A derrota no Afeganistão seria para incomodar Rússia e China ? 1

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A grande imprensa dividem-se em dois modos quanto a interpretar a queda de Cabul. Para uns os Democratas são covardes e a saída do Afeganistão desmoraliza os aliados. Para os outros, eles manobraram bem e colocaram uma espinha no pé dos Russos e dos Chineses. Estas duas maneiras de ver correspondem ao paradigma tradicional do Império americano. Mas para Thierry Meyssan, Washington está, desde o 11 de Setembro de 2001, nas mãos dos adeptos da Doutrina Rumsfeld/Cebrowski. Agora, os Estados Unidos comportam-se como mafiosos extorsionistas. O caos irá continuar de forma permanente no Afeganistão. As empresas russas, chinesas e europeias que o desejarem poderão explorar minas neste país, mas exclusivamente se confiarem a sua segurança às Forças dos EUA. Os que recusarem esta proteção serão eliminados.


EUA : 69,3 % dos eleitores norte-americanos desaprovam a maneira como o Presidente Biden conduz as operações militares no Afeganistão. Sondagem : Trafalgar Group

A queda de Cabul dá origem a terríveis cenas de fuga e desespero. Deixemos de lado o fato de que os fugitivos não sejam maijoritariamente pacíficos tradutores de embaixadas ocidentais, mas colaboradores da contra-insurreição norte-americana com mãos a escorrer sangue. O que estamos a ver é uma debacle que deverá fazer-nos perder a fé no poderio da « América ».

 51 % dos Norte-americanos desaprovam a política externa do Presidente Joe Biden.
60 % desaprovam em especial a sua política vis-à-vis do Afeganistão
63 % afirmam que esta guerra não valia sequer a pena [1].
A quase totalidade dos Norte-americanos que combateram no Iraque está muito chocada.

No entanto, na pior das hipóteses, está claro que Washington sabia muito bem que o Exército afegão não aguentaria face aos Talibã, em teoria três vezes menos numerosos e muito menos bem equipados. O CTC de West Point tinha publicado um estudo, em Janeiro, para anunciar esta previsível catástrofe [2]. A questão não era pois saber se os Talibã iam ganhar, mas quando é que o Presidente Biden os deixaria ganhar.

É preciso interpretar as negociações EUA-Talibã, que se eternizaram durante anos e foram subitamente concluídas pelo Presidente Biden, como o abandono voluntário do Poder aos Talibã. Podemos então por a questão porquê foram necessários a Washington centenas de milhar de mortos, somas astronómicas e esforços de quatro presidentes sucessivos para expulsar os Talibã de Cabul e depois fazê-los regressar ; e interrogar porquê o Presidente Biden decidiu assumir o papel do vencido.

A mesma incompreensão se colocava quando a Comissão Baker-Hamilton conduzira à retirada dos EUA do Iraque e o Secretário da Defesa à época, Donald Rumsfeld, assumira sem hesitar o papel do vencido; incompreensão que persistia ainda há três meses aquando da morte do dito Rumsfeld.

É tempo de parar de escutar os políticos e de ler os militares. Os responsáveis políticos apenas nos dizem aquilo que queremos aceitar ouvir. Estamos sempre do lado bom e só morreremos pela Democracia. Os militares, esses, não buscam seduzir-nos, mas sim entender o que se espera deles. Portanto, não escrevem para lisonjear as nossas ilusões, mas expõem a verdade nua e crua.

Tal como tenho explicado muitas vezes [3], a revista da Infantaria do Exército dos EUA publicou, nos dias a seguir aos atentados de 11 de Setembro de 2001, um artigo do Coronel Ralph Peters garantindo que os Estados Unidos já não precisavam mais de vencer as guerras, mas, antes de provocar uma instabilidade em certas regiões do mundo e particularmente no « Médio-Oriente Alargado ». Prosseguia assegurando que era preciso redesenhar os Estados segundo critérios étnicos, portanto separar os povos que estavam misturados, e que isso só se poderia conseguir através de limpezas étnicas e outros crimes contra a Humanidade. Finalizava a sua exposição garantindo que o Pentágono podia sempre delegar os seus poderes a mercenários para fazer o trabalho sujo [4]. Na emoção do 11-de-Setembro, ninguém deu importância a este artigo reivindicando abertamente a preparação de crimes abomináveis.

Cinco anos mais tarde, Ralph Peters publicou o mapa em que a Comissão dos Chefes do Estado-Maior trabalhava em 2001 [5]. Apoderou-se então de todos os Estados-Maiores do Médio-Oriente Alargado um pânico : ninguém estava a salvo, nem mesmo os aliados dos Estados Unidos. Seguiram-se diversas mudanças de aliança. Mas foi preciso esperar até 2011 e o ataque à Líbia (então aliada dos Estados Unidos) para perceber o que estava em vias de se passar.

Desde então, podemos constatar que a guerra do Afeganistão, que devia durar até o desaparecimento de Osama bin Laden, já dura há 20 anos; que a do Iraque, que devia durar até a queda do Presidente Saddam Hussein, dura há 17 anos; que a da Líbia, que devia durar até à queda do Guia Muamar Kaddafi, dura há já dez anos; que a da Síria, que devia durar até a queda do Presidente Bashar al-Assad, dura há já dez anos. Além disso, vimos a Al Qaeda (historicamente, uma criação da CIA) e o Daesh-E.I. (historicamente, uma criação do embaixador John Negroponte) cometerem crimes contra a Humanidade, indo todos no sentido anunciado pelo Coronel Ralph Peters. E sabemos que estas organizações terroristas são financiadas, armadas e enquadradas pelos Britânicos e pelos Norte-Americanos.

Sim, a « guerra sem fim » declarada pelo Presidente George W. Bush não visa « lutar contra o terrorismo », mas em instrumentalizar o terrorismo para « desestabilizar » uma região inteira. Era esse o título do artigo do Coronel Peters em 2001: « A estabilidade: é o inimigo da América ».

Tendo isto bem presente, devemos reinterpretar a queda de Cabul à luz desta nova estratégia. Durante dois anos, em 2002-03, o Almirante Arthur Cebrowski foi explicá-la em todas as academias militares dos EUA. Ele encontrou-se com todos os actuais oficiais-generais dos EUA. Esta estratégia foi vulgarizada para o grande público pelo assistente de Cebrowski, Thomas Barnett —É claro, o seu livro [6] não foi traduzido—.

A queda de Cabul responde ao objectivo central desta estratégia, na condição de que os Talibã não consigam estabelecer um regime estável —e sem aliados, eles não conseguirão concretizá-lo—. A fuga dos Colaboradores da contra-insurreição dos Estados Unidos, mesmo que consigam fazer-se passar por pacíficos tradutores, permitirá estender o terrorismo nos países que os acolham. É já o que denuncia o Presidente Vladimir Putin. A transferência do material militar doado ao Exército afegão para as mãos dos Talibã permitir-lhes-á atacar os seus vizinhos. Ao contrário do Daesh (EI), os Talibã dispõem desde já de um arquivo biométrico de quase toda a sua população e de uma Força Aérea com uma frota de mais de 200 aviões de combate. A guerra na Ásia Central será, portanto, muito mais terrível ainda do que a do Médio-Oriente Alargado.

Os imigrantes que desenvolveram os Estados Unidos eram bandidos. Eles serviram de modelo para os estrategistas do Pentágono.

Última coisa e não menos importante. Alguns comentadores acreditam que Washington abandonou o Afeganistão a fim de criar problemas à Rússia e à China. Esta não é, de forma alguma, a estratégia de Rumsfeld/Cebrowski. Segundo este último, não se deve combater essas grandes potências, mas, pelo contrário, transformá-las em clientes. É preciso ajudá-las a explorar o Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria e muitos outros, mas unicamente sob a proteção do Exército dos EUA.

Entenda-se bem, Washington já não raciocina como rival do Império Romano, mas como um mafioso extorsionista. Ele não constrói Arcos do Triunfo para sua própria glória em lado algum e até aceita que o seu Presidente, Joe Biden, seja derrotado no Afeganistão. Busca é dominar o mundo na sombra e acumular o máximo de capitais.

Pensam que eu imagino um cenário de apocalipse ? Digam-me então onde está a falha do meu argumentário !

Tradução Alva

[1«Afghanistan war unpopular amid chaotic pullout», AP-NORC poll, by Josh Boak, Hannah Fingerhut & Ben Fox, August 19, 2021. «Nationwide Issues Survey», Convention of States Action-Trafalgar Group, August 2021.

[2«Afghanistan’s Security Forces Versus the Taliban: A Net Assessment», Jonathan Schroden, CTC Sentinel, January 2021 (Vol 14, #1).

[3Ver nomeadamente « Comment redessiner le Moyen-Orient ? » in L’Effroyable imposture II, par Thierry Meyssan, 1er éd Alphée (2006), 2ème éd Demi-Lune

[4“Stability. America’s ennemy”, Ralph Peters, Parameters, #31-4, Winter 2001.

[5“Blood borders. How a better Middle East would look”, Ralph Peters, Armed Forces Journal, June 1, 2006.

[6The Pentagon’s New Map : War and Peace in the Twenty-first Century, Thomas P. M. Barnett, Paw Prints (2004).

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Um comentário sobre “A derrota no Afeganistão seria para incomodar Rússia e China ?

  1. Responder Herny Armeiro set 16,2021 9:55

    Comunidade e capital
    Todos os sistemas de classe – escravismo, feudalismo e capitalismo – existem em função do saque e pilhagem da comunidade produtiva que é a fonte universal do fazer e da produção de riqueza.
    A comunidade é ordenamento humano que nasce da conversa para superar a animalidade e seu principio de força. A “especialidade” da comunidade é a produção do equilíbrio entre os homens e da humanidade com o fluxo universal.
    As rupturas da comunidade em classes acontecem na crise de desenvolvimento populacional da comunidade que ocorrem acima da sua capacidade orgânica de fazer. Estas crises geram a carência, a miséria e o desespero pela sobrevivência; e este gera o inverso da ordem humana – o caos, a regressão à animalidade, ao principio da força e ao comando de classe. Este é o elemento natural da sociedade e da luta de classes. É nele que existe o caldo de contra cultura gerador do escravismo, do feudalismo e, principalmente do capitalismo. Contudo estas rupturas da comunidade não tem vida fácil. Elas só se tornam dominantes na medida em que possibilitem o desenvolvimento das forças produtiva não orgânicas, do trabalho abstrato morto na forma de mecanismo inorgânico. Quando este quesito fundamental náo é satisfeito pelo modo de produção de classe, ele entra em crise sem ter condições internas de resolve-la posto que a única fonte do fazer conversado e do seu saber concretizado e materializado em técnica é a comunidade primitiva. Resta ao modo de produção de classe até então dominante gerar o caos e a carência para que o núcleo mais ativo da comunidade produtiva se mobilize ao máximo para a produção de novos fazeres e saberes que possibilitem o saque e a pilhagem, formas inexoráveis de ativação dos modos de produção de classe. É o que ocorre na atual crise terminal do capitalismo em sua fase superior, o imperialismo.

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