Era da Informação, caríssimas TIs e IAs… e presidentes, jornalistas, ministros e massas ignorantes?!

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Ver a imagem de origem3/12/2020, Wayne Madsen, Strategic Culture Foundation

É impossível compreender, é pior que contraintuitivo, que, na ‘Era da Informação’, as massas sejam mais ignorantes dos fatos da vida e do mundo – ou, pelo menos, que ignorem mais dos fatos da própria vida e do próprio mundo real circundante! –, do que em qualquer outro momento do passado. Pouca diferença faz que smartphones (telefones autodeclarados inteligentes!) ofereçam informação confiável (claro que ‘informação confiável’ não significa ‘informação necessária’, ou ‘informação oportuna’) na ponta dos dedos. Cada dia mais, as pessoas supostas mais bem informadas do planeta vivem de repetir frases feitas do pensamento por luditas, trabalhadores ingleses do século 19 que militavam contra a tecnologia (não propriamente “a tecnologia”: apenas contra máquinas de tecer que geravam desemprego massivo).

Tradicionalmente, a aversão a fatos claramente demonstráveis e demonstrados é endêmica, na direita universal. Mas, mesmo em certos grupamentos da esquerda, principalmente entre neo-Trotskyistas e anarquistas organizados (?!), há crescente oposição às medidas de restrição social, recomendadas por órgãos da saúde pública, como medida que preveniria o contágio pelo vírus Covid-19 pandêmico em todo o mundo.

A rejeição à vacina, ao distanciamento social, ao uso de equipamento para proteção pessoal, medidas sanitárias já bem conhecidas (lavar as mãos, p. ex.), e outras medidas recomendadas para proteger o público contra o vírus Covid-19 era inimaginável em pandemias passadas, incluindo a influenza de 1918, o surto da SARS de 2002-2004 e o vírus de 2009, H1N1 (“febre suína”) também pandêmico.

Diferente da influenza de 1918 e do Covid-19, o surto de SARS foi contido enquanto ainda era precisamente isso, um “surto”; e não chegou ao estágio de pandemia. Reação rápida dos governos e da Organização Mundial da Saúde garantiram que o número de mortes causadas pelo vírus H1N1, que surgiu no México, não ultrapassasse 12.500, em todo o mundo.

É realmente muito intrigante que, de 1918 a 1919, pessoas em todo o mundo, e só contando com jornais impressos como principal fonte de informações, fossem tão mais bem preparados para ouvir recomendações de médicos, enfermeiros, da Cruz Vermelha e de funcionários dos serviços públicos de saúde, do que são hoje, com noticiários via satélite que operam 24 horas/dia; com Internet e cada um com seus telefones e relógios de pulso ‘inteligentes’.

Em 1918 e 1919, os norte-americanos, habituados já a seguir as orientações do governo durante a 1ª Guerra Mundial, não tiveram crises de indignação rebelde nem se tenham engajado em protestos de massa, quando o Cirurgião-geral dos EUA, Dr. Rupert Blue, que esteve no cargo de 1912 até 1920, ordenou quarentenas para deter a disseminação do vírus influenza 1918. O Dr. Blue, que fora presidente da Associação Médica Norte-americana, cooperou com a Cruz Vermelha Norte-americana e com comissões estaduais de saúde pública, para enfrentar, todas essas organizações coordenadamente, a pandemia global de 1918-19 global.

“Se 75-80% dos norte-americanos forem vacinados, ao final de 2021 podemos alcançar alguma normalidade” –, disse Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas”
(10/12/2020, Harvard Gazzette)

Nenhuma autoridade considerada séria ou importante questionou os motivos do Dr. Blue, da Cruz Vermelha ou das autoridades estaduais de saúde pública nem as declarou teóricos de conspirações e líderes de gangues armadas de direita ou de esquerda, como gangues de direita e esquerda já fizeram contra o Dr. Anthony Fauci, durante a pandemia do Covid-19; contra o Dr. Robert Redfield, diretor dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças; e vários governadores de estados, prefeitos e respectivas autoridades locais de saúde pública.

Em 1918, depois das cidades de San Francisco, Seattle, Oakland, Sacramento, Denver, Indianapolis e Pasadena, o estado da Califórnia impôs uso obrigatório de máscaras. E só alguns poucos doidos absolutos, inclusive membros de uma pequena “Liga anti-máscaras”, opuseram-se às leis. As máscaras de então eram feitas de gaze e ‘pano de saco’, mas mesmo assim eram melhores que nada. Isso posto, a maioria aceitou as máscaras. O público também passou a ‘fiscalizar’ espirros, tosses e cusparadas em espaços públicos.

Os cidadãos médios em 1918 e 1919 mostrou ter muito melhor senso comum, do que os netos e bisnetos deles têm hoje. Em muitas cidades, as pessoas esperavam em filas, para receber máscaras gratuitas em centros de distribuição. Com os mortos da “Grande Influenza” entre 50 e 100 milhões de pessoas, os homens e mulheres de 1918 não tiveram de ser coagidos a aceitar a verdade sobre a ameaça com a qual estavam tendo de lidar. As pessoas tinham de armazenar cadáveres das vítimas do vírus em armários, porões ou empilhá-los junto à cerca das casas, até serem recolhidos para serem sepultados em grandes covas comuns. Procuravam-se voluntários para cavar sepulturas. Professores desempregados porque as escolas foram fechadas, apresentavam-se como enfermeiros voluntários.

O governo alistava trabalhadores da Cruz Vermelha e voluntários, para obrigá-los a fazer máscaras. Violadores das leis de uso obrigatório de máscaras em San Francisco eram multados em até $10 por dia, ou condenados a dez dias de prisão. A maior parte das igrejas cancelou os respectivos cultos e cerimônias, sem que qualquer governo ou autoridades locais tivessem de pressioná-las.

Os que faziam oposição a serviços públicos de saúde que combatiam a influenza e idiotas de aldeia em geral em 1918 e 1919 foram postos em ostracismo e furiosamente enfrentados pelo presidente Woodrow Wilson, Dr. Blue, por governadores de estado e por todos e quaisquer representantes ou senadores que aspirassem a conservar seus postos.

A ‘discussão’ a que se assiste hoje sobre a obrigatoriedade ou não de medidas para prevenir o contágio por Covid, incluídas as vacinas, a que se assiste hoje na TV e no rádio, com participação ativa também de autoridades públicas, teria causado espanto a políticos e jornalistas da era pós 1ª Guerra Mundial.

Em 1918, quando outros presidentes exigiam que jogos de futebol fossem cancelados, para conter a disseminação da gripe, o presidente não reagiu como criança mimada, como fez Donald Trump, que ‘protestou’ contra cancelamento de jogos.

Diferentes dos profissionais médicos que hoje se dedicam a discursar contra o uso de máscaras – o senador Republicano Rand Paul do Kentucky, oftalmologista, e seu pai Ron Paul, ex-candidato à presidência, ginecologista e secretário de saúde em Salt Lake City, Dr. Samuel G. Paul, ensinavam que o uso de máscaras faciais era “a medida preventiva mais segura que se pode adotar contra a infecção.”

Em 1918, o Dr. Paul de Salt Lake City sabia mais e melhor sobre doenças infecciosas que seu próprio filho hoje! Comentário bem triste sobre o que hoje se faz passar por discurso científico e bem informado, no Partido de Trump.

Hoje, divulgadores irresponsáveis de informação para a opinião pública sugeriram que a infecção por Covid-19 seria causada por redes 5G, por um laboratório chinês de guerra biológica, por Bill Gates, fundador da Microsoft, em colusão com George Soros, e por colheitas geneticamente modificadas. Comparem-se essas imbecilidades noticiadas e ‘repercutidas’ nos veículos do século 21, e a matéria bem informada que o jornal Salt Lake Telegram publicou dia 13/7/1918 sobre a origem da gripe:

“Epidemia de Influenza ameaça o mundo
Londres, 13/7. O mundo estará diante de outra epidemia internacional de influenza, conhecida nos EUA como ‘a gripe’? A terrível doença apareceu como epidemia na Espanha, há poucos meses. Até o Rei Alfonso adoeceu. Praticamente não há cidade ou vila na Espanha que tenha escapado sem vítimas.

Dali passou para a Alemanha e o exército alemão foi infectado. A epidemia disseminou-se tão rapidamente nesse país, que se atribui a ela o atraso do reinício da ação alemã no front ocidental.

Agora a influenza chegou à Inglaterra e todos os condados estão sendo atingidos. A epidemia já chegou ao interior do país, as escolas foram fechadas para impedir maior contágio e muitas minas e fábricas estão ameaçadas de fechar.

Tudo faz crer que a epidemia rapidamente assumirá proporções de pandemia – como se viu na Espanha e na Alemanha. A doença chegará aos EUA e paralisará também a indústria bélica por lá?

A prevalência atual da doença é a mais ampla desde a epidemia mundial de 1889, que afetou todos os países do planeta. Houve epidemias recorrentes em 1893, 1894 e 1895, mas foram consideradas epidemias que ainda persistiam de anos anteriores.

A praga da gripe parece disseminar-se de modo assistemático. Salta de um país para outro, sobre mares e montanhas. Foi o que se viu também em 1889. A epidemia que vemos hoje saltou sobre França e o canal da Mancha, para a Inglaterra.

Claro, sempre há mais ou menos doentes nos EUA, inverno e verão. Mas médicos ingleses têm alertado seus irmãos norte-americanos, para que se preparem para verdadeira epidemia.

Influenza é extremamente contagiosa e causada por um micróbio que os cientistas conhecem como ‘bacilo de Pfeiffer.’ O fato de ter nome alemão não prova que o surto que o mundo enfrenta atualmente tenha algo a ver com complô alemão para fazer adoecer toda a população mundial. Afinal, a Alemanha foi das primeiras nações atacadas.

Todos conhecem – infelizmente – os sintomas da doença, e é importante que, se a doença se manifestar, procure-se um médico, que prescreverá doses certas de quinino, logo aos primeiros sintomas.”

Mesmo em 1918, quando a propaganda anti-Alemanha estava no auge nos EUA, os jornais cuidavam de alertar os norte-americanos para que não se deixassem enganar por teorias conspiratórias segundo as quais a gripe influenza seria algum tipo de ataque por arma biológica alemã, apenas porque se falava de ‘bacilo de Pfeiffer’.

E, embora a influenza 1918 tenha sido erroneamente chamada de “gripe espanhola”, muitos sabiam que recebera o nome em jornais da Espanha não beligerante – a qual, assim, não estava sob a mesma censura que havia na França, Alemanha e Grã-Bretanha – onde se viram os primeiros casos.

Alguns jornais noticiaram, muito acuradamente, que a Espanha não era local de origem do bacilo da influenza, mas que também o recebera de outra nação.

O Dr. William R. Brown, médico da cidade de Ogden, Utah, rapidamente informou que, embora fosse chamada de “Gripe Espanhola”, nada levava a crer que a epidemia tivesse origem na Espanha.” As recomendações do Dr. Brown assemelhavam-se às que se ouvem hoje das autoridades de saúde pública: “Lavem as mãos com frequência. Evitem locais de grande aglomeração de pessoas. Mantenham as janelas abertas, para que o ar circule nas salas e quartos.”

Comparem essa reação, e as ideias completamente destrambelhadas que se ouvem hoje, inclusive as disseminadas por Trump e por Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, e outros políticos ativistas da extrema direita – todos mancomunados com veículos da imprensa conservadora – segundo os quais o Covid-19 teria sido desenvolvido em segredo por cientistas chineses, como arma biológica. O vírus até já foi chamado de “vírus da China” e a doença, “gripe Wuhan”, além de outros nomes, ainda mais racistas.

É vergonhoso que homens e mulheres em 1918 tenham sido tão mais responsáveis ao enfrentar aquela pandemia – mesmo contando com fontes tão limitadas de informação –, do que autoridades de alto escalão – além de médicos e ministros e ‘especialistas’ contemporâneos, armados com a gigantesca parafernália ‘informacional’ que há hoje!

Traduzido pelo coletivo Vila Mandinga

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