Músicos devem boicotar Israel até que os Palestinos sejam livres

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novembro 24, 2015

Por Brian Eno e Ohal Grietzer

Músicos e artistas que apoiam o boicote cultural a Israel. Em cima, da esquerda para a direita: Kyp Malone, Molly Crabapple (colaboradora da VICE), Kool A.D. (colunista da VICE), Tamar-Kali, Tunde Adebimpe, Swoon, Roger Waters e Kathleen Chalfant. Cortesia de Adalah-NY.

Em sua visita mais recente aos EUA, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, mais uma vez afirmou que está “comprometido com dois estados para dois povos“, mas ao mesmo tempo dava sinal verde para mais uma onda de assentamento na Cisjordânia. Essas contradições recorrentes fizeram com que simpatizantes de longa data de Israel abandonassem suas convicções de que o governo israelense está realmente interessado na paz.

Nós dois começamos simpáticos a Israel. Brian, que nasceu em 15 de maio de 1948, o mesmo dia em que o Estado de Israel foi estabelecido, cresceu num ambiente inglês no qual Israel era percebido positivamente. Em particular, ele gostava da ideia do movimento kibbutz israelense, que ele via como uma sociedade socialista exemplar.

Ohal nasceu e cresceu nessa nação nos anos 80, tendo sua educação política inicial oriunda do mesmo movimento que Brian admirava em sua juventude. As escolas enfatizavam valores de democracia e socialismo na Bela Israel, e movimentos jovens apresentavam a igualdade como a base de uma linhagem que começou com os pioneiros sionistas e que continua até hoje.

“Os palestinos não querem que você os salve. Pedindo o boicote, eles querem que você não ajude Israel a oprimi-los.”

Sabíamos que, para os palestinos vivendo sob o governo e a ocupação militar israelense, as coisas não eram tão legais assim, porém acreditávamos que os israelenses pretendiam criar um Estado compartilhado pelos dois povos. Nos anos 90, foi ficando cada vez mais difícil manter essa crença. As muitas tentativas de resolver o que agora é uma crise fracassaram uma após a outra: todas as rodadas de discussão de paz foram seguidas – ou até mesmo acompanhadas – pela construção de mais assentamentos, frequentemente em terras que eram cultivadas por palestinos há gerações.

Logo ficou claro que A Bela Israel não é tão bela assim para os palestinos e que sempre foi assim. Muitas das “utopias” kibbutz são, na verdade, colônias segregadas construídas sobre as ruínas de vilarejos palestinos que sofreram uma limpeza étnica em 1948. E a democracia social do país sempre esteve restrita aos seus cidadãos judeus: há áreas controladas pelo exército israelense nas quais os moradores palestinos não têm permissão para andar nas ruas onde vivem.

O sistema opressor é tão duro que o arcebispo sul-africano Desmond Tutu disse: “O que vi aqui [em Israel] é pior do que o que nós experimentamos: o controle absoluto da vida das pessoas, a falta de liberdade de movimento, a presença do exército em toda parte, a separação total e a destruição que vimos… Israel criou uma realidade de apartheid dentro de suas fronteiras e através de sua ocupação”.

O que acontece hoje nessa nação é uma lembrança sinistra do Oeste Selvagem norte-americano do século 19: um povo indígena, relativamente sem poder, enfrentando um grupo pesadamente armado de colonos apoiados por um exército moderno e um governo. Os nativos são expulsos de suas terras; quando resistem, são chamados de terroristas. É uma história colonial familiar: as vítimas se tornam “o problema”. Qualquer um fica consciente disso quando visita Israel e testemunha as diferenças gritantes entre a vida dos judeus e a dos palestinos no país: a desigualdade na distribuição de renda, a humilhação e o abuso diários que os palestinos sofrem.

O que Israel mais gostaria é que as pessoas do mundo não prestassem atenção nessa realidade. Sua principal estratégia é desviar a atenção do que eles estão fazendo com os palestinos e tentar se concentrar em seus empreendimentos positivos. O ministro das Relações Exteriores de Israel trabalha lado a lado com promotores de shows do país que oferecem pagamentos cada vez maiores para apresentações. O objetivo deles é estabelecer a “Marca Israel”, associada com pluralismo liberal.

Para nós, parece que artistas que tocam em solo israelense estão permitindo essa estratégia. Percebemos que nem todos os colegas músicos, incluindo pessoas que respeitamos muito, veem as coisas desse modo. Tememos que eles estejam se agarrando a uma imagem distorcida e datada de Israel. Quando pedimos que eles se juntem ao boicote e que se recusem a se apresentar no país, eles geralmente expressam suas dúvidas sobre boicotes. No entanto, a opressão sistemática e frequentemente violenta de décadas ao povo palestino nos levou a acreditar que, como na África do Sul, o boicote seja uma medida eficiente para trazer uma mudança e a libertação de um povo oprimido.

Os palestinos não querem que você os salve. Pedindo um boicote, eles querem que você não ajude Israel a oprimi-los. As pessoas não estão boicotando Israel agora porque acham que esse é o único regime racista e opressivo no mundo. Elas estão respondendo a um pedido dos palestinos – o povo oprimido por Israel na terra governada por Israel. No contexto atual, se apresentar ou não no país te obriga a escolher entre tomar o lado do opressor ou o do oprimido.

“Mesmo considerando apenas os últimos 20 anos, enquanto bandas dos EUA e do Reino Unido se apresentavam regularmente em Tel Aviv a fim de cantar para o público israelense sobre amor e diálogo, as condições só pioraram para os palestinos.”

Quando ativistas do boicote pedem a alguns artistas para cancelar seus shows em Israel, aqueles que escolhem ir adiante geralmente dizem que estão tocando pela paz e para encorajar o amor e o diálogo. A autora J. K. Rowling escreveu uma carta ao Guardian dizendo que Israel precisa de “um envolvimento cultural que crie pontes, fomente a liberdade e um movimento positivo para a mudança”. A sugestão de que fazer um show em Tel Aviv tenha algo a ver com promover uma mudança em direção a uma ordem social justa não combina com a realidade: incontáveis shows de artistas internacionais, alguns especificamente “pela paz”, acontecem todo ano em Israel. Mesmo considerando apenas os últimos 20 anos, enquanto bandas dos EUA e do Reino Unido se apresentavam regularmente em Tel Aviv a fim de cantar para o público israelense sobre amor e diálogo, as condições só pioraram para os palestinos.

Esperar que agora seja diferente é irreal – nenhum número de apresentação musical em Sun City teria desmantelado o apartheid na África do Sul. Os músicos se importam profundamente com seus fãs: ninguém quer dizer não para uma oportunidade de compartilhar sua arte e desapontá-los. Só que alguns fãs também estão apoiando o boicote a Israel. Mesmo se você acreditar que a arte, pela virtude de sua própria estética, pode trazer mudança, quanto tempo mais os palestinos vão de que esperar por isso?

Brian Eno e Ohal Grietzer. Cortesia dos autores.

Agora, um grupo de artistas – entre eles, Tunde Adebimpe, do TV on the Radio, a atriz Katleen Chalfat, de The Affair, Roger Waters, do Pink Floyd, e o artista plástico Swoon – lançou um vídeo apoiando o boicote. E ficamos felizes em dizer que um número cada vez maior de artistas do Canadá, do Reino Unido e agora dos EUA estão seguindo a tradição do Artists United Against Apartheid ao emprestarem sua visibilidade e voz para a luta contra a opressão de Israel sobre os palestinos. Em respeito aos fãs, e pelo bem dos palestinos, músicos devem se recusar a se apresentar por lá até que o país aja de acordo com a lei internacional. Eles devem se juntar a outros e continuar essa tradição orgulhosa de artistas, construindo outro elo na corrente e não se calando diante da injustiça.

Brian Eno é um músico inglês.

Ohal Grietzer é música e ativista do grupo israelense BOYCOTT! Supporting the Palestinian BDS Call from Within.

Tradução: Marina Schnoor. (indicado por Jamil Zugueib Neto)

 

 

 

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