Síria:Considerações sobre a questão curda

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Por Diego Rabelo*

Uma das discussões mais repetidas por diversos analistas no complexo jogo do Oriente Médio tem sido a Questão Curda. Ainda não há uma análise mais detalhada sobre o assunto e, mesmo compreendendo a sua extrema relevância no xadrez político regional, esta parece ser uma questão sempre por saber. Diferentemente de alguns portais no campo da esquerda, ou mesmo entre o academicismo que desenvolve a temática, que sofrem de algum apelo emocional sobre o tema, é necessário um pouco mais de cuidado não apenas pelas formas de organização dos curdos como – e principalmente, pelos seus objetivos.

A primeira e derradeira coisa a se saber sobre os curdos é que eles não são uma unidade de atores políticos com interesses e estratégias comuns. O genérico fato, muito repetido pelo noticiário superficial, dos curdos serem a maior etnia da atualidade sem um território e quererem construir um país que se chamaria Curdistão, não responde a uma série de elementos que prescindem do contexto regional.

Isso faz com que os atores geopolíticos utilizem os curdos de acordo com os seus interesses e vice-versa. Nunca é demais lembrar que o mundo “passou a conhecer” e a falar de Estado Islâmico quando o mesmo, ao ganhar uma grande quantidade de territórios no ano de 2013, chegou as portas do Curdistão iraquiano, em Mossul, e isso implicaria em atrapalhar os planos dos americanos. Daí, se montou a “Coalizão” de algumas dezenas de países, liderada pelos Estados Unidos, para “combater”(?) o Daesh e fazê-lo recuar em direção a interesses que convergissem com os do império anglo-sionista.

A segunda e importante questão diz respeito aos mapas da região do Oriente Médio. O Curdistão engloba cinco países que são: o Irã, a Turquia, o Iraque, a Síria, o Azerbaijão e a Armênia. Os três primeiros estão n centro da disputa geopolítica do Oriente Médio. Suas lideranças regionais variam de acordo com os locais em que se organizam, não havendo um comando central, ou um governo central capaz de emitir uma opinião oficial pelos curdos. Pra ser mais preciso, muitas vezes os interesses se chocam diametralmente.

A terceira questão é como se aborda as chaves de leitura que devem ser observadas pelo conjunto dos atores dispostos na disputa. Um dos eixos fundamentais da política anglo-sionista para justificar a existência do Estado de Israel em territórios palestinos é a necessidade de um território para os judeus. Não irei aqui entrar nas inúmeras questões que isso certamente despertará como o fato de Israel reivindicar pra si o título de “única” democracia da região e ao mesmo tempo reivindicar um Estado Judeu. Porém, o centro da questão aqui é a força da narrativa imperialista em (re)dividir o Oriente Médio, ou seja, um novo Sykes-Picot, a partir da quebra regional em segmentações étnicas. Em outras palavras, a ideia é que esses povos nunca se entenderam mesmo, daí um Curdistão, que implicaria na legitimidade de um Estado Judeu (Israel), e em seguida um Sunitistão para os Sunitas, um Xiitistão para os Xiitas e, talvez, um Cristianitistão, se ainda sobrar algum cristão vivo depois tantos conflitos lidos pela chave sectária.

A questão Curda talvez seja a mais espinhosa dentro do complexo jogo do Oriente Médio. Em uma das muitas entrevistas concedidas a imprensa ocidental, o presidente sírio Bashar Al Assad disse considerar os curdos como parte integrante nas negociações de paz que agora se avizinham. Por outro lado, nesta mesma entrevista, Assad disse o território sírio é pequeno demais para uma solução que visasse federalizá-lo. Federalizar a Síria era uma das cartas possíveis para os americanos equacionarem a solução dos seus aliados curdos. Isso seria uma saída para a independência.

Contudo, o jogo mudou, os sírios estão vencendo a batalha, mesmo com o dispendioso recursos humanos e o futuro é incerto.

* Diego Rabelo –  Ex Diretor de Direitos Humanos da UNE e militante do Coletivo 4 de Novembro. Estuda os conflitos do Oriente Médio com ênfase em questões relativas a patrimônio cultural. Seu trabalho de conclusão de curso é sobre a cidade de Palmira na Síria, e a destruição do patrimônio pelo Daesh.

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