Lendo Sun Tzu em Teerã

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15/1/2020, Alastair Crooke, Strategic Culture Foundation

O Irã não está acabado. O general Hajizadeh, Comandante da Força Aeroespacial do Corpo de Guardas da Revolução Iraniana [ing. IRGC Aerospace Force], disse em fala à imprensa ontem que o ataque “foi o início de uma grande operação”. Sublinhou também que “os ataques não tiveram o objetivo de provocar mortes: em vez disso, visamos como alvo a máquina militar do inimigo”. E o Pentágono também está dizendo que o Irã intencionalmente evitou como alvos soldados dos EUA naquelas bases. É o mesmo que o Pentágono admitir que os mísseis do Irã podem acertar alvos com extrema acuidade, mesmo a várias centenas de milhas de distância – e, mais ainda, que fizeram o que fizeram sem que as forças dos EUA tenham conseguido interceptar nenhum dos mísseis disparados contra elas. Não acertar soldados dentro de uma grande base militar não é tarefa simples – e sugere que o Irã tem mísseis capazes de atacar com precisão de 1m ou 2m – não de dez metros!

A questão é essa, não?! Aí está sugerido que os sistemas iranianos de orientação e direcionamento de mísseis são sistemas de extrema precisão. Já vimos coisa semelhante acontecer recentemente também na Arábia Saudita (Abqaiq), não?! E já nada garante, depois de Abqaiq, que os caríssimos sistemas de defesa aérea dos EUA funcionem, não?! O Corpo de Guardas da Revolução Islâmica demonstrou satisfatoriamente que eles e seus aliados podem quebrar sistemas de defesa aérea de fabricação norte-americana, usando para isso mísseis inteligentes e sistemas para guerra eletrônica fabricados no Irã.

Em resumo, todas as bases militares dos EUA em toda a região são hoje manifestações, não de força, mas da vulnerabilidade da infraestrutura norte-americana. E o mesmo vale para aqueles caríssimos porta-aviões e respectivos grupos de combate. A mensagem do Irã foi clara e muito pertinente para quem compreende (ou deseja compreender) o quadro real em campo. Para outros, menos estrategicamente lúcidos, pode talvez parecer que o Irã teria ‘errado’ e mostrado fraqueza. Na verdade, quando você demonstrou que tem capacidade para reverter o status quo militar, não há necessidade de trompas e solenidades. A própria acuidade dos mísseis é a mensagem. A mensagem é que o Irã acertou completamente o tiro contra uma ‘máquina militar’. O tiro foi muito finamente calibrado: descartou a guerra corpo a corpo. Trump deu-se por vencido (e cantou vitória).

Assim sendo, está tudo resolvido – feito e acabado? Nada de guerra? Não, longe disso. Ambos, o Supremo Líder e o general Hajizadeh disseram (oficialmente) que o ataque foi um início – ‘um começo’. Mas muitos veículos da mídia comercial dominante – no Ocidente e em Israel – fizeram de conta que não teriam ouvido qualquer novidade sobre o modo como Irã administra essa guerra assimétrica – apesar de a mensagem ter chegado até eles, alta e clara.

Guerra assimétrica não é ‘exercício com malabares’. Está mais para David x Golias. Golias pode esmagar David com um murro de punho fechado, mas David é ágil, rápido, saltita como borboleta em torno do gigante – fora do raio de alcance do braço dele. David está cheio de energia, e o gigante é pesadão, deixa-se enfurecer facilmente e logo se cansa. Então, até uma pedra lançada com precisão no olho do alvo – nem precisa ser [canhão] Howitzer] o derruba.

Prestem muita atenção à mensagem do Irã: se EUA saírem logo do Iraque, como requer o Parlamento Iraquiano e conforme o acordo assinado com o governo de Bagdá, e em seguida ‘caírem fora’ da região, a situação militar desescalará. Contudo, se os EUA insistirem em permanecer no Iraque, as forças dos EUA serão pressionadas – pressões políticas e militares – para que saiam – mas não pelo estado do Irã. As pressões virão das massas desses estados nos quais as forças norte-americanas hoje estão instaladas. Nesse ponto, pode haver soldados norte-americanos mortos (embora não por mísseis iranianos). Cabe aos EUA escolher. O Irã tem todas as melhores cartas e a iniciativa.

Os líderes iranianos foram muito explícitos: a ‘bofetada’ que foi o ataque à base Ain al-Assad não é o revide correspondente ao assassinato premeditado do general Soleimani. Aí se vê a campanha amorfa, quase política, quase militar, de uma guerra assimétrica contra a presença dos EUA no Oriente Médio – como adequada homenagem à memória do general Soleimani.

É David saltitando como borboleta em torno de Golias. O assassinato de Soleimani energizou e mobilizou milhões num renovado fervor de resistência (e, vale anotar, não só os xiitas). A violência contra a soberania do Iraque, manifesta na resposta do presidente Trump à decisão do Parlamento iraquiano (que exige que forças estrangeiras deixem o Iraque), criou um novo paradigma político que nem o mais pró-EUA dos iraquianos consegue ignorar facilmente.

E – importante – o movimento pró saída do Iraque, de forças estrangeiras invasoras e ocupantes – nada tem de movimento sectário.

Israel, depois das autocongratulações iniciais (por alguns Netanyahuistas), compreendeu que o Irã ‘escalou’, não ‘desescalou’. Ben Caspit, veterano correspondente israelense para assuntos de segurança, escreve:


“A 
carta do Gen. William H. Sili, comandante das operações militares dos EUA no Iraque, foi vazada e logo rapidamente disseminada entre as mais altas figuras da segurança de Israel, dia 6 de janeiro (…) O conteúdo da carta – que os norte-americanos preparavam-se para imediata retirada do Iraque — acionou todos os sistemas de alarme em todo o Ministério da Defesa em Telavive. Mais que isso, a publicação tratava de pôr em pauta um “cenário de pesadelo” para Israel, no qual, ainda antes das próximas eleições nos EUA, o presidente Donald Trump evacuaria rapidamente todas as forças norte-americanas, do Iraque e da Síria.

“Simultaneamente, o Irã anunciou que cancelava imediatamente seus vários compromissos relacionados ao acordo nuclear com as superpotências, e retomava o enriquecimento de urânio a altos níveis sem limites na quantidade; e que reiniciava em movimento acelerado o processo para alcançar capacidade militar nuclear.

‘Nessas circunstâncias’ – disse [a Caspit] uma fonte nos mais altos escalões da defesa israelense: ‘Realmente estamos sós, nesse período tão crítico. Não há cenário pior que esse, para a segurança nacional de Israel (…) Não se sabe com certeza quando essa carta foi escrita, não se sabe com certeza por que teria sido vazada, não se sabe com certeza sequer, para começar, nem se essa carta foi escrita. De modo geral, nada é claro quando se trata da conduta dos EUA no Oriente Médio. Os israelenses acordamos todas as manhãs para novas incertezas.’”

O impeachment do presidente dos EUA proposto pela Câmara de Representantes, deixou Trump muito vulnerável aos sionistas evangélicos ativos no Senado dos EUA, de cujos votos Trump depende para conseguir permanecer no governo, quando o processo de impeachment chegar ao Senado. E a um processo no qual Trump tem de impedir que Democratas aliem-se a Republicanos rebeldes no esforço para alcançar maioria de dois terços necessária para aprovar o impedimento do presidente. A alavanca do impeachment foi usada várias vezes para forçar Trump a agir no Oriente Médio de modo frontalmente oposto aos seus interesses eleitorais. – E tudo continua a depender de os mercados continuarem a subir; e das conversações para um acordo comercial com a China.

Trump precisa agora, mais do que de qualquer outra coisa (em termos eleitorais), de uma desescalada na luta contra o Irã – desescalada que reduza a pressão política que lhe fazem os grupos evangélicos e neoconservadores, e permita que Trump jogue a carta dos mercados inflados.

Mas isso é, precisamente o que Trump não obterá.

Os esforços de Trump para conter a resposta iraniana ao assassinato de Soleimani foram rejeitados sem meias palavras por Teerã. As cartas não foram sequer abertas; e estão proibidas quaisquer referências a elas, pelos mediadores. Não há espaço para conversa, a menos que Trump levante todas as sanções e os EUA voltem a se comprometer com o Acordo Nuclear [ing. JCPOA] – o que jamais acontecerá. Agora haverá pressão imensa, pelos lobbies israelenses, para que os EUA permaneçam no Iraque e na Síria (pace comentários que Caspit cita). E o espectro da ‘vingança’ de Soleimani assombrará por meses, se não ainda por anos e anos, as forças dos EUA na região.

O Irã – inteligentemente – trocou um conflito militar direto estado-contra-estado, por guerra mais sutil e mais danosa aos EUA, contra a presença norte-americana no Oriente Médio – guerra a qual, se for bem-sucedida, reformatará a região.

Não, ainda não acabou. O conflito ainda escalará (mas pela via assimétrica). Trump permanecerá prisioneiro, esmagado sob o vício dos senadores bandidos.

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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