Coronavírus: EUA em guerra até no front (epa!) do papel higiênico!

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19/3/2020, John Helmer, Dances with Bears, Moscou

Corrida ao papel higiênico… ‘por causa’ do vírus… em Málaga; no Japão; na Inglaterra; na Polônia
E até Pelosi foi vista usando brincos (meme) de papel higiênico :-))))
No Brasil, psicanálise diz-que explica, mas… Explica?!
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O papel higiênico russo é segredo nacional – não segredo de Estado, mas segredo comercial.

Isso, porque produção, vendas e lucros cresceram depressa – e aconteceu ao longo dos últimos cinco anos e antes do atual pânico com corrida ao papel higiênico.

Há muito segredo muito ativo também, porque as maiores empresas estrangeiras têm interesse em manter a fatia do leão no boom do mercado russo, comprando a parte dos concorrentes ou comprando ações de mercado de empresas russas suas concorrentes no mercado de papel higiênico. As empresas russas, por sua vez, querem expulsar os estrangeiros, consolidando maiorias acionárias entre elas mesmas e mediante lobbying a favor de o governo intervir a favor delas. Analistas de mercado ocidentais chamam de “consolidar ativos” e “participação de mercado”. Na Rússia acontece de ser chamado “assalto a ativos” [ing. asset raiding]. É quando uma empresa produtora de papel higiênico compra o controle de uma concorrente, pagando pelas ações preço mais baixo que o real valor de mercado.

Nesse bumbum, no assento, no trono, nesse momento, estão Essity, uma unidade da SCA, o grupo sueco que produz papel e polpa de celulose, que é atualmente líder no mercado russo  com 1/3 do mercado; Hayat Kimya, grupo turco que tenta expandir a partir da base no Tatarstão; e Kimberly-Clark, fabricante do Kleenex norte-americano, que está perdendo mercado para as marcas russas. SCA e Kimberly-Clark são empresas de capital aberto, com ações na bolsa e deveres de publicização de dados financeiros. A holding Hayat é empresa privada. Seus negócios russos são tão secretos quanto os de qualquer outra empresa. Tudo somando, os russos produzem pouco mais da metade de todo o papel higiênico vendido no mercado; suecos, turcos e norte-americanos, pouco abaixo da metade. Essa proporção está perto de mudar.

As cinco marcas líderes de papel higiênico na Rússia são regularmente pesquisadas e noticiadas pelo Euromonitor International, grupo que acompanha o mercado internacional. O mais recente relatório de EI, Tissue and Hygiene in Russia [Papel e Higiene na Rússia] foi publicado em março de 2019. Se quiser uma cópia, clique aqui. A tabela abaixo inclui os mais recentes dados para 2019.

Imagem (clique para ampliar) Cinco principais marcas russas de papel higiênico, proprietários e fatia do mercado, 2015-2019

Duas dessas marcas, Zewa e Linia Veiro (nomes que aparecem, em inglês, no pacote do produto), são nomes de fantasia. Surpreendentemente, parece que os produtores não perceberam; e os consumidores não reconheceram. Em russo, Zewa vem de zev (зев em caracteres cirílicos), que significa buraco. Não o mesmo para o qual o papel higiênico é previsto, mas o buraco pelo qual a comida tem de passar entre a boca e o estômago – a faringe. Para os russos, Linia Veiro meio que significa coisa alguma; linia (линия) significa “uma linha”, mas veiro não é palavra russa. É português, derivado do latim. Significa “pintado”, ou “com sardas”; em cavalos, significa “malhado”.

Papel higiênico é feito, principalmente, de celulose, subproduto da conversão da madeira em papel e polpa. Maiores vendas de papel higiênicos exigem maior fornecimento de celulose. Maiores margens de lucro de papel higiênico exigem que o produtor do papel higiênico tenha suas próprias fontes de celulose ou que produza a própria celulose.

Quando abriu sua nova unidade de conversão de celulose e fabricação de papel higiênico em Alabuga, Tatarstão, em dezembro de 2019, disse Hayat Kimya que teria feito investimento de $225 milhões, e que dobrara sua capacidade de produção, de 70 mil toneladas/ano, para 140 mil toneladas. Disse que seria a “maior produtora na Rússia, de celulose para papel higiênico, com 17% do mercado. Também declarou o objetivo de “se tornar a maior empresa produtora de papel na Rússia”.

Imagem: Nova fábrica da Hayat no Tatarstão, com gerentes turcos e russos ao lado de uma delegação de visitantes de Ancara liderada pelo ministro da Indústria e Comércio da Turquia, Mustafa Varank, dezembro de 2019.

A fatia turca do mercado está exagerada; a ambição de expandi-la depende, não só de a demanda continuar a subir entre consumidores russos, mas também da concorrência. Os rivais russos com melhores chances de sucesso são os que combinam unidades produtoras de celulose e unidades produtoras de papel.

Imagem: Cinco maiores produtores de celulosa na Rússia, dezembro 2019

No que tenha a ver com competir por fatias de mercado, três bem conhecidos oligarcas estão mais bem posicionados para limpar o terreiro, pelo menos na escalada no mercado de celulose. São Zakhar Smushkin, Oleg Deripaska e Mikhail Fridman. Smushkin derrotou Deripaska na luta pelo controle do grupo Ilim Pulp anos atrás, e por enquanto nenhum desses nem outros oligarcas no business de madeira e papel e polpa, como Alexei Mordashov e Roman Abramovich, tentaram descer descarga abaixo como papel higiênico. Se a margem de lucro nessa ponta continua alta, se o preço do papel higiênico subir, e se a demanda continuar a crescer, certamente tentarão.

Queda na renda dos consumidores, menos dinheiro para gastar no supermercado e prognóstico negativo são, por hora, fatores de contenção.

A mais recente pesquisa de Euromonitor sobre compra online de papel higiênico indica que os preços estavam em queda entre meados de fevereiro e março.

Imagem: Queda dos preços para vendas online das cinco principais marcas de papel higiênico, de 16/2 a 17/3/2020

A corrida ao papel higiênico, o pânico do papel higiênico, que começou na Austrália e disseminou-se para o norte, demorou a chegar à Rússia, mas afinal chegou, pelo menos para as cinco principais marcas e mais especialmente no setor de varejo online do mercado.

Até agora, a aceleração nas vendas de papel higiênico russo em relação aos cinco últimos anos reflete o nível relativamente baixo de consumo passado; a baixa qualidade da era soviética; o papel higiênico de folha simples que costumava encher o mercado; e a melhoria de renda de muitos russos. O consumo per capita de papel higiênico pelos russos, somado às toalhas de papel, lenços de papel e lenços umedecidos, foi de 3,8 kg, em 2017. Bem abaixo da média global.

Imagem: Consumo per capita de papel higiênico, por região do mundo, 2018 (kg por pessoa). Para avaliação do consumo de papel higiênico por pessoa, veja aqui.

O consumo russo era também inferior ao de chineses e mexicanos. O número pode estar errado. Não implica dizer que os russos limpem menos o traseiro que o resto do mundo. A média russa inclui muito maior quantidade de papel higiênico que outros países, cujo números de consumo estão inflados por maiores quantidades das demais categorias de papel. Papel higiênico corresponde a 70% do número russo; na Europa ocidental, a 55%.

Os russos estão-se recuperando. Como Sergei Moiseev registra numa análise de mercado em meados de 2018, “em anos recentes a Rússia conheceu várias crises econômicas graves, cada uma das quais levou a perdas de negócios numa variedade de indústrias. Mas só os fabricantes de papel higiênicos sentem-se sempre igualmente confiantes: na Rússia, esse segmente cresce 6% ao ano, em quaisquer condições. Mercado sempre crescente, vários grandes players, e nenhum líder visível – eis o mercado para produtos de papel higiênico na Rússia.”

O mercado também se transformou graças à melhor qualidade da limpada. Quando a renda dos consumidores russos recuperou-se da crise de 2008-2009, mais dinheiro significou menor demanda para o papel higiênico de qualidade soviética, de folha simples. Ao final de 2016, o produto de folha dupla já alcançava 61% do total da oferta; papel higiênico de folha tripla crescera para 24%; de folha única desabara para 12%, depois de ter sido de 60% em 2011. Houve também um pequeno crescimento, mas sempre crescente, na demanda do papel higiênico de folha quádrupla. Zewa o considerava seu modelo “Deluxe”. Mas desde 2016, o rótulo “Deluxe” só aparece em pacotes de rolos de papel higiênico de folha tripla.

Com florestas enormes e volumes monstro de madeira, a capacidade da Rússia para produzir mais celulose e, portanto, mais papel higiênico, é considerável.

Imagem: Capacidade para produzir papel higiênico, líderes globais, Rússia atrasada, em 10º lugar – 2017 [ATENÇÃO: Brasil em 3º lugar!]

Com o acréscimo dos novos volumes de Hayat em dezembro passado e novas fábricas em desenvolvimento, a Rússia pode em breve superar o Canadá e ameaçar a France.

Em termos de valor das vendas de papel higiênico, o fator número de traseiros é que gera o maior aumento de renda para a China, com vendas anuais para 2019-2020 estimadas em $16,6 bilhões. Diferenças culturais e hábitos de higiene elevam as vendas nos EUA para $13,3 bilhões, bem à frente da Índia, com $8 bilhões. O Brasil vem a seguir, com quase $3,1 bilhões; antes do Japão, com $2,9 bilhões. O número mais recente de vendas de papel higiênico na Rússia pode ser calculado a partir do preço médio de venda por rolo multiplicado pela produção anual de rolos estimada pela agência estatal de estatísticas Rossat. Para esse ano, as vendas chegarão a cerca de Rb100 bilhões; ao câmbio do ano passado, cerca de $2 bilhões.

Quem lucrará?

As três produtoras estrangeiras – Essity (Suécia), Hayat (Turquia), Kimberly-Clark (EUA) – evitam atentamente fornecer detalhes dos negócios que mantêm na Rússia, nos seus relatórios do mercado de ações ou se perguntadas diretamente. Como grupo de operações por todo o planeta, Essity-SCA é altamente lucrativa. O excerto de relatório abaixo mostra que o segmento de papel higiênico e lenços de papel do grupo mostra taxa mais rápida de crescimento dos lucros, e gera proporção cada vez maior no resultado final dos lucros do grupo, que outras linhas de produto.

Imagem: ESSITY-SCA Annual Report, lucratividade do papel higiênico 2018-2019

Mas Essity mantém silêncio pétreo sobre seus negócios de papel higiênico russo, apesar do fato, sabido, de que, com 32% do mercado, ano passado, é a empresa líder de produção no mercado.

Hayat não emite relatórios financeiros, e suas referências ao mercado russo são promocionais.

O relatório financeiro anual de Kimberly-Clark não discute o mercado russo; mas o mais recente relatório reconheceu, sim, que Kimberly-Clark está perdendo terreno. “Em papeis higiênicos para uso doméstico (“consumer tissue”): Vendas líquidas em mercados em desenvolvimento e emergentes caíram 7%, com taxas desfavoráveis de câmbio que reduziram vendas em cerca de 7%.”

O porta-voz de Kimberly-Clark recusa-se a responder perguntas diretas sobre os negócios da empresa na Rússia, sob o pretexto de que sua empresa não “partilha diretamente” a repórteres, embora o faça com “algumas agências confiáveis de dados mercadológicos”. Consultada, Kimberly-Clark recomendou que se procurasse a agência AC Nielsen, mas o escritório de Nielsen em Moscou recusou-se a responder perguntas.

O relatório de Euromonitor preenche parte do buraco. Analistas de Euromonitor também explicam que no mercado russo as posições de Essity e Kimberly-Clark estão “constantemente pressionadas por fabricantes locais, especialmente em categorias importantes, como papel higiênico. Papel higiênico é artigo de mais alta necessidade, com forte história de consumo na Rússia. A distribuição de papeis higiênicos em geral na Rússia continuou na direção de se consolidar em 2018, sem grandes mudanças ao logo do período analisado [2018] ou antecipado para o período seguinte [2019]. Com o consumo local encolhendo, pequenos varejistas e até as grandes cadeias atacadistas são forçada a lutar pela sobrevivência e por cada consumidor sensível aos melhores preços… Os fatores negativos que afetam papeis higiênicos em geral durante o período examinado devem persistir no próximo período. A renda real dos consumidores, uma das principais pré-condições para desenvolvimento do consumo local, deve entrar em dinâmica baixa, no período previsto.”

Produtores russos de papel higiênico também mantêm-se em silêncio. Os porta-vozes recusam-se a responder perguntas diretas. Mas distribuem resultados financeiros globais. SYAS Paper & Pulp da região de Leningrado, com 9% do mercado, lidera os produtores domésticos. Produz duas marcas [Imagem: Marcas SYAS. Websites: Znak e Kleo] bem conhecidas, com vendas e lucros em crescimento sustentado [Imagem: Resultados financeiros SYAS, 2011-2018].


SYAS não é das mais lucrativas empresas russas. Syktyvkar de Karelia anunciou lucro anual de Rb2,3 bilhões em 2018, cinco vezes maior que o lucro de SYAS. Naberezhnye Chelny do Tatarstão diz que seu lucro, no mesmo ano, foi de Rb1,3 bilhão; não há disponíveis números de vendas. Arkhangelsk Pulp & Paper (Arkhbum) é produtora líder de celulose, mas nada informa sobre sua produção de papel higiênico.

Segundo esse relatório do site LesOnline.ru da indústria madeireira, no início de 2018 oito empresas russas informaram controlar 60% do mercado de papel higiênico; Essity controlaria apenas 20%. Não é informação que se confirme nos relatórios de Euromonitor. Outra fonte da indústria russa informa que em abril de 2018, Essity detinha 14% do mercado; SYAS, 12%; Naberezhnye Chelny, 10%; e Arkhbum, 11%.

Sergei Moisiev de Forbes Russia observou em meados de 2018 que o mercado é “plataforma quase ideal para consolidação futura. Como em 2017, os cinco principais players ocupam coletivamente apenas pouco mais de 50% do mercado. Graças a Arkhbum, o número de empresas top passará para seis em 2021. Levando em conta o excesso da oferta potencial, as únicas opções para consolidação com chance de desenvolvimento sustentável e de longo prazo no futuro são três ou quatro (espécie de players supergrandes).”

Moisiev sugeriu que haja dois cenários para o futuro. Pelo primeiro cenário ou Exxity ou Hayat ou produtores russos como SYAS ou Syktyvkar assumem o controle do mercado. Pelo segundo cenário, haveria uma combinação de vários produtores russos e um esforço concertado entre eles para deslocar do mercado Essity, Hayat ou Kimberly-Clark.

“As novas empresas supergrandes terão também ocasião para pressionar as políticas comercias das cadeias varejista e fornecedores de matérias primas, com vistas a, eventualmente, conseguir maiores privilégios financeiros para elas mesmas” – Moiseev acrescentou.

Eis a guerra que se trava nesse momento no front do papel higiênico. Por isso nem produtores russos nem norte-americanos nem outros aceitará conversar sobre os próprios negócios.

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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