O Oleogasodutostão – o grande tabuleiro de xadrez da energia eurasiana – nunca dorme. Recentemente, foi a Rússia quem jogou e encestou muito bem em todos os fronts: dois meganegócios de gás assinados com a China, ano passado; o lançamento do Ramo Turco, substituindo o Ramo Sul; e a duplicação do Ramo Norte, para a Alemanha.
31/7/2015, Pepe Escobar, Asia Times Online
tradução Vila Vudu
Agora, com a possibilidade de as sanções contra o Irã afinal desaparecerem no final de 2015/início de 2016, todos os elementos entram no lugar certo para fazer reviver uma das mais espetaculares novelas do Oleogasodutostão, que acompanho há anos; a competição entre os gasodutos IP (Irã-Paquistão) e TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia).
O gasoduto IP, de $7,5 bilhões, está parado já há anos – uma baixa, na luta impiedosa pelo poder geopolítico. O IP começou como IPI – conectado à Índia; ambos, Índia e Paquistão precisam muitíssimo da energia iraniana. Mas a pressão furiosa e incansável de sucessivos governos, Bush, depois Obama, assustaram a Índia, que abandonou o projeto. E depois começaram as sanções, para valer.
Agora, o ministro paquistanês do Petróleo e Recursos Naturais, Shahid Khaqan Abbasi jura que o gasoduto IP sairá do papel. A perna iraniana do gasoduto de 1.800 quilômetros já está sendo construída. O IP começa no gigantesco campo Pars Sul de gás – o maior do mundo – e termina na cidade paquistanesa de Nawabshah, próxima a Karachi. A enorme significação geopolítica desse cordão umbilical de aço a ligar o Irã e o Paquistão aparece, pode-se dizer, graficamente.
É quando entra – e quem seria? – a China. Empresas chinesas de construção já começaram a trabalhar na perna do gasoduto entre Nawabshah e o estratégico porto de Gwadar, próximo da fronteira do Irã.
A China está financiando o trecho paquistanês do IP. E por razão muito séria: o IP, do qual o porto de Gwadar é entroncamento chave, é essencial num jogo de muito mais longo prazo: o corredor econômico China-Paquistão, de $46 bilhões, que, completado, conectará Xinjiang ao Golfo Persa, pelo Paquistão. Sim, mais uma vez, estamos exatamente em território da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda.
O passo seguinte, para Gwadar, será essencial para a estratégia chinesa de energia: uma extensão do IP diretamente até Xinjiang. É desafio logístico descomunal, que implica construir um gasoduto que acompanha a geologia – desafio maior que a própria rodovia Karakoram.
O IP continuará a ser arrastado pela geopolítica. O Banco Asiático de Desenvolvimento [orig. Asian Development Bank (ADB)], com sede no Japão e pesadamente influenciado pelos EUA prometeu empréstimo de $30 milhões, para ajudar Islamabad a construir seu primeiro terminal para gás natural liquefeito (ing. LNG). O ADB sabe que o gás natural iraniano é opção muito mais barata para o Paquistão, que as importações de LNG. Além do mais, a agenda do ADB é essencialmente uma agenda norte-americana: nada de gasoduto IP, e total apoio ao TAPI.
Significa, no futuro próximo, a forte possibilidade de o Paquistão depender cada vez mais do Banco Asiático para Desenvolvimento da Infraestrutura, BAII [Asian Infrastructure Development Bank (AIIB)], impulsionado pela China, para seu desenvolvimento, não do japonês-EUA ADB.
Recentemente, o campo IP ficou ainda mais congestionado, com a chegada da Gazprom. Gazprom também quer investir nesse gasoduto IP – o que significa Moscou cada vez mais próxima de Islamabad. É parte de outro gambito geopolítico chave: o Paquistão sendo admitido, como membro pleno, com a Índia, da Organização de Cooperação de Xangai [orig. Shanghai Cooperation Organization (SCO)], o que também acontecerá em breve com o Irã. Por hora, a colaboração Rússia-Paquistão já é evidente num acordo para construir um gasoduto, de Karachi a Lahore.
Conversem com o (novo) Mulá
Assim sendo, em que ponto todos esses movimentos deixam o gasoduto TAPI?
O TAPI de $10 bilhões é uma novela que se arrasta desde o primeiro governo Clinton. É o que o governo dos EUA sempre quis arrancar dos Talibã: um negócio para construir um gasoduto até o Paquistão e Índia, que deixasse de fora o Irã. Todos sabemos como a coisa toda saiu horrorosamente errada.
A morte do Mulá Omar – seja lá quando tenha acontecido – pode mudar o jogo. Mas não já, porque está em andamento uma ofensiva de verão dos Talibã, e as conversações de “reconciliação” no Afeganistão foram suspensas.
Aconteça o que acontecer a seguir, todos os problemas que atormentam o gasoduto TAPI permanecem inalterados. Quanto ao Turcomenistão – adepto do autoisolamento, idiossincrático e pouco confiável sempre que o negócio não é com a China –, o gás que exista por lá continua envolto em mistério (será a sexta ou a terceira maior reserva do planeta?)
E a ideia de comprometer bilhões de dólares para construir gasoduto ou oleoduto que cruze zona de guerra – do oeste do Afeganistão até Kandahar, para nem falar de cruzar o Baloquistão, sempre exposto a ataques de separatistas – é pura sandice.
Mas todas as grandes da energia permanecem no jogo. A francesa Total parece vir à frente, com empresas russas e chinesas logo atrás. O interesse da Gazprom pelo gasoduto TAPI é absoluto – porque o gasoduto, se construído, com certeza será conectado no futuro a outros que são parte do que foi a massiva grade de energia da União Soviética.
Para complicar ainda mais as coisas, há o turbulento relacionamento entre Gazprom e Turcomenistão. Até a entrada recente, espetacular, da China, Ashgabat dependia principalmente da Rússia para vender o gás turcomeno e, em menor escala, do Irã.
Como parte de uma disputa feroz em curso, a empresa Turkmengaz acusa a Gazprom de exploração econômica. Assim sendo, qual é o Plano B? Mais uma vez, é a China. Pequim já compra mais da metade de todo o gás turcomeno exportado, que flui pelo gasoduto Ásia Central-China: capacidade total de 55 bilhões de metros cúbicos (ing. bcm) por ano, só usada, até agora, pela metade.
A China já está ajudando o Turcomenistão a desenvolver o campo Galkynysh, o segundo maior campo de gás do mundo, depois de Pars Sul.
Desnecessário dizer que a China está tão interessada em comprar mais gás do Turcomenistão – pela via do Oleogasodutostão –, quanto do Irã. O Oleogasodutostão encaixa-se perfeitamente na estratégia que a China privilegia, de “escapar do [estreito de] Malacca”: comprar a maior quantidade possível de energia, o mais longe possível da Marinha dos EUA.
Assim sendo, o Turcomenistão está destinado a aproximar-se mais e mais, no que tenha a ver com energia, de Pequim. E a opção turcomena, para abastecer a União Europeia, permanece envolta em névoa, por mais que Bruxelas, há anos, corteje Ashgabat.
O delírio fumado da UE é um Oleogasodutostão que se estenda através do Mar Cáspio. Nunca acontecerá, por várias razões: a disputa que se arrasta há tempos pelo status legal do Cáspio – é lago? É mar? – não se resolverá em futuro próximo; a Rússia não quer; e o Turcomenistão não tem suficiente infraestrutura de Oleogasodutostão para embarcar todo aquele gás, de Galkynysh até o Cáspio.
Tudo isso considerado, não é difícil identificar quem/o que realmente ganha com todos esses jogos de poder dentro do Oleogasodutostão – muito mais e além de países individualmente considerados: ganha a integração profunda da Eurásia. E bem afastada da influência ocidental.