Por Babel Hajjar.
Numa recente videoconferência sobre Jerusalém realizada em Beirute, Khaled Mechaal que se encontrava em visita na Turquia, disse a respeito da “Primavera Árabe” que é “direito dos povos árabes ficarem contra a corrupção e alcancem a democracia porém longe das ingerências externas, sangue e sectarismo, para que a batalha de Jerusalém seja nossa união como Nação”. Esse trecho foi interpretado pela imprensa local como um sinal tímido de reconciliação dirigido ao Governo da Síria.
A ética como um valor humano e a ética no contexto geopolítico possuem interpretações diferentes. Meshaal é um traidor, no mínimo infiel aos princípios de hospitalidade, solidariedade e gratidão. Sempre será. Em seu posto de líder do Hamas, dificilmente se sustentará por mais tempo. Qualquer membro do governo sírio hesitaria nesta reabertura. Pelo aspecto político, realinhar o Hamas como aliado e reintegrando o grupo às forças do Eixo de Resistência contra Israel e Estados Unidos, seria uma vitória marcante de um governo que enfrenta a três anos os bandos armados, os mercenários e invasores de 83 países espalhados por grande parte do território da Síria. A participação da liderança do Hamas nos conflitos na Síria envolveu desde apoio logístico, cobertura política e imunidade reservada aos seus militares e principalmente envolvimento direto de seus combatentes no treinamento, nos conflitos e na abertura de seus armazéns de armas e munições aos grupos armados destinados a derrubar o Governo da Síria.
A reintegração do Hamas seria como “tapa com luva de boxe” na cara de todos os “amigos dos rebeldes”. Faria o dueto Qatar-Turquia e a mídia ocidental enlouquecerem, sem saber o que dizer, embora a traição do Hamas não tenha se tornado uma notícia transparente, apenas para aqueles que fizeram questão de acompanhar os detalhes sórdidos da guerra contra a Síria.
Meshaal já vestiu a carapuça de traidor, melhor, deixou cair sua máscara que escondeu como membro do Hamas aos mesmos moldes de outros ingratos principalmente Azmi Bechara, o revolucionário palestino que tornou-se o ancora da Aljazeera e seu mentor ideológico na guerra contra a Síria. Há dentro do Hamas um grupo liderado por Mahmoud Al Zahar que foi isolado por Khaled Meshaal e seu fiel escudeiro Ismail Haniye e que nunca deixaram de manifestar uma discordância pelo destino político tutelado pela Irmandade Muçulmana no Qatar, Turquia e Egito.
É possível que o Governo da Síria reabra Damasco para o Hamas, mas certamente não para Khaled Mashaal ou aqueles que tremularam a bandeira colonialista na Guerra contra a Síria.
Viver para ver.
Caro Babel:
Seu artigo é extremamente interessante. Mas cabe ir um pouco mais a fundo nesta palpitante questão.
Tenho uma opinião particular a este respeito.
1. A Síria exige que o mundo respeite a sua soberania, não é mesmo? Eu e todos nós nos erguemos contra o ataque imperial a esta nação árabe, uma das mais combativas formações árabes nesta fase de agressão imperialista. No entanto, o fato central de que a Síria tem a nossa inconteste solidariedade não pode nos levar a seguir todas as suas diretrizes políticas de forma imediata. Portanto, acho que nesta questão, a da causa palestina, os sírios erraram. A Palestina já é uma nação, ocupada, mas é uma nação com povo, terra, legislação, inclusive Constituição, declaração de Independência e, principalmente história e resistência. Isso quer dizer que a soberania da Palestina, ainda mais sendo um território ocupado por Israel, deve ser respeitada e, mais ainda, reconhecida. Essa soberania nacional tem uma autoridade nacional, a Autoridade Nacional Palestina. Então, se a Síria exige o respeito por sua soberania também deve respeitar a dos palestinos. A meu modesto entender, fortalecer uma corrente que golpeou uma autoridade nacional, ainda mais sob ocupação, é no mínimo injusto.
2. O que o governo sírio deveria fazer é reconhecer a ANP como única autoridade nacional palestina e entrar em entendimento com a ANP para abertura dessa embaixada em Damasco (coisa que até onde eu sei, espantosamente ainda não existe; se estiver errado a esse respeito, ficarei muito feliz em sabê-lo).
3. A ANP pouco ou nada se posicionou sobre a agressão à Síria, também está errada, mas tendo em vista a atitude de apoio dos sírios ao Hamas, mesmo sendo uma atitude muito errada, é compreensível, mas esta falta de entendimento tem que ser superado, pois nada é mais prejudicial aos verdadeiros interesses políticos, históricos e culturais da Síria do que este tipo de desentendimento.
4. Mesmo que haja alguns, dentro do Hamas, que sejam contra a traição de Meshal e Haniye à Síria a atitude da direção desta agremiação mostrou claramente seu oportunismo e não apenas uma simples ingratidão.
5. Não há atalho para a libertação nacional. Tentar conseguir vencer o inimigo fazendo concessões de princípio não leva à libertação mas a uma escravização mais profunda e a uma confusão entre inimigo e aliado que não ajuda em nada as causas justas.