Stephen Karganovic: The city in the hill[1] mergulha na escuridão

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10/1/2021, Stephen Karganovic, Strategic Culture Foundation

A generosa concessão que Edward Bernays, elitista manipulador de mentes, fez ao homem comum (“As pessoas são competentes para fazer as escolhas que lhes apresentamos”) apareceu dramaticamente manifesta durante a recente temporada eleitoral nos EUA. A multidão agarrou-se às miseráveis escolhas que via, e agarrou-se com voracidade. A distinção entre teatro e vida real passou completamente despercebida para a maioria. Converteram-se em atores apaixonados de um roteiro de autodestruição coreografado minuto a minuto por forças não vistas, para finalidades das quais alguns suspeitavam, mas que ninguém compreendeu completamente.

Estudiosos das demolições controladas da URSS e da Iugoslávia podem também ter visto o plano subjacente, mas como “um reflexo obscuro, como num espelho” (1 Cor. 13:12), mais ou menos como todo mundo, mas pelo menos terão chamado a atenção de alguns. Ruídos de desintegração iminente, ainda que nos estágios iniciais, foram audíveis para ouvidos mais atentos naquele momento, e são inegavelmente perceptíveis hoje.

A primeira e mais marcante impressão que se tem, ao ver os EUA repentinamente mergulhados em agonia e desordem, é a mais doída incredulidade: “o mais forte tombou” ou “tombaram os poderosos” (Samuel 1:19 ou 1:27, como o leitor prefira, pois ambos os textos são perfeitos). A magnitude do desastre nos ultrapassa, literalmente e metaforicamente. Mas é metaforicamente, que mais impressiona.

Uma comunidade antes dinâmica e ágil, como numa encenação cômica diabólica, é confiada a um ancião trôpego e senil, cujo estado de decrepitude corresponde exatamente ao evanescer da entidade antes impressionantemente poderosa que agora cabe ao ancião trêmulo governar nominalmente.

Mas, passando das generalidades amplas aos particulares banais, é duvidoso que, depois desses ultrajes, os EUA ainda sejam capazes de se autorrepresentarem para o mundo exterior, como exemplo altivo da Bíblica “cidade na colina.” Muito mais importante que isso, contudo, é que o consenso interno que manteve coesos os EUA como “uma nação abaixo de Deus” (para usar mais uma alusão bíblica) está hoje irremediavelmente quebrado. A nação ferozmente doutrinada que por dois séculos deu-se por satisfeita com pouco, nos termos de Bernays, ao se contentar com as escolhas que lhe foram dadas, finalmente se deu plenamente conta do escândalo sistêmico daquele arranjo cínico, e não mais se sente confortável com o mesmo pouco. Ainda nem todos os norte-americanos, mas uma boa metade, sim, com certeza, o que não é pouco.

A eloquente preferência eleitoral dos norte-americanos pelo candidato presidencial ‘perdedor’, inobstante a economia arruinada e a tragédia sem paralelo na saúde pública, é sinal bem claro. Dado que, como dizem todos os especialistas, os norte-americanos sempre votam “com o bolso”, o comportamento eleitoral dos norte-americanos em 2020 muda tudo, no quadro vigente. Se a elite governante adestrada por Bernays quiser agora fingir que não vê a novidade, que o faça por sua conta e risco. No curto prazo, depois de 20 de janeiro, a evisceração total da Segunda Emenda [que assegura o direito a ter e portar armas] será, tenho certeza, a resposta de emergência do governo Biden; mas ainda temos de esperar para saber se bastará isso para restaurar a obediência.

Mas ainda mais fundamentalmente, além de mera insatisfação, e apesar do maior blecaute coordenado de notícias jamais visto nos EUA, as massas infelizes, alguns por intuição e alguns por experiência, mediante fontes alternativas ainda não amordaçadas, conseguiram perceber a magnitude chocante do golpe que lhes foi aplicado.

Um dos principais pilares do consenso arquitetado, sobre o qual a ordem pública e a estabilidade social dos EUA e da Europa repousaram durante décadas, sempre foi a crença ingênua de que o sistema teria, sim, uma essência democrática. Em movimento tresloucado, esse pilar foi derrubado dia 3 de novembro. E foi derrubado precisamente pelos que teriam de ser os mais interessados em mantê-lo intacto. O cisma assim engendrado terá, com absoluta certeza, consequências ainda incalculáveis.

Mas a incursão sacrílega da massa nos sacrossantos salões do Congresso absolutamente não foi uma daquelas consequências, por mais que a encenação tenha sido tão cuidadosamente preparada para enganar todos, todo o tempo. Não passou de operação clássica de “falsa bandeira”, adaptação para Washington do manual da revolução colorida padrão, aplicada com sucesso notável em vários pontos do mundo, em várias situações de ‘mudança de regime’.

O regime incansavelmente atacado e gravemente desmoralizado, chefiado por um analfabeto político cujo entendimento e cujos recursos não vão além da prevaricação rotineira que se exige de um vendedor de imóveis em New York, foi aparentemente enganado, e teve suas hostes também invadidas e infiltradas, exatamente como seus homólogos do Terceiro Mundo.

Violentas tropas de choque Antifa, agora a elite dos Camisas Marrons, foram levadas para Washington em vans brancas, sob escolta policial. Guardas da segurança da Colina do Capitólio facilitaram a invasão do Congresso removendo barricadas e encaminhando os invasores para dentro do prédio. Coreógrafos sequer esqueceram de produzir a indispensável vítima sacrificial. De um ponto de vista operacional, Gene Sharp teria apreciado, embora seja pouco provável que, naquele tempo, a aplicação doméstica de sua tecnologia tenha sido sequer cogitada.

A expectativa de milhões de norte-americanos de todos os partidos e fés políticas e de todos os caminhos e descaminhos da vida, de que, depois de repetidas contestações judiciais rejeitadas por razões processuais frágeis, no dia 6 de Janeiro o Congresso afinal exerceria a autoridade a ele garantida pela Constituição, para ordenar revisão minuciosa quanto ao mérito das questões litigiosas, morreu no nascedouro. A autoridade governamental que tinha autoridade legal para agir – o vice-presidente Mike Pence – não agiu.

Pence praticamente reproduziu o comportamento, em 1992, do membro da presidência da Iugoslávia Bogić Bogićević. No momento mais crítico, que levaria diretamente ao esfacelamento da Iugoslávia, Bogićević recusou-se a aprovar soluções propostas que poderiam ter desanuviado a crise. Com o que não fez, garantiu que aquelas medidas não fossem adotadas e demarcou o terreno para o colapso do país e o banho de sangue que logo vieram.

O fato curioso de que, no fim, figuras do establishment, dos dois partidos e de todas as maiores instituições formais e informais da governança dos EUA estivessem alinhados na mesma página, certificando a legalidade de um resultado eleitoral absolutamente implausível, é talvez a prova conclusiva da veracidade da explicação dada pelo advogado Lin Wood – que soaria chocante sem essa prova – de como funciona o sistema.[2]

Personalizar [“Fulanizar”] as questões que subjazem a essa crise, como muitos fora dos EUA estão tendendo a fazer, é erro grave. Os dois principais personagens ‘públicos’ não passam de espantalhos sem substância. Na sua campanha cenográfica para a presidência há quatro anos, na qual se engajou como numa viagem de ego de milionário, não com alguma séria intenção de vencer, o candidato – provavelmente sem querer – articulou as mais profundas frustrações e preocupações das massas, que então começavam a fermentar. E as massas, em troca, projetaram no candidato de oposição, toda a sua exasperação, amargura, suas ilusões, convertendo o candidato em porta-estandarte do povo infelicitado dos EUA. O fato de que depois de quatro anos de governo o guerreiro simbólico ‘do povo’ nada tivesse a mostrar, e que, mesmo assim, em pleno colapso econômico ainda tenha recebido cerca de 80 milhões de votos, é sinal muito claro, que não se consegue não ver. E tem de ser tomado como eloquente sinal de alerta para a elite governante, de que a manipulação eleitoral descarada e a mais impiedosa censura sobre a informação, podem servir como Band-Aid. Mas já estão perdendo completamente a efetividade.

Você só pode puxar o rabo do tigre, até que ele salte no seu pescoço.*******

[1] “Uma cidade na colina”. É expressão bíblica (Mateus, 5:14), que entra na história dos EUA por um sermão proferido por John Whintrop, em 1630, em que fala do sonho que tem para os EUA futuros. Aparece muito, nos discursos de posse de presidentes dos EUA. Kennedy, por exemplo, usou-a no “Discurso de despedida de Massachusetts”, dia 9/1/1961, ao partir para assumir a presidência dos EUA em Washington, dia 20/1/1960. Também apareceu no discurso de despedida de Reagan, da presidência. Em 2021, a expressão volta a ser muito citada, dessa vez para ‘registrar’ que Trump teria destruído a tal “cidade na colina” [NTs].

[2] O verbete Lin Wood, na Wikipedia, é outra prova de que, sim, tudo que ele disse é verdade. O sujeito é apresentado ali como “advogado e teórico da conspiração” (!). Quer dizer: se fosse teórico da conspiração contra a democracia e os mais pobres, seria apresentado como “renomado especialista” pós-graduado em karké merda (NTs).

Traduzido por Vila Mandinga

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