Pepe Escobar: O Ano do Tigre começa com ação sino-russa 

Share Button

Onde fica a China no conflito Rússia-Ucrânia? – DW – 03/02/2022
3/2/2022, Pepe Escobar, Strategic Culture Foundation

“Na metafísica chinesa, o Tigre é um dos signos do Cavalo do Céu. Monte no Tigre.”
Pepe Escobar, 3/2/2022, Telegram, 91, 15:06
(Epígrafe acrescentada pelos tradutores)

Para todos os fins práticos, o ano do Tigre Negro de Água começa com ação em Pequim nessa sexta-feira, quando os Presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin, depois de reunião presencial, antes da cerimônia inicial dos Jogos Olímpicos de Inverno, emitirão declaração conjunta sobre relações internacionais.

Será movimento crucial no tabuleiro do xadrez Eurásia vs. OTANstão, dado que o eixo anglo-norte-americano está cada vez mais atolado no Corredor do Desespero: afinal, a “agressão russa” teimosamente recusa-se a se materializar.

Depois de espera interminável, provavelmente devida à falta de funcionários adequadamente habilitados para escrever carta inteligível, a combinação EUA-OTAN finalmente concebeu uma previsível “resposta” de não resposta da burocracia, carregada de jargão, aos russos, que exigem garantias de segurança.

O conteúdo foi divulgado para um jornal espanhol, membro de pleno direito da mídia do OTANstão. O ‘vazador’, segundo fontes de Bruxelas, já pode estar em Kiev. O Pentágono, em modo de controle de danos, apressou-se a garantir: “Não fizemos isso”. O Departamento de Estado esclareceu: “é autêntico”.

Mesmo antes do vazamento da “resposta não resposta”, o Ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov foi forçado a enviar mensagens a todos os Ministros das Relações Exteriores da OTAN, incluindo o Secretário Blinken dos EUA, perguntando como entendem o princípio da indivisibilidade da segurança – supondo-se que realmente entendam.

Lavrov foi extremamente específico: “Refiro-me às nossas exigências de que todos implementem fielmente os acordos sobre a indivisibilidade da segurança que foram alcançados no âmbito da OSCE em 1999 em Istambul e em 2010 em Astana. Esses acordos preveem não apenas a liberdade de escolher alianças, mas também condicionam essa liberdade à necessidade de evitar quaisquer medidas que reforcem a segurança de qualquer Estado à custa de infringir a segurança de outros”.

Lavrov acertou o coração da questão, ao enfatizar que “nossos colegas ocidentais não estão simplesmente tentando ignorar esse princípio-chave do direito internacional acordado no espaço euro-atlântico: também tentam esquecê-lo completamente”.

Lavrov também deixou muito claro que “não permitiremos que esse tópico seja ‘embrulhado’. Insistiremos em que haja conversa honesta e explicação do motivo pelo qual o Ocidente não quer de modo algum cumprir suas obrigações, ou só se interessaria por cumpri-las seletivamente e a seu favor”.

Crucial aí é que a China apoia plenamente a exigência russa, de que lhe sejam dadas garantias de segurança na Europa; e concorda plenamente com que a segurança de um Estado não pode ser garantida infligindo-se danos a outro Estado.

Difícil imaginar impasse mais sério: o combo EUA-OTAN está empenhado em destruir dois tratados cruciais que dizem diretamente respeito à segurança europeia. E creem que consigam safar-se, porque, em toda a mídia do OTANstão, há menos de zero discussão sobre o conteúdo e respectivas implicações da ‘posição’ do ‘ocidente’.

A opinião pública ocidental permanece na mais absoluta ignorância. A única narrativa, martelada 24 horas por dia, 7 dias por semana, é a conversa da “agressão russa”. A propósito, devidamente enfatizada na “resposta” de não resposta da OTAN.

Querem examinar nosso equipamento técnico-militar?

Pela enésima vez, Moscou deixou bem claro que não fará qualquer concessão nas exigências de segurança, só porque o Império do Caos insiste em ameaças, falando sempre – e do que mais falaria? – de sanções extra duras, única “política” que o Império conhece, além do bombardeio direto.

O novo pacote de sanções, de qualquer forma, está pronto para ser aplicado por bom tempo, possivelmente capaz de cortar Moscou do sistema financeiro e/ou cassino ocidental, visando, dentre outros bancos, o Sberbank, VTB, Gazprombank e Alfa-Bank.

E isso nos leva ao que Moscou fará a seguir – considerando a previsível “atitude extremamente negativa” (Lavrov) do OTANstão. O vice-ministro das Relações Exteriores Alexander Grushko já havia insinuado que a OTAN sabe perfeitamente o que está por vir, e já sabia desde antes de “responder” a tal resposta não resposta:

“A OTAN sabe perfeitamente que tipo de medidas técnico-militares podem vir da Rússia. Não fazemos segredo de nossas possibilidades e estamos agindo com muita transparência”.

Ainda assim, os “parceiros” norte-americanos não estão ouvindo. Os russos permanecem inabaláveis. Grushko pôs as coisas em termos de realpolitik: medidas concretas dependerão dos “potenciais militares” que estejam disponíveis para serem utilizados contra a Rússia. Falou, em linguagem cifrada, do tipo de armas nucleares que venham a ser instaladas no Leste da Europa; e do tipo de equipamento letal que continue a ser descarregado na Ucrânia.

De fato, a Ucrânia – ou ‘aquele país que é erro 404’, na indelével definição de Andrei Martyanov – não passa de insignificante peão no jogo (imperial) dos EUA. Para piorar ainda mais a miséria de Kiev em todas as frentes, o chefe do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, Alexei Danilov, quase entregou o jogo (regional).

Em entrevista à AP, Danilov disse que “os Acordos de Minsk podem criar o caos”; admitiu que Kiev perdeu totalmente a guerra em 2014-15 e depois assinou os Acordos de Minsk “sob ameaça das armas russas” (é falso: Kiev foi duramente derrotada pelas milícias de defesa do Donbass). Mas, mais importante, Danilov admitiu que Kiev nunca teve qualquer intenção de cumprir os Acordos de Minsk.

Portanto, Kiev, essencialmente, está violando o direito internacional: os Acordos de Minsk são garantidos pela Resolução 2.022 (de 2015) do Conselho de Segurança da ONU, aprovada e adotada por unanimidade. Até EUA, Reino Unido e França votaram “Sim”. Assim se vê que é fácil infringir a lei: qualquer um infringe e safa-se, desde que a infração seja ‘liberada’ pelas “grandes potências”.

E nessa invisível “agressão russa”, bem… Nem Danilov consegue ver “forças russas em prontidão perto da fronteira, para invadir, invasão que levará de três a sete dias”.

Tragam os Cavalos Dançantes

Nada do acima mencionado altera o fato fundamental de que o combo EUA+Reino Unido – mais os proverbiais chihuahuas da OTAN, Polônia e Países Bálticos – rodopiam feito loucos tentando provocar uma guerra. E o único modo de conseguir isso é Disparar Falsas Bandeiras. Pode acontecer em algum momento, em fevereiro; pode acontecer durante os Jogos Olímpicos de Pequim, pode acontecer antes do início da primavera. Mas elas virão. E os russos estão prontos.

O preâmbulo foi encenado diretamente à moda do Circo Voador Monty Python – acrescido do Boneco para Teste de Colisão Frontal, também conhecido como Presidente dos EUA (ing. POTUS) berrando para o cômico Zelensky, em revival mongol trash, que “Kiev será saqueada” (ao som de Tragam os Cavalos Dançantes?); um escandalizado Zelensky dizendo ao POTUS que, calma lá, cara, pare com isso, recue aí!; e a Casa Branca jurando que os EUA ‘trabalharam’ com 18 cenários para a “invasão russa” (Lavrov: 17 foram escritos pela segurança, toda a sopa de letrinhas das ‘agências’; o 18º, pelo Departamento de Estado).

Daí, se passa para o envio frenético de armas para o país ‘do erro 404’ – tudo, de Javelins a MANPADs e ondas de “conselheiros” super-remunerados à moda Blackwater/Academi.

Afastando-se da farsa, para não mencionar cenários mal concebidos, orientados a partir da premissa errada de alguma “invasão”, o único movimento racional que Moscou pode estar considerando é reconhecer de fato as Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk, e enviar para lá um contingente de mantenedores da paz.

Isso, é claro, enfureceria até ao mais intergalático paroxismo a matriz infestada de neocons da empresa Guerra Inc., dado que anularia todas as tais complexas operações ‘psi’ orientadas para incutir o Temor de Deus nas desatentas vítimas do Canato da Horda Dourada Remixed, queimando e saqueando tudo. Até as planícies húngaras?

Depois, há a complicada questão de como desnazificar a Ucrânia Ocidental: esse será assunto estritamente ucraniano, com zero envolvimento dos russos.

O fantasma de Mackinder está em surto de loucura total, obrigado a assistir, totalmente impotente, à inteligência brilhante do Império que decide combater guerra em dois fronts contra a parceria estratégica Rússia-China.

Sorte que se pode contar com Monty Python para nos salvar: o Ministério dos Passos Idiotas foi gloriosamente ressuscitado, hoje, como o Ministério das Estratégias Idiotas.

O lugar de honra vai para o telefonema feito pelo Blinkenzinho ao Ministro das Relações Exteriores chinês Wang Yi – que contém todos os elementos de um brilhante esquete cômico. O astro é o combo que se esconde atrás daquele enigma “Biden”, que pensa que a liderança de Pequim poderia influenciar Putin e conseguir que não cometa a tal “agressão russa” contra o país ‘erro 404’. À margem, talvez pudesse haver alguma discussão sobre o pandemônio conhecido como “Indo-Pacífico”.

A trama desabou quando, mais uma vez, Wang Yi – lembram-se do Alasca? – fez do Blinkenzinho sopa de barbatana de tubarão. O xis da coisa: a China apoia totalmente a Rússia; são os EUA que estão desestabilizando a Europa; e se mais sanções vierem, a Europa pagará preço terrível, não a Rússia, que naturalmente pode contar com ajuda séria da China.

Agora compare isso e o telefonema entre Putin e Macron. Para começar, foi cordial. Discutiram o estado de “morte cerebral” (copyright Macron) em que está a OTAN. Discutiram as proverbiais arruaças dos anglo-saxões. Discutiram até a possibilidade de formar um grupo pan-europeu – uma espécie de anti-AUKUS – a Rússia incluída, para deter a influência dos Cinco Olhos, e inclinado a evitar por todos os meios uma guerra em solo europeu. No momento, não passa de conversa. Mas as sementes que mudam o jogo estão todas aí.

Cenários equivocados insistem em que Putin teria explorado habilmente a obsessão imperial com a ascensão e ascensão da China, para restabelecer a esfera de influência da Rússia. Bobagem. A esfera sempre esteve lá – e de lá não sairá. A diferença é que Moscou finalmente se cansou do pesado simbolismo que permeia a nunca resolvida ‘confusão 404’: a mistura de Russofobia bruta em Washington com a contenção/cerco pela OTAN batendo à porta.

Metaforicamente, esse pode vir a ser o Ano de dois Tigres Negros de Água – sancionados –, um chinês e um siberiano. Serão molestados sem parar pela águia sem cabeça, cega à própria irreversível decadência e sempre recorrendo à jogada desesperada tipo “seja o que Deus quiser”, única “política” que conhece.

O perigo final – especialmente para os lacaios europeus – é que a águia sem cabeça nunca deixará que lhe tirem o antigo status de “indispensável”, sem provocar outra guerra devastadora. Em solo europeu. Ainda assim, os tigres persistem: em Pequim, antes do início dos Jogos, darão mais um passo para enterrar irreversivelmente a “ordem internacional baseada em regras”.*******

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

Share Button

Deixar um comentário

  

  

  

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.