Putin e Israel: Relação complexa, em vários planos 2

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Traduzido por Vila Vudu
Putin and Israel – a complex and multi-layered relationship

“Assim como entre 1917 e 1939, também entre 1991 e 1999 havia russos judeus em todos os postos chaves do poder na Rússia. (…) A grande diferença é que, se no início do século 20 os russos judeus que controlavam o poder da Rússia opunham-se ideologicamente ao Império Anglo, no final do século 20 os russos judeus já são, dentro da Rússia, praticamente uma extensão do Império Anglo-sionista.” (…)

“Cada vez que os israelenses assassinam um líder do Hezbollah, horas depois os próprios israelenses descobrem que terão de enfrentar adversário ainda mais formidável.  Há de acontecer novamente, se Deus quiser.”
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O recente assassinato de Samir Kuntar por Israel inflamou, mais uma vez, a discussão sobre a relação de Putin com Israel. É tópico imensamente complicado e os que desejem ‘explicações’ enlatadas, simplórias, podem parar de ler aqui mesmo. A verdade é que a relação entre Rússia e Israel e, mesmo antes de discutir isso, entre russos judeus e russos de outras religiões, merece um livro inteiro.

Alexander Solzhenitsyn já escreveu exatamente esse livro, intitulado 200 years together, mas, por causa do controle férreo que os sionistas exercem sobre a mídia-empresa em língua inglesa, o livro ainda não foi traduzido [oficialmente] ao inglês. Já diz muito sobre o assunto, que autor aclamado em todo o mundo, que recebeu um Prêmio Nobel de Literatura, não possa ter seu livro traduzido ao inglês, porque o que lá está escrito poderia minar a narrativa oficial sobre as relações entre russos judeus e judeus em geral, e, em especial, na política russa do século 20. Que outra prova alguém precisaria da verdade da subordinação do Império Britânico aos interesses sionistas?

Já escrevi sobre esse tópico no passado e peço que, no mínimo, leiam os dois artigos abaixo indicados, antes de prosseguir:
AngloZionist: Short primer for the newcomers
How a medieval concept de ethnicity makes NATO commit yet another a dangerous blunder
Antes de considerar algumas das idiossincrasias do relacionamento russo-israelense, quero chamar a atenção para aspecto muito importante: não se deve assumir simplesmente que o relacionamento entre judeus e não judeus na Rússia seria similar ao que se vê no ocidente. Não é. Absolutamente não.

Sem entrar em discussão detalhada da emancipação dos judeus no ocidente, e a longa trilha desde os shtetls dirigidos por rabinos, até os Conselhos Diretores das maiores empresas de todo o ocidente, direi apenas que, para os russos judeus, esse processo de emancipação aconteceu de modo muito mais violento e catastrófico.

A segunda grande diferença entre ocidentais judeus e russos judeus é que, entre 1917 e 1939, um específico subgrupo de judeus (judeus bolcheviques) esteve no controle quase total de toda a Rússia. Durante aquele período, os judeus bolcheviques perseguiram russos de várias religiões, especialmente russos cristãos ortodoxos com ódio verdadeiramente genocida. É fato que a história registra, do qual muitos russos têm pleno conhecimento, ainda que até a menção a esse tema considerado ‘crime de pensamento’ em vários círculos ocidentais. Também é importante destacar que os bolcheviques judeus perseguiram não só cristãos ortodoxos, mas todos os grupos religiosos, inclusive, aliás, muitos grupos de judeus.

Putin conhece perfeitamente todos esses fatos, dos quais falou em reunião com um grupo de judeus em Moscou (vídeo, leg. ing.):

No segundo dos artigos acima mencionados já discuti essas questões. Agora, só desejo fazer-ver que Putin é muito claramente consciente desse passado e que teve suficientes coragem e honestidade intelectuais para lembrar aquele passado aos russos judeus nossos contemporâneos.

O outro fato absolutamente crucial sobre o relacionamento entre Rússia e Israel é a imigração de russos judeus para Israel. Aqui, só apresentarei uma lista resumida de razões pelas quais esse fator é crucialmente importante:
1 – Independente de se os imigrantes foram para Israel, Áustria, Alemanha, EUA ou Israel, a imigração de russos judeus para Israel permitiu que saíssem de lá os judeus que não queriam permanecer na Rússia. Simultaneamente, os que não quiseram sair ficaram por opção, por decisão própria. Significa dizer que a maioria, se não todos os russofóbicos judeus e odiadores-de-cristãos judeus deixaram a Rússia. Os judeus que ficaram fizeram-no porque resolveram que a Rússia era a casa deles.

2 – Grande número (há quem estime em cerca de 20%) de autodeclarados  “judeus” que deixaram a Rússia absolutamente não eram judeus, inclusive alguns dos que se estabeleceram em Israel. A verdade é que as dificuldades econômicas e sociais que a sociedade soviética enfrentou na era Brezhnev & Co., e a Rússia na era Ieltsin levaram muitos não judeus, de nacionalidade russa, a inventarem para si mesmos alguma (inexistente) identidade judaica, só para poder emigrar. Implica dizer que há muitos russos verdadeiramente judeus na Rússia; o que não se pode dizer de muitos russos aceitos em Israel como judeus.

3 – Como resultado dessa grande imigração há incontáveis laços pessoais entre indivíduos e famílias que hoje vivem em Israel e na Rússia. Implica dizer que, por exemplo, se chovem foguetes do Iraque ou do Hezbollah em Israel, há, na Rússia, pessoas que se preocupam pessoal e diretamente com amigos e parentes em Israel, mesmo que não aprovem as políticas israelenses.

4 – A chamada “Máfia Russa” é, de fato, predominantemente, uma máfia de russos judeus. É particularmente verdade no ocidente. Na Rússia há gangues constituídas de judeus; são máfias de judeus, mas não são máfias judaicas.[1] Gangues de russos e de judeus dão-se tradicionalmente muito bem, e também construíram o que se pode considerar como “laços de negócios” entre oligarcas russos judeus, e Israel.

5 – [Na era] Ieltsin, a Rússia foi governada de facto pelo que se chamava o semibankirshchina, “governo dos Sete Banqueiros”. Eram os sete maiores banqueiros da Rússia, os quais eram proprietários de cerca de 50% de toda a economia russa. Todos, exceto um (Potanin), eram banqueiros judeus.

6 – Durante os anos Ieltsin, a vasta maioria dos membros do governo e, especialmente, seus conselheiros, eram judeus. Praticamente toda a mídia-empresa também era controlada por milionários judeus.
Para terem ideia de como essa foi uma espécie de marca dos anos 1990s, vejam no blog uma lista de autoridades em postos chaves na Rússia nos anos Ieltsin, todos judeus, que encontrei na Internet. A lista dos postos chaves no governo soviético de 1917-1939 (interessados podem encontrar facilmente na Internet) é idêntica a essa, na proporção de judeus, em relação a outras religiões.

Na verdade, quem organiza essas listas nem sempre está motivado pelo mais elevado objetivo científico, e não se sente limitado por leis científicas que regem a construção de provas válidas. Por isso, é possível que alguns desses nomes apresentados como “judeus” não o sejam. Mas mesmo que se admita larguíssima margem de erro, pode-se facilmente perceber as grandes linhas do quadro.

Assim como entre 1917 e 1939, também entre 1991 e 1999 – dois períodos que acabaram em catástrofe havia muitos russos judeus nos postos chaves do poder na Rússia. A grande diferença é que, se no início do século 20 os russos que controlavam o poder da Rússia eram judeus que se opunham ideologicamente ao Império Anglo, no final do século 20 os russos mais poderosos no país são judeus que constituem praticamente uma extensão do Império Anglo-sionista.

E por falar de extensões do Império Anglo-sionista…

Já expliquei muitas vezes no passado que a candidatura de Putin para suceder Ieltsin foi uma espécie de acordo negociado entre os serviços de segurança da Rússia e o “big money” russo, que impingiu Medvedev como contrapeso de Putin.

Em geral refiro-me às forças que apoiam Putin como “Soberanistas Eurasianos” (a “turma de Putin”) e às forças que apoiam Medvedev como “Integracionistas Atlanticistas” (a “turma de Medvedev”). O objetivo dos primeiros é garantir a soberania russa e fazer do país um dos elementos chaves num continente eurasiano multipolar, mas unificado; o objetivo dos segundos é ser aceito pelo Império Anglo-sionista como parceiro igual e integrar a Rússia às estruturas do poder do ocidente.

O que vem adiante é tão importante que o destaco em parágrafo especial:
Os Integracionistas Atlanticistas ainda estão no pleno controle do setor financeiro e bancário da Rússia; de todos os ministérios econômicos e postos de governo chaves; controlam o Banco Central da Rússia e são, de longe, a maior ameaça individual contra o governo de Putin e os que o apoiam. Considerando que praticamente 90% dos russos agora apoiam Putin, significa que os Integracionistas Atlanticistas são a maior ameaça individual contra o povo russo e contra a Rússia como um todo.


O que tudo isso tem a ver com Israel? É simples.

Putin herdou um sistema criado por e para o Império Anglo-sionista. Foi o candidato de ‘conciliação’ entre dois lados radicalmente opostos, e precisou de anos de trabalho para livrar-se da maioria dos oligarcas russos, para só então, gradualmente, iniciar o processo de saneamento no qual, passo a passo, os sionistas estão sendo demitidos de suas posições de poder.

Segundo Mikhail Khazin, esses dois grupos só recentemente alcançaram um equilíbrio (instável) de 50/50. Significa também que o “povo de Putin” tem de manter vigilância incansável, sempre atento à própria retaguarda, dia e noite, sem parar, porque sabem que os ditos “colegas” os apunhalarão pelas costas, num piscar de olhos, assim que tenham a oportunidade.

Acho que os rumores de golpe na Rússia são muito exagerados. Não só porque os “ministros do poder” (Defesa, Segurança do Estado, Relações Interiores, etc.) estão com Putin, mas, muito mais importante, por causa do apoio de 90% do povo russo. Derrubar governante com esse tipo de ‘seguidores fiéis’, homem realmente amado pela enorme maioria do povo, seria perigoso demais. Mas não significa que a 5ª Coluna não se dedique a tentar sabotar cada movimento de Putin e seus apoiadores.

Fato é que Putin já foi forçado a ceder, muitas e muitas vezes. Aqui, apenas alguns exemplos:

Os oligarcas: quando Putin livrou a Rússia do tacão dos “Sete Banqueiros”, não desarmou realmente todos os oligarcas. Só conseguiu livrar a Rússia de alguns oligarcas, como Khodorkovsky, que, basicamente, haviam subornado o Parlamento inteiro, numa tentativa de golpe contra Putin. Os demais oligarcas receberam a seguinte instrução: “fiquem bem longe da política, e deixo-os em paz”. E assim foi e é. O acordo ainda é vigente.

A economia: ainda em seu mais recente discurso, Putin teve de declarar que apoia integralmente o Banco Central e os ministros da economia do governo Medvedev. Considerando que literalmente TODOS os aliados de Putin estão com a faca nos dentes, furiosos contra o modo como a economia russa é (mal) administrada, não pode haver dúvidas de que Putin foi coagido a fazer aquela declaração, o que não significa que acredite realmente no que disse.

Tenho também observado campanha sistemática contra o Banco Central e os ministros ‘econômicos’ nos principais canais da TV russa central. E não pode ser coincidência.

Prevejo que Putin está preparando um expurgo nesses círculos, mas, antes, tem de pôr todos os seus gansos em fila, antes de agir, especialmente se tanto depende de inflamar a opinião pública contra eles. Hoje, a economia russa ainda é dirigida pelos patetas do FMI; por gente do “consenso de Washington”. Daí a política ensandecida de taxas de juros, a compra alucinada de obrigações do Tesouro dos EUA, a obsessão com manter a inflação baixa a qualquer custo etc. etc. etc.

Putin, por convicção, não é o que se possa classificar como “socialista”, mas é ativo proponente de “mercados sociais” e homem que está tentando muito empenhadamente separar a Rússia, do sistema financeiro ocidental – e insiste no direito de jogar por regras que não sejam as regras do Império.

A política externa: até a mais recente reeleição de Putin, quando a Rússia finalmente começou a ter política externa bastante consistente, a política russa era só zigs seguidos de zags. Foi especialmente verdade durante o tempo em que Medvedev esteve na Presidência, e quando Irã e Líbia foram traídos pela Rússia no Conselho de Segurança (movimento que Putin declarou publicamente “uma estupidez”).

‘Celebridades’: Lembram-se do hiper corrupto Ministro da Defesa Serdiukov? Pois… adivinhem! Ainda não foi formalmente acusado de crime algum. A mulher com a qual fez a maior parte das negociatas ainda vive em Moscou, cercada de luxo. O que isso nos diz? Diz-nos que, mesmo quando Putin reuniu provas suficientes da roubalheira de Serdiukov, só teve poder suficiente para tirar o homem do ministério e substituí-lo por Shoigu, mas nem assim teve poder suficiente para meter um “Atlanticista Integracionista” de tão alto escalão, no xilindró.

Ucrânia ocupada por nazistas: Putin teve controle suficiente sobre o próprio governo, para garantir o Voentorg [fluxo de forças militares e itens para abastecê-las] vital e até para mandar forças especiais e artilharia através da fronteira, para ajudar os novorrussos, mas não conseguiu forçar os ministérios da economia a estrangular a economia ucraniana. Disso resultou que a Rússia lá ficou, mandando (i) petardos através da fronteira em Saur Mogila e também (ii) energia praticamente gratuita através da mesma fronteira, para Kiev.

Propaganda russofóbica: Quando recentemente um jornalista de terceira classe, Alexei Andronov, postou comentário viciosamente anti-Rússia no Twitter, foi criticado por Alexei Pushkov, também jornalista e presidente da Comissão de Assuntos Externos do Parlamento Russo, em seu próprio programa de TV, “Postscriptum”. O canal de TV que distribui o programa, TV Tsentr, censurou em seguida o trecho da reprimenda em Andronov. Então, o famoso diretor de cinema russo, Nikita Mikhailkov, gravou um programa inteiro discutindo o evento; e o canal de TV que distribui o programa em que se discutia o evento de censura ao canal TV Tsentr, TV Rossia, também censurou o episódio inteiro. Quanto à diretora do canal no qual Andronov trabalha, Tina Kandelaki, deu integral apoio a Andronov.

Resumo da ópera: por mais que Putin tenha conseguido melhorar imensamente a qualidade em geral dos meios e veículos de comunicação na Rússia, os russófobos ainda são muito influentes e podem continuar a cuspir o seu ódio venenoso para todos os lados, em total impunidade.

Posso continuar a listar exemplo após exemplo, mas acho que vocês já captaram a ideia: Putin é excelente governante encarregado de fazer funcionar um sistema muito gravemente ruim.

Agora, então, voltemos à Síria, ao Hezbollah e ao assassinato de Samir Kuntar.


“Ami, si tu tombes, un ami sort de l’ombre à ta place”
[Amigo, se tu tombas, um amigo sai da sombra, para o teu posto]
Le Chant du Partisan“, 1942-3*

Primeiro, considere-se que a decisão de intervir militarmente na guerra síria já foi decisão controvertida. Putin conseguiu, servindo-se de duas táticas: explicou ao povo russo que era melhor lidar com os terroristas “lá” (na Síria), do que “aqui” (na Rússia); e prometeu que não enviaria soldados de campo.

Quando o Daesh e os turcos cumpriram a promessa feita por Obama e Biden e explodiram o avião comercial russo e, depois, um bombardeiro SU-24, o público continuou a apoiar Putin, mas muita gente – inclusive eu – logo nos demos conta de que a situação era terrivelmente perigosa. Ao fim e ao cabo, foi o “crédito” que “a rua” dá pessoalmente a Putin que lhe permitiu manter o curso, apesar dos medos bem reais.

Segundo, é claro que Putin e Netanyahu firmaram um acordo quando da visita de Bibi a Moscou: os israelenses não interferem nas operações russas de apoio aos sírios; e os russos não interferem nas operações de combate entre Israel e o Hezbollah. Assim, os dois lados puderam continuar na luta para alcançar o principal interesse de cada um, mesmo que à custa de sacrificar objetivos secundários.

Os leitores não gostam desse acordo e questionam-lhe a moralidade? OK, eu também. A mim, de fato, esse acordo causa intenso desconforto. Mas duros praticantes da mais dura realpolitik como Putin e Netanyahu sabem fazer acordos intragáveis e tragá-los. É o que se espera deles (e sorte a nossa que você e eu não estamos no poder).

Por falar de desconforto, há outro precedente que também me causa sério desconforto: o apoio total que os russos dão ao governo militar egípcio e à repressão sangrenta, sem limites, que o governo de Sisi faz contra a Fraternidade Muçulmana no Egito.

Aceito o argumento segundo o qual apoiar os militares egípcios fazia sentido no contexto da guerra na Síria, mas a ética moral-zero que se exige para apoiar os militares egípcios perturba-me terrivelmente. É por isso que Putin é político tão implacável quanto bem-sucedido; e eu não passo de blogueiro quase-irrelevante: contra lobos implacáveis, o urso tem de ser implacável, se quiser sobreviver.

Tudo isso posto, não percamos tempo com fingir que o Hezbollah não saberia ser igualmente gelado, quando preciso. Não esqueçam de quando Imad Mugniyeh foi assassinado em Damasco, pelos mesmos israelenses, numa operação que só seria viável com cúmplices nos altos escalões do governo de Assad, o Hezbollah prometeu “retaliar”. Mas jamais disse uma palavra, que fosse, contra o regime sírio. O Hezbollah tampouco fez qualquer objeção, quando o governo de Assad torturava muçulmanos a serviço da CIA-EUA, naquele infame programa norte-americano de “entregas especiais”.

Quanto a Putin, ele simplesmente tem outras prioridades, diferentes de proteger o Hezbollah ou combater contra Israel. As óbvias prioridades para Putin são as seguintes:

– Uma das mais altas é ele sobreviver na Rússia, sem ser derrubado pela ainda muito poderosa “Configuração Sionista de Poder” (para usar a expressão de James Petras).

– Não dar aos inimigos (internos e externos) o argumento político de “a Rússia está atacando Israel”.

– Além de não fazer guerra a Israel, pelos motivos aqui alinhavados, também é crucialmente importante não impor guerra em dois fronts ao contingente russo, pequeno e isolado, na Síria.

– Assim também, é crucialmente importante não ser acusado de converter o contingente russo numa “Força Aérea do Hezbollah” de-facto, precisamente como os EUA são hoje a “Força Aérea do Daesh”.

E há também que, por mais que os S-400s russos possam facilmente derrubar qualquer aeronave israelense, o contingente da Força Aeroespacial Russa na Síria não tem os meios materiais necessários para combater contra Israel ou, menos ainda, contra OTAN e CENTCOM.

Quanto à Rússia, o país absolutamente não pode entrar em guerra contra Israel, não por causa da insignificante Entidade Sionista, mas, isso sim, porque todo o Império Norte-americano já foi integralmente tomado e está sob integral controle dos sionistas.

De fato, os norte-americanos que denunciam que Putin “não tem coragem” de atacar Israel, devem antes perguntar a eles mesmos – agora que, ao que parece, Israel já converteu EUA+Europa em protetorado sionista servil e mudo: O que os próprios norte-americanos estão fazendo para se libertarem, eles, dessa subjugação vergonhosa?

Por falar de ocidente: é preciso comparar a posição do Império Anglo-sionista por um lado, e, por outro lado, a posição de muitos russos judeus influentes (na Rússia e em Israel) sobre a guerra na Ucrânia. O ocidente apoia totalmente o regime nazista de Kiev, mas muitos russos judeus, especialmente os muito famosos, como Vladimir Soloviev, assumiram posição categoricamente contra os nazistas de Kiev. E apesar de em Israel a popularidade de Putin e da Rússia ser extremamente baixa, não há muitos judeus na oposição anti-Putin dentro da Rússia.

Por fim, a opinião pública russa em geral está, infelizmente, terrivelmente mal informada sobre os horrores perpetrados pelos sionistas contra o povo palestino; e israelenses de dupla cidadania (como Evgenii Satanovskii ou Avigdor Eskin) vivem a repetir a fantasia segundo a qual “nós russos e israelenses somos os únicos que realmente enfrentamos o terrorismo muçulmano”; assim, capitalizam ao máximo, a favor deles, a guerra real que a Rússia de Putin está impondo ao Daesh. Em outras palavras, Putin teria extrema dificuldade para ‘vender’ ao público russo a derrubada de algum avião israelense.

Para todos esses, Putin será para sempre um vendido, um eterno shabbos-goy ou fantoche dos financistas internacionais. Francamente: não escrevo para essas pessoas.

Mas há os que estão sinceramente intrigados e confusos ante as políticas russas, que parecem incompreensíveis ou, até, contraditórias. A esses digo, em conclusão, o seguinte:

– Putin está avançando a sua causa passo a passo, um passo de cada vez, e sabe esperar e deixar que os eventos desenvolvam cada um a sua dinâmica própria. Está também agudamente consciente de que está lutando, literalmente, com uma mão atada às costas e com a outra super ocupada defendendo-se contra inimigos externos e internos (os internos são muitíssimo mais perigosos), ao mesmo tempo.

Tenho certeza de que Putin dá-se conta integralmente de que, pelo menos potencialmente, sua política de resistência, de soberanização e de libertação, pode levar a uma guerra nuclear intercontinental; e de que a Rússia é hoje mais fraca que o Império Anglo-sionista.

Exatamente como nos tempos de Stolypin, a Rússia precisa desesperadamente de mais uns poucos anos de paz, para desenvolver-se e conseguir pôr-se completamente em pé.

Absolutamente, não é hora para bater de frente contra o Império.

A Rússia carece vitalmente de *paz* e *tempo*: paz na Ucrânia, paz na Europa e, sim, paz no Oriente Médio. Infelizmente, a paz no Oriente Médio não existe nem como opção; por isso, quando o encurralaram, Putin tomou a decisão de ir à guerra.

E tenho certeza categórica, absoluta, de que, se o Império atacar a Rússia (ataque vindo da Turquia ou de onde seja), a Rússia lutará e resistirá. A Rússia fará de tudo para evitar a guerra, mas, sim, está disposta a ir à guerra se for necessário: é o preço que a Rússia paga por ser o lado mais fraco.

A boa notícia é que a Rússia vai-se fortalecendo cada vez mais, a cada dia; e o Império só enfraquece. O poder dos Anglo-sionistas e sua 5ª Coluna na Rússia também diminui dia a dia. Mas esse processo exige tempo.

O grande evento a esperar é um ataque ao Banco Central e contra os ministros da economia do governo. Todos na Rússia esperam por isso; Putin até já foi diretamente perguntado, mas continua negando e diz que apoia integralmente aqueles sabotadores. Mas, considerando a trilha de Putin, é estupidez acreditar que ele realmente os apoie. A resposta é parte de uma tática bem clara de adiamento, para esperar pela hora certa.

Que ninguém se engane. Não há amor algum entre Rússia e Israel. Mas tampouco há excessiva hostilidade, não, pelo menos, do lado russo. Muitos russos conhecem perfeitamente o feio papel que russos judeus desempenharam já duas vezes na história da Rússia, mas nada disso se traduz no tipo de hostilidade antissemita que se vê, por exemplo, na Ucrânia.

Os russos, no máximo, desconfiam do *grande poder* de que gozam tantos judeus dentro do governo de Medvedev, mas a desconfiança não se traduz em hostilidade antissemita. Várias das figuras públicas mais bem amadas na Rússia, como o ator, cantor e dramaturgo Vladimir Vysotskii, têm sangue judeu. Muitos russos também distinguem claramente entre judeus “deles” (os judeus ocidentais russofóbicos) e os judeus “nossos” (russos judeus que amam a Rússia). Mas, dado que a russofobia foi também muito amplamente disseminada entre as elites russas antes e depois da Revolução, não se pode dizer que odiar russos seja fenômeno ou traço específico do pensamento judeu.

Quanto aos russos, a cultura russa sempre foi multinacional e multiétnica e nunca separou as pessoas por etnias, muito mais por ações e ideias. Pode-se dizer com segurança que o ódio aos judeus é fenômeno muito mais ucronazista, que russo.

Além disso, à parte a evidência de que muitos russos não querem ter de volta ao poder na Rússia nem os comissários bolcheviques nem os oligarcas “democráticos”, há também uma solidariedade antinazistas que aproxima russos e israelenses e que não deve ser ignorada.

Quanto à Palestina, a Rússia apoiará todas as Resoluções relevantes da ONU, dentre as quais a ideia tipicamente sem imaginação e irrealizável conhecida como “solução dos dois estados”. No máximo, a Rússia “deplorará” ou “lastimará” os abusos que a entidade sionista cometa contra palestinos, mas absolutamente não se tornará defensora sistemática dos palestinos – como são o Irã e o Hezbollah. Por quê? Simplesmente porque o futuro da Palestina não é prioridade para os russos.

Espero que o que aqui escrevo ajude a compreender por que a Rússia não agirá para proteger o Hezbollah contra os israelenses (tampouco impedirá o Hezbollah de retaliar a partir da Síria, se o Partido da Resistência tomar essa decisão). Dito em termos simples: não há qualquer razão necessária, interna ou externa, para que a Rússia envolva-se diretamente no confronto; mas há muitas razões muito fortes, internas e externas, para que a Rússia mantenha-se à distância.

Se, no passado, a URSS apoiou a Organização para a Libertação da Palestina, OLP, por razões simultaneamente ideológicas e geoestratégicas, hoje a Rússia moderna absolutamente não seguirá esse mesmo paradigma. Primeiro, nem Fatah nem Hamás parecem ser parceiros atraentes (nem confiáveis) para a Rússia, vivendo ambos na cama, como vivem, com o Daesh. E o mesmo vale para a Fraternidade Muçulmana no Egito.

Quanto ao Hezbollah, nada indica que precisem da proteção dos russos. Por maior carga simbólica que tenha qualquer retaliação contra o assassinato de Imad Mugniyeh ou de Samir Kuntar, essas perdas não enfraquecem a Resistência.

Na verdade, se a história desde o assassinato de Abbas al-Musawi (16/2/1992) ensina alguma coisa, é que cada vez que os israelenses assassinam um líder do Hezbollah, horas depois os próprios israelenses descobrem que terão de enfrentar adversário ainda mais formidável.[2] Há de acontecer outra vez, se Deus quiser.

[assina] The Saker



[1] O mesmo tipo de diferença parece existir – mas parece já estar definitivamente perdida na tradução e/ou pervertida na propaganda ocidental –, no que tenha a ver com terroristas: há terroristas islamistas (terroristas que supõem que sejam islâmicos e apresentam-se como promotores do Islã); mas não há ‘terroristas islâmicos‘, porque, se alguém for terrorista nada terá a ver com o Islã e não será legitimamente islâmico; e a proposição inversa também se aplica: se alguém tiver qualquer coisa legítima a ver com o Islã (se for legitimamente islâmico), não será terrorista. Esse é o argumento que subjaz à expressão takfiri – mais uma palavra cujo significado parece ter-se perdido completamente na tradução e/ou na propaganda ocidental; o mesmo também parece estar acontecendo com a palavra jihad).

Nesse sentido, como se lê no texto acima, máfias que reúnam judeus, organizadas para cometer crimes, nada têm a ver com o judaísmo; podem portanto ser declaradas máfias de judeus, mas não podem ser declaradas, com justiça e rigor de expressão, “máfias judaicas” [Essa é uma explicação tentativa, de não especialista. Todas as correções e comentários são bem-vindos. (NTs)]

* Epígrafe acrescentada pelos tradutores [NTs]

[2] Abbas Al-Mussawi, então secretário-geral do Hezbollah, foi assassinado em 16/2/1992, por helicópteros israelenses que atacaram um comboio de carros no sul do Líbano. Morreram Al-Mussawi, a esposa, o filho de cinco anos e mais quatro pessoas. Foi substituído na secretaria-geral do Partido da Resistência, por Hassan Nasrallah [NTs].

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2 thoughts on “Putin e Israel: Relação complexa, em vários planos

  1. Responder Empalador dez 31,2015 4:14

    Ele é sempre brilhante, e sempre divulgo seus artigos na minha página do facebook- Brasil Geopolítica e Defesa.

  2. Responder Lee jan 1,2016 3:12

    Bom ver que ainda fazem traduções do The Saker achei que tinham parado.

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