8/9/2020, Pepe Escobar, Consortium News
(traduzido ao português do Brasil, pelo Coletivo de Tradutores Vila Mandinga, com autorização do autor)
Imagem: Policiais arrancam Julian Assange da embaixada do Equador em Londres, dia 11/4/(YouTube)
“Pois que caiam sobre mim os raios fulminantes; que os ventos furiosos inflamem os céus; que a tempestade, agitando a terra em seus fundamentos, abale o mundo; que flagelos sem exemplo confundam as vagas do oceano com as estrelas da abóbada celeste; que Júpiter, usando seu invencível poder, precipite meu corpo nos abismos do Tártaro; faça Zeus o que fizer… Eu viverei!”
Prometeu, em “Prometeu Acorrentado”
É a antiga tragédia grega, reencenada na Anglo-américa.
Sob ribombante silêncio e indiferença quase universal, acorrentado, imóvel, invisível, um Prometeu esquálido foi transferido do patíbulo para um julgamento-espetáculo, num tribunal gótico fake, dentro de uma prisão medieval.
Cratos, personagem que encarna o Poder, e Bia, que encarna a Violência [personagem muda] cuidaram atentamente de acorrentar Prometeu, não a uma montanha no Cáucaso, mas ao confinamento em cela solitária numa prisão de segurança máxima, exposto a incansável tortura psicológica. Em nenhuma das torres de vigilância do ‘ocidente’, apareceu algum Hefesto** voluntário, que forjasse qualquer pequena relutância, qualquer dúvida, nem, que fosse, uma gota de piedade.
Prometeu está sendo punido, não por ter roubado o fogo dos deuses – mas por ter exposto o poder à luz da verdade, provocando com isso a ira sem limite nem descanso, de Zeus, O Excepcionalista, que só consegue consumar seus crimes, se ninguém o vê, se se esconde sob incontáveis véus de sigilo e segredo.
Prometeu atropelou o mito do segredo – que garante a Zeus os meios para controlar todo o universo humano. E atropelar mitos é anátema.
Por anos, hackers estenógrafos degradados trabalharam sem descanso para inventar um Prometeu trapaceiro, falsário, leviano.
Abandonado, degradado, demonizado, Prometeu só foi consolado por pequeno coro de Ninfas – Craig Murray, John Pilger, Daniel Ellsberg, Wiki combatentes, autores de Consortium.
Até as ferramentas mais básicas para organizar alguma defesa foram negadas a Prometeu, qualquer coisa que, pelo menos desse uma chacoalhada na narrativa de Zeus, em sua dissonância de cognição.
Oceano, o Titã pai das Ninfas, tenta, mas não consegue, convencer Prometeu a não provocar ainda mais a ira de Zeus.
Prometeu revelou às Ninfas que expor o segredo de Zeus nunca fora o maior anseio de seu coração. E que, no longo prazo, seu sofrimento poderia reacender o amor do povo pelas artes civilizatórias.
Um dia, Prometeu recebeu a visita de Io, mulher e humana. Previu que ela não mais viajaria e que daria a ele dois filhos. Poderia ter previsto também que um dos filhos deles – epígono de Héracles, sem nome – muitas gerações adiante, o libertaria, figurativamente, de seus tormentos.
Zeus e seus capangas condenadores de deuses e homens nada têm, comprovado, contra Prometeu, além da posse e da distribuição de informação sigilosa dos Excepcionais.
Mesmo assim acaba por caber a Hermes — mensageiro dos Deuses e, significativamente, o que distribui o noticiário – ser enviado por Zeus que, tomado de incontrolável fúria, exige que Prometeu declare-se culpado por ter derrubado a ordem baseada em regras fixadas pelo Supremo Excepcional.
Tudo isso está sendo ritualizado, no tribunal-espetáculo de hoje – que jamais teve qualquer coisa a ver com Justiça.
Prometeu não será domado, nunca cede. Em pensamento, diz como o Ulisses de Tennyson: “Tentar, buscar, achar e não se render”.***
Assim, Zeus consegue finalmente atingi-lo com o raio do Excepcionalismo, e Prometeu é condenado.
Mas Prometeu roubou o segredo do poder, e esse roubo não pode ser desfeito. Seu destino com certeza preparará a entrada em cena de Pandora com sua caixa de desgraças – completa, com consequências não previstas.
Seja qual for o veredito daquele tribunal do século 17, não é garantido, longe disso, que Prometeu entre para a História como único culpado por toda a loucura humana.
Porque agora o xis da questão é que Zeus foi desmascarado.
* “Prometeu acorrentado” (ing. Prometheus Bound) é título de tragédia grega, atribuída a Ésquilo. Na tradução de J.B.de Melo e Souza, pode ser lida em português aqui [NTs].
** “Vulcano, na mitologia latina; na mitologia grega, Hefesto (NTs).
*** Só para ajudar a ler, encontra-se uma tradução de “Ulysses” de Tennyson, ao português, aqui [NTs].