Pepe Escobar: Do 11/9 ao Grande Reset 

Share Button

Pepe Escobar expõe a Era do 0,1%: do 11/set ao "Grande Reset" – D.E.11/set/2020 - YouTube10/9/2020, Pepe Escobar, Asia Times
(Traduzido ao português do Brasil, com autorização do autor)

11/9 foi a pedra inaugural do novo milênio –, indecifrável como os Mistérios Eleusinos. Há um ano, em Asia Times, outra vez levantei várias perguntas que ainda não encontraram respostas.

Entre as flechas dos arcos e pedras das fundas que voaram como raios de ultrajante desgraça e rasgaram essas duas décadas, com certeza incluem-se as seguintes: O fim da história. O breve momento unipolar. A Longa Guerra do Pentágono. A Segurança Nacional. A Lei Patriótica. Choque e Pavor. A tragédia/debacle no Iraque. A crise financeira de 2008. A Primavera Árabe. Revoluções coloridas. “Liderar pela retaguarda”. Imperialismo humanitário. Síria, a como guerra por procuração absoluta. A farsa ISIS/Daech. O Plano Abrangente de Ação Conjunta (Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA, conhecido como “Acordo do Irã” e “Acordo Nuclear”). Maidan. A Era das Operações ‘Psicológicas’ (Psyops). A Era do Algoritmo. A Era do 0,0001%.

Outra vez entramos fundo em território de Yeats: “Os melhores vacilam, e os piores andam cheios de irada intensidade.”[1]

Ao mesmo tempo, a “Guerra ao Terror” – decantação da Longa Guerra – avançou sem trégua, matou multidões de muçulmanos e arrancou das próprias terras pelo menos 37 milhões de pessoas.

Chegou ao fim a geopolítica derivada da 2ª Guerra Mundial. Está em andamento a Guerra Fria 2.0. Começou como EUA contra Rússia, virou EUA contra China; e agora, completamente desmascarada como Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, e com apoio dos dois principais partidos, é EUA contra ambas. O pesadelo absoluto de Mackinder-Brzezinski está à vista: o muito temido “concorrente” na Eurásia rasteja rumo à [avenida] Beltway para nascer[2] sob a forma da parceria estratégica Rússia-China.

Algo tem de ceder.[3] E então, sem mais nem menos, do nada, aconteceu.

Um impulso planejado na direção de concentração de poder com garras de aço e diktats econômicos foi conceptualizado antes – sob uma fachada de “desenvolvimento sustentável” – já em 2015, na ONU (aqui, em detalhes).

Agora, esse novo sistema operacional – ou distopia digital tecnocrática – está sendo finalmente codificada, embalada e “vendida”, desde meados do verão, mediante campanha abundante, ostensiva, consertada, de propaganda.

Zele pelo seu espaço mental

Toda a histeria no Planeta Confinamento que elevou a Covid-19 a dimensões de moderna Peste Negra já foi consistentemente desmascarada, por exemplo, aqui e aqui, a partir de conhecimento original que vem de fonte da altamente respeitada, de Cambridge.

A demolição de fato controlada de vastas porções da economia global garantiu ao capitalismo das corporações e abutres, em todo o mundo, lucros indescritíveis, arrancados do colapso e da destruição de empresas e negócios.

E tudo feito com a mais ampla cumplicidade das massas – processo espantoso de servidão voluntária.

Nada disso é acidental. Por exemplo, há mais de dez anos, desde antes de criar uma Equipe de Insights Comportamentais [ing. Behavioral Insights Team], o governo britânico já estava muito interessado em “influenciar” comportamentos, em colaboração com a London School of Economics e o Imperial College.

O resultado foi o relatório MINDSPACE. É a ciência do comportamento usada para influenciar os políticos e a política e, sobretudo, para impor controle neo-Orwelliano sobre a população.

Crucialmente importante, MINDSPACE manifestou colaboração estreita entre o Imperial College e a empresa RAND, de Santa Monica. Tradução: os autores dos modelos computacionais absurdamente falhados que alimentaram a paranoia do Planeta Confinamento, operaram em conjunção com o principal think-tank ligado ao Pentágono.

Em MINDSPACE, lê-se que “abordagens comportamentais encorporam uma linha de pensamento que se desloca, da ideia de um indivíduo autônomo que toma decisões racionais, para um tomador ‘situado’ de decisões [ing. ‘situated’ decision-maker], cujo comportamento, em grande parte, é automático e influenciado pelo respectivo ‘ambiente de escolha’ [ing. ‘choice environment’]”.

Assim, a pergunta chave é quem decide qual é o ‘ambiente de escolha’. Hoje, todo nosso ambiente é condicionado pela [pandemia e vírus] Covid-19. Chamemos de “a doença”. E dá e sobra para estabelecer muito belamente “a cura”: The Great Reset.

O coração pulsante

O Grande Reset foi oficialmente lançado no início de junho pelo Fórum Econômico Mundial, FEM – habitat natural do Homem de Davos. A base conceitual é algo que o FEM descreve como Plataforma de Inteligência Estratégica [ing. Strategic Intelligence Platform: “sistema dinâmico de inteligência contextual que capacita os usuários para que tracem relacionamentos e interdependências entre as questões, como suporte para tomar decisões mais bem informadas”.

Essa plataforma promove complexo cruzamento e mútua penetração entre a doença Covid-19 e a Quarta Revolução Industrial – conceptualizada já em dezembro de 2015 e cenário futurista escolhido pelo Fórum Econômico Mundial. Um não pode existir sem o outro. Visa a imprimir no inconsciente coletivo – pelo menos no ocidente – a noção de que só a abordagem “de acionista” autorizada pelo FEM é capaz de superar o desafio da doença Covid-19.

O Grande Reset é imensamente ambicioso, cobrindo mais de 50 campos de conhecimento e prática. Interconecta tudo, de recomendações para recuperação da economia, até “modelos de negócios sustentáveis”, de restauração ambiental até redesenho de contratos sociais.

O coração pulsante dessa matrix é – e que mais seria? – a Plataforma de Inteligência Estratégica, que reúne literalmente tudo: “desenvolvimento sustentável”, “governança global”, mercados de capital, mudança climática, biodiversidade, direitos humanos, paridade de gênero LGBTI, racismo sistêmico, comércio e investimento internacional, o – duvidoso – futuro das indústrias e viagens e turismo, alimento, poluição do ar, identidade digital, blockchain, 5G, robótica, inteligência artificial (IA).

No final, só um plano geral A faz interagirem todos esses sistemas, sem saltos ou emendas: o Grande Reset – abreviatura de uma Nova Ordem Mundial sempre evocada com deslumbramento, mas jamais implementada. E não há Plano B.

O “legado” da [doença] Covid-19

Os dois principais atores por trás do Grande Reset são Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial; e a diretora-gerente do FMI Kristalina Georgieva. Georgieva não tem qualquer dúvida de que “a economia digital é a grande vitoriosa dessa crise”. Crê firmemente que o Grande Reset deva começar, necessariamente, em 2021.

A Casa de Windsor e a ONU são os principais coprodutores executivos. Principais patrocinadores incluem BP, Mastercard e Microsoft. Desnecessário dizer que todos quantos sabem como são tomadas as mais complexas decisões geopolíticas e geoeconômicas sabem que esses dois principais atores só fazem cumprir roteiro decorado. Os autores são, digamos assim, “a elite globalista”. Ou, em homenagem a Tom Wolfe, “os Senhores do Universo”.

Schwab, como se poderia prever, escreveu o minimanifesto do Grande Reset. Um mês depois, expandiu muitíssimo a conexão-chave: o “legado” da [doença] Covid-19.

Tudo isso foi devidamente engordado num livro, escrito em coautoria com Thierry Malleret, diretor da Rede de Risco Global do Fórum Econômico Mundial [ing. WEF’s Global Risk Network]. A Covid-19 é descrita como fator que “criou grande reset disruptivo dos nossos sistemas global, social, econômico e político”. Schwab pinta a [doença] Covid-19 não só como “oportunidade” fabulosa, mas, realmente, como fator criador (itálicos meus) do – agora inevitável – Reset.

Tudo isso se encaixa lindamente com a ideia filhote do próprio Schwab: a [doença] Covid-19 “acelerou nossa transição para a era da Quarta Revolução Industrial”. A revolução vem sendo exaustivamente discutida em Davos desde 2016.

A tese central do livro é que nossos mais prementes desafios têm a ver com o meio ambiente – considerado só em termos de mudança climática – e com desenvolvimentos tecnológicos, que permitirão a expansão da Quarta Revolução Industrial.

Em resumo: o Fórum Econômico Mundial está declarando oficialmente morta a globalização empresarial, modus operandi hegemônico desde os anos 1990s. Agora é tempo de “desenvolvimento sustentável”. – E é “sustentável” o que for declarado “sustentável” por um seleto grupo de “acionistas”, idealmente integrados numa “comunidade de interesses, objetivos e ação comuns (sic).”

Atilados observadores do Sul Global não deixarão de comparar a retórica do FEM de “comunidade de interesses comuns” à “comunidade de interesses partilhados” chinesa, que se aplioca à Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE), que, sim, é projeto continental de comércio/desenvolvimento.

O Grande Reset pressupõe que todos os acionistas – em todo o planeta – alinhem-se perfeitamente. Se não, como Schwab destaca, teremos “mais polarização, mais nacionalismo, mais racismo, agitação social crescente e mais conflitos”.

Assim sendo – mais uma vez – é ultimato tipo “você está conosco ou contra nós” – reminiscência espectral do nosso velho mundo do 11/9. Ou o Grande Reset estabelecido pacificamente, com todas as nações devidamente subservientes, obedecendo as novas orientações definidas por um punhado de autonomeados sábios de República neoplatônica, ou o caos.

Se a Covid-19 e respectiva “janela de oportunidade” apareceram por aí por acaso, ou se apareceu por projeto, permanece sempre como questão das mais sumarentas.

Neofeudalismo digital

A reunião ‘real’, cara a cara, em Davos, ano que vem, foi adiada para o verão de 2021. Mas Davos virtual acontecerá em janeiro, focada no Grande Reset.

Já há três meses, o livro de Schwab sugeria que quanto mais todos se deixem prender na paralisia global, mais claramente se verá que não se permitirá (itálicos meus) que as coisas voltem ao que, antes, se considerava normal.

Há cinco ano, a Agenda 2030 da ONU – madrinha do Grande Reset – já insistia em vacinas para todos, sob patrocínio da Organização Mundial de Saúde e da CEPI – iniciativa fundada em 2016 por Índia, Noruega e a fundação de Bill e Belinda Gates.

O timing não poderia ser mais conveniente para o notório Event 201.

“Exercício para pandemia” em outubro do ano passado em New York, com o Johns Hopkins Center para Segurança da Saúde, em parceria com – adivinhem! – o Fórum Econômico Mundial e a Fundação Bill e Melinda Gates. Os leões-de-chácara da mídia não admitem crítica que não seja superficial, dos motivos dos Gates, porque, afinal de contas, os Gates financiam aqueles leões de chácara daquela mídia.

Mas já está imposto como consenso mantido com mão de ferro que sem uma vacina que neutralize a Covid-19 não há qualquer possibilidade de coisa alguma que sequer se pareça com normalidade.

E artigo espantoso publicado no Virology Journal – que também publica o que diz o Dr. Fauci – demonstra muito claramente que “cloroquina é potente inibidor da infecção e disseminação de infecção por coronavírus na SARS”. Trata-se de droga “relativamente segura, efetiva e barata” cujo significativo efeito inibitório antiviral quando as células um possível uso profilático e terapêutico.”

Até o livro de Schwab admite que Covid-19 é “uma das pandemias menos mortais nos últimos 2.000 anos” e que suas consequências “serão pouco graves, comparadas às de pandemias anteriores”.

Não importa. O que importa sobretudo é a “janela de oportunidade” que [a doença] Covid-19 oferece, promovendo, dentre outras questões, a expansão do que já descrevi como Neofeudalismo Digital – ou o Algoritmo devora a Política. Não surpreende que instituições político-econômicas, da Organização Mundial do Comércio à União Europeia e à Comissão Trilateral já estejam investindo em processos de “rejuvenescimento”, expressão codificada para “mais concentração de poder”.

Vigie os imponderáveis

O filósofo alemão Hartmut Rosa é um dos raros pensadores que veem o suplício pelo qual estamos passando, como rara oportunidade para “desacelerar” a vida em tempos de turbocapitalismo.

Hoje, não se trata de “ataque contra o estado-civilização”. Trata-se de estados-civilizações – como China, Rússia, Irã – não submetidos ao Hegemon, que tendem a mapear curso bem diferente.

O Grande Reset, apesar de tantas ambições universalistas, permanece como modelo insular, ocidente-cêntrico, que só beneficia o proverbial 1%. A Grécia Antiga não se via como “Ocidental”. O Grande Reset é, essencialmente, projeto derivado do Iluminismo.

Se se examina a trilha adiante, com certeza a vemos cheia de imponderáveis. Desde o Fed a disparar dinheiro digital diretamente para aplicativos financeiros de smartphones nos EUA, até a China a promover um sistema de comercial/econômico para toda a Eurásia, ao mesmo tempo em que implementa o yuan digital.

O Sul Global dedicará muita atenção ao agudo contraste entre, de um lado, a proposta desconstrução-liquidação da ordem econômica industrial; e, de outro lado, o projeto Iniciativa Cinturão e Estrada – focado num novo sistema de financiamento fora do monopólio ocidental, e que enfatiza o crescimento agroindustrial e o desenvolvimento sustentável de longo prazo.

O Grande Reset apontará contra nações perdedoras, agregando todas as que se beneficiam da produção e do processamento de energia e agricultura de Rússia, China e Canadá, até Brasil, Indonésia e grandes áreas da África.

Hoje, só uma coisa se sabe com razoável certeza: o establishment no coração do Hegemon e os orcos babões do Império só acionarão o Grande Reset se entenderem que assim ajudam a reduzir a velocidade do declínio, acelerado numa manhã fatídica, há 19 anos.

[1] Yeats, The Second Coming, A Segunda Vinda W. B. Yeats, “A Segunda Vinda”, in W. B. Yeats – poemas [organização, prefácio, tradução e notas Paulo Vizioli]. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.). A Segunda Vinda. Loc. Cit.

[2] Muita coisa sempre se perde na tradução. Aí, Pepe está praticamente parafraseando Yeats, no poema já referido: “And what rough beast, its hour come round at last, Slouches towards Bethlehem to be born?” / Na coluna acima, orig.: [the “peer competitor”] in Eurasia slouched towards the Beltway to be born (…)” [NTs].

[3] Bing Crosby, 1954-1956 (ouve-se aqui) [NTs].

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

 

Share Button

Deixar um comentário

  

  

  

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.