dia foi super corrido, eu percebi que novamente a televisão brasileira tem prestado um desserviço à população disseminando uma série de desinformações e estereótipos, caricaturas e contribuindo para reforçar aquilo que o intelectual palestino Edward Said já chamava atenção no final da década de 1970: o fato de que cada vez mais o árabe aparece por toda a parte como algo ameaçador.
Se no Brasil esse imaginário demorou algumas décadas até ganhar força, atualmente, parece que a nossa televisão brasileira não tem se esforçado muito para esclarecer à população o quão prejudiciais esses imaginários criados a respeito de culturas estrangeiras, religiões etc. podem ser.
Lamento muito que o autor da novela exibida atualmente, o senhor Walcyr Carrasco, não tenha sido capaz de romper com esse ciclo de preconceito e desinformação a respeito do povo palestino. Inacreditável pensar que cenas como essa que pode ser vista clicando no link sejam exibidas de forma irresponsável, e que não gerem no mínimo um repúdio por parte de uma sociedade como a nossa, que convive com distintas presenças árabes em tantas esferas do cotidiano e, ao meu ver, deveria possuir esclarecimento suficiente para compreender que o sofrimento de um povo e as dramáticas consequências devem ser tratadas com o devido cuidado e respeito.
Do contrário, enquanto continuarem difundindo desinformação, mais ódio nascerá nos corações das pessoas e mais distante da paz esse povo ficará.
Venho por meio desta nota publicar meu repúdio ao autor da novela, sugerindo ainda, que este senhor pesquise melhor sobre aquilo a que se propõe escrever, tratando com respeito e responsabilidade assuntos sérios que envolvem tanto sofrimento e dor. Demonizar uma religião ou um povo é um ato grave, irresponsável e possui consequências desastrosas.
Patricia El-moor é doutoranda em sociologia pela Universidade de Brasília, criadora da página no facebook Presença Árabe no Brasil e idealizadora do projeto Presença Árabe no Brasil em Imagens.
A maldade a maioria das vezes está nos olhos de quem vê!!! Se as pessoas passarem a interpretar as coisas assim, vai ficar muito dificil fazer qualquer obra de ficcao que tenha um personagem que nao setaj 100% correto. Pois sempre vão aparecer pessoas como você para dizer que aquilo ali é pré-conceito.
Deste modos só nos sobra fazer documentarios e olhe lá!
Se eu fizer um roteiro com um arabe gay voce vai dizer que estou dizendo que todos os arabes sao gays.
O Brasil tem uma presenca arabe enorme. Existem arabes bons e arabes maus e ninguem é obrigado a retratar o vizinho arabe que voce conheceu, as vezes o cara quer retratar o vizinho arabe que ele teve e as vezes o vizinho dele era um cara mau. Nao sei pq as pessoas tem essa nescessidade de fazer do particular algo geral.
Quando fazemos um personagem alemao e racista, nao estamos dizendo obrigatoriamente que todos os alemaes sao racistas, muito disso vem da preguica mental do telespectador e nao do escritor.
Em certos momentos eu percebo que alguns “intelectuais” possuem uma percepcao de que a televisao tenha uma influencia no subconsciente e no coletivo das pessoas maior do que o que realmente seria plausivel.
Isso me parece como um desejo de identificar um culpado para a banalizacao dos valores antigos e pela falta de cultura da populacao, mas temos que tomar muito cuidado para no ato de investigar nao criarmos um culpado. E é isso que vejo muito em relacao a TV.
Se todo mundo só assistir a tv cultura, vamos virar super potencia? Nos paises mega avancados só se tem programas educativos?
Me parece que nao!
Carta da CGTB à TV Globo
À Direção da Rede Globo
A Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), que reúne trabalhadores brasileiros originários dos mais diversos povos que povoaram o nosso imenso país, que o fizeram crescer com o suor generoso, incluindo os milhões de trabalhadores de origem árabe que povoam nossas terras e trabalham nos mais diversos setores, repudia as distorções veiculadas por esta emissora em capítulo recente da novela “Amor à vida”, na qual retratou como “terrorista” a resistência do povo palestino à ocupação criminosa de seu território.
A CGTB, seus sindicatos filiados e os trabalhadores brasileiros em geral sabem da luta dos imigrantes árabes para encontrarem seu espaço e se integrarem ao trabalho e ao povo brasileiro. Sabemos todos também da luta dos nossos irmãos trabalhadores nos países árabes – a exemplo do Iraque, da Síria, da Líbia, do Egito e, em especial, da Palestina – para se libertarem do jugo colonialista, que ainda hoje, mesmo depois da vitória sobre o fascismo e o nazismo na Segunda Guerra, depois da construção da ONU e de sua Carta de Princípios de organismos internacionais e convenções, ainda se sobrepõe sobre os direitos humanos e soberanias nacionais.
É do conhecimento geral a luta do povo palestino para construir seu Estado em confronto diurno e constante com o assalto às suas terras, humilhação de sua gente, prisões e deportações em massa, destruição de residências e tentativa de décadas de genocídio biológico e cultural desse povo.
É de conhecimento de todos de que o valoroso povo palestino não se dobrou a todo este conluio e fez de seu martírio uma demonstração profunda da capacidade humana de resgate de seus valores históricos e morais.
Foi este reconhecimento que levou a ONU, em votação histórica, a reconhecer como membro observador o Estado Palestino antes mesmo de sua plena constituição – o que só ocorrerá quando a luta e a resistência do povo palestino, com apoio dos povos do mundo inteiro, acabar com a inaceitável chaga da ocupação da Palestina. Uma chaga mais detestável e inaceitável ainda depois da saga vitoriosa de Nelson Mandela e da luta de seu povo pelo fim do Apartheid na África do Sul e da vitória de Martin Luther King e dos trabalhadores e pessoas de todas as origens contra a discriminação racial e os criminosos da Ku Klux Klan.
Retratar a resistência do povo palestino, uma das maiores demonstrações de apego à liberdade e à justiça de toda a condição humana, de “terrorismo”, quando é o ocupante que o instituiu na Região – seja através do horrendo massacre de Dir Yassin ainda em 1948, seja erigido à condição de terrorismo de Estado ao longo de mais de 50 anos em todos os territórios ocupados, ou através da distorção dos fatos e de mentiras -, procurando manter a sujeição de seres humanos para atender a inconfessáveis interesses.
A CGTB, que sempre integrou a luta internacional do conjunto dos trabalhadores por liberdade, justiça e soberania das nações, condena este tipo de usurpação e reafirma o seu apoio à justa causa do povo palestino, sua resistência à ocupação e se une a todos os setores da comunidade árabe e dos brasileiros em geral que se sentiram atingidos e lesados pela degradante cena da referida novela.
Nada disso faz parte de nossa história de integração, nem de nossas relações internacionais amistosas e nem da vitória sobre a discriminação racial. Portanto, não pode fazer parte da programação de uma TV cuja irradiação é concessão pública em nosso país.