“Revoluções coloridas” e a nova Guerra Rede-Cêntrica

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Net-centric-warfare

25/2/2016, Prof. Dr. Vladimir Prav, SouthFront
Traduzido por Vila Vudu

Entre os conceitos da luta geopolítica contemporânea invariavelmente se encontram itens relacionados à criação e à formação de “redes”. O sentido da “rede” ou de um “princípio do trabalho em rede” está na troca de informações, na máxima expansão possível da produção, acesso e distribuição da informação, e na respectiva realimentação [ing. feedback]. A “rede” é o principal elemento do espaço informacional, no qual as operações de informação são levadas a efeito, para alcançar objetivos políticos, econômicos, informacionais, técnicos e militares. Uma “rede” como sistema, na acepção global do termo, inclui vários elementos que antes sempre foram vistos como fenômenos não comunicantes.

O princípio básico das modernas lutas geopolíticas é o princípio do “rede-centrismo” [ing. “net-centrism”]. Esse princípio baseia-se em três postulados.

1. O mundo moderno é definido não só por corredores de transporte com fluxos associados de bens e serviços, mas também por redes informacionais e comunicacionais, que formam o esqueleto do espaço global de informação.

2. O processo histórico é processo unificado, global, de conflito, de mútua ajuda ou de coexistência neutra de sociedades humanas organizadas por princípios hierárquicos (verticais) e também por princípios horizontais (de rede), com os princípios rede-cêntricos (horizontais) chegando, no futuro, provavelmente, à posição dominante. Estruturas verticais e horizontais-de-rede, com diferentes origens, propósitos, força numérica, limites geográficos e temporais e status legal, são os objetos e os sujeitos do processo histórico global cujas interações facilitam a emergência de novas estruturas e conexões.

3. As redes artificiais (eletrônicas) em desenvolvimento dinâmico que se entrelaçam e interagem com redes psicossociais e resultam num fenômeno social qualitativamente novo – são traço único, específico do esqueleto da rede informacional da futura sociedade global. Esse fenômeno é identificado dentro do conceito rede-cêntrico de guerra informacional, como SPIN – Segmented, Polycentric, Ideologically integrated Network [Rede Segmentada, Policêntrica, Ideologicamente Integrada, RSPII]. Deve-se observar que a empresa Microsoft ofereceu definição mais precisa do mesmo fenômeno, a saber, “sistema nervoso eletrônico”, SNE [“Electronic Nervous System, ENS”].

O principal ator global que usa sistematicamente o princípio rede-cêntrico na luta geopolítica é os EUA. Seus agentes executivos são as agências estatais, corporações e estruturas internacionais de rede.

As estruturas internacionais de rede, usualmente referidas como “atores por trás do palco”, e que são os iniciadores básicos do processo de globalização, são, em essência, uma rede de ONGs muito influentes que formam a supercomunidade ideológica dos globalistas euro-atlânticos (ou “ocidentais”), fechada aos ‘de fora’.

Tal estrutura de rede pode exercer grave pressão sobre todo o ambiente, o sistema financeiro e a economia políticos globais, mediante seus representantes e entidades internacionais de nível inferior. Pode também tomar e implementar decisões para afetar alguma mudança de regime e o curso do desenvolvimento de países selecionados.

Contando com a mobilização de agentes rede-cêntricos localizados sob controle daqueles representantes, a “supercomunidade” dos globalistas euro-atlanticistas pode tomar decisões “soft” claramente definidas e coordenadas, numa ampla gama de problemas políticos domésticos e internacionais. A direção e o controle globais podem ser afetados graças à existência dessa organização meta-rede-cêntrica, distribuída e hierarquicamente ordenada, cujos escalões superiores são representados por redes que pertencem à “supercomunidade” ocidental. Os indivíduos que são comandados podem até nem compreender que estão sendo comandados, mas mesmo os que compreendam não conseguirão ver de onde emanam as ‘instruções’ e quem é responsável por elas.

O principal conteúdo de todas as “guerras rede-cêntricas” consiste de “operações com bases em efeitos” (OBE) [ing. “effects-based operations” (EBO)]. Esse é o mais importante conceito em toda a teoria da guerra rede-cêntrica desenvolvida nos EUA. As Operações Baseadas em Efeitos, OBEs, são definidas pelos especialistas norte-americanos como “uma combinação de ações que visam a formar um específico modelo de comportamento entre amigos, forças neutras e inimigos, em situação de paz, de crise e de guerra” (Edward A. Smith, Jr. Effects based Operations. Applying Network centric Warfare in Peace, Crisis and War, Washington, DC: DoD CCRP, 2002.)

O principal resultado das Operações Baseadas em Efeitos, OBEs, é possibilitar que se estabeleça pleno e absoluto controle sobre todos os grupos envolvidos no conflito (inclusive em conflitos armados), para que seja possível manipulá-los sob quaisquer circunstâncias. Inclusive quando o conflito já esteja em andamento, quando ainda não passe de ameaça e também quando reine a paz.

A essência da “guerra rede-cêntrica” é que não tem começo nem fim, é perene e permanente, e seu objetivo é assegurar que os grupos ou partidos que conduzam a guerra tenham capacidade para manter controle amplo e abrangente sobre todos os atores internacionais. Quando as redes são incorporadas, países, nações, exércitos, governos são privados de qualquer traço de independência, de soberania e até de existência autônoma; as redes os convertem em conjuntos firmemente controlados, objetos programados.

A guerra rede-cêntrica movida por Operações Baseadas em Efeitos, OBEs, permite implementar um novo modelo de controle planetário direto, de domínio global de novo tipo, no qual o conteúdo, a motivação, as ações e intenções de atores internacionais são, todos, submetidos a um comando externo.

É projeto para manipulação global e controle total, em escala mundial. Sequer é segredo. É perfeitamente claro já na definição de Operações Baseadas em Efeitos, OBEs. Um dos objetivos das OBEs é formar uma estrutura de comportamento, não só entre amigos, mas que também inclua os ‘neutros’ e até os inimigos. Em outras palavras, inimigos e ‘neutros’ agem conforme um cenário que lhes é imposto; e são dirigidos, não pelo próprio desejo, mas pelo desejo dos executores da OBEs.

Se inimigos, amigos e ‘neutros’ fazem o que os EUA querem que façam, tornam-se fantoches já antes de serem derrotados. A batalha está ganha, mesmo antes de começar.

As OBEs são conduzidas simultaneamente com operações militares, durante crises e também em tempos de paz, o que reflete o caráter total das guerras rede-cêntricas.

O objetivo estratégico de uma guerra rede-cêntrica é o controle absoluto sobre todos os participantes do processo político em escala global. O seu objetivo tático é estabelecer o controle geopolítico, pelo agressor, sobre os agentes do estado-vítima; e a ‘transferência’ acontece, em grande medida, de modo voluntário, como se o alvo estivesse realmente escolhendo fazer o que faz, porque o ataque não é percebido como agressão, mas, sim, como impulso na direção de mais desenvolvimento.

É o que torna a guerra rede-cêntrica muito mais complexa para ser posta em andamento, que qualquer tradicional guerra ‘quente’; mas a guerra rede-cêntrica é, contudo, muito mais efetiva. Os resultados de “guerras quentes” acabam por ser confrontados e desconstruídos, ou se diluem ao longo do tempo (como se viu claramente no caso da 1ª Guerra Mundial e, especialmente, da 2ª). Os efeitos das guerras rede-cêntricas podem perdurar durante séculos, até que se modifiquem as necessidades do agressor.

O principal front da guerra rede-cêntrica é o espaço mental; o objetivo do agressor é destruir valores tradicionais da nação-alvo, para implantar valores tradicionais dele [do agressor].

Para ver que esse tipo de guerra está em andamento e a estrutura que ela segue, não basta avaliar o nível de consciência das massas. Se a elite política de uma dada sociedade que tenha sido tomada como alvo de uma guerra rede-cêntrica não for suficientemente qualificada para identificar esse tipo de agressão e organizar resistência adequada, toda a sociedade está condenada a sofrer esmagadora derrota geopolítica.

Especialistas já observaram outra característica peculiar das guerras rede-cêntricas, a saber, a ausência de estruturas rígidas na entidade agressora. Gostaríamos de acrescentar que isso se deve ao alto grau de heterogeneidade nos elementos institucionais daquela entidade. Indivíduos e elementos estatais e não estatais comparativamente autônomos do agressor não são parte de alguma hierarquia vertical; em vez disso, são conectados por interações irregulares horizontais. A ausência de hierarquia e a regularidade das interações tornam difícil identificar claramente a existência e as atividades do agressor.

Dada a natureza peculiar da Guerra Rede-Cêntrica (GRC) (ing. NCW (Net-Centric Warfare), a estrutura tecnológica (ou a soma total das tecnologias sociais usadas para atacar a sociedade-alvo) é muito complexa. As tecnologias da Guerra Rede-Cêntrica incluem “combinações e intrigas em vários passos, cujos instigadores não são claramente evidentes, um amplo espectro de meios para influenciar, e o uso de indivíduos que ignoram completamente o papel que desempenham (e, até mesmo, que desempenham algum papel.”

Mais importante, segundo especialistas norte-americanos, a Guerra Rede-Cêntrica numa era pós-industrial informacional difere das guerras ordinárias da era industrial moderna, por causa do desejo que anima a Guerra Rede-Cêntrica, de apropriar-se de territórios e recursos, sem praticamente nenhum derramamento de sangue.

O objetivo nesse caso é manter inabalada a imagem de “democracias desenvolvidas” que conduzem a Guerra Rede-Cêntrica (GRC) numa grande variedade de contextos geopolíticos, sob o disfarce de garantir proteção a direitos humanos. Numa era de total “humanização”, não se recomenda conduzir operações de combate sanguinolento. A sociedade mundial dorme melhor, se tudo parecer limpo e desinfetado.

Graças às modernas tecnologias e à experiência acumulada, até genocídios podem ser feitos sem câmaras de gás e sem tiroteios para execuções em massa. Basta criarem-se condições para reduzir o número de nascimentos e aumentar o número de mortos jovens. Também é possível alcançar retumbante sucesso, se a população for ativamente imbecilizada, mudando-se seus padrões tradicionais e comportamentos, de modo que até a escalada mais escandalosa (para outros) dos eventos de violência passe a ser considerada normal ou perfeitamente explicável por ‘critérios’ que todos estejam convencidos de que (i) compreendem perfeitamente e de que (ii) fazem perfeito sentido.

Uma das características da Guerra Rede-Centrica hoje, em mundo globalizado, são as “revoluções coloridas”.

Uma Revolução Colorida (RC) é operação rede-cêntrica, cujo objetivo é derrubar regimes políticos existentes em outros países.

Baseia-se no conceito de “métodos de luta não violenta” desenvolvido por George Sharp nos anos 1980s (produto do ‘engenho’ norte-americano, uma das várias tecnologias rede-cêntricas).

O conceito de Revolução Colorida implica estabelecer pleno controle sobre um país e respectivo território, se possível sem usar força armada. É objetivo que pode ser alcançado graças ao “soft power” [força suave] que o cientista político norte-americano Joseph Nye Jr. define como a capacidade do Estado (ou de uma aliança ou coalizão) para alcançar objetivos internacionais desejados, mediante a persuasão, não a supressão, a imposição ou o compelir – procedimentos característicos do “hard power” [força bruta].

A força suave [também dito “poder suave”] alcança o efeito que deseja alcançar, porque induz outros a aderir a determinadas normas internacionais de comportamento, que levam a um resultado desejado, sem aplicação de força bruta.

Consequências da Revolução Colorida

Para Estados e sistemas políticos, a Revolução Colorida inclui vários traços de ações típicas do colonialismo.

Os interesses da sociedade-alvo não são levados em consideração (são dados por “mudança descartável” [orig. “spare change“]).

Os primeiros a serem varridos do cenário (e frequentemente varridos literalmente do mundo dos vivos) são os “revolucionários”. Gente que sinceramente começa por crer nos ideais da Revolução Colorida, sem suspeitar de que aqueles ideais foram introduzidos nas discussões da sociedade em que eles vivem, expressamente para servir como combustível para a Revolução Colorida, é gente também descartável. A própria sociedade é desestabilizada, as fundações da sociedade são minadas, o respeito pela ordem constituída desaparece, crescem as insatisfações, e a economia é completamente desnorteada, afastada de qualquer normalidade.

Essas são as condições ideais para impor modelos sociais ‘ocidentais’: os EUA entram no país.

Nenhuma Revolução Colorida jamais trouxe qualquer benefício às forças políticas ou à sociedade do país alvo. O único beneficiário, até hoje, de todas as Revoluções Coloridas que o mundo conheceu sempre foram, e são, os EUA – que estabelecem ‘controle suave’, sem dor, não violento, sobre aquele seu novo território.

A Geórgia moderna é exemplo disso. Perdeu a própria soberania depois da “Revolução Cor-de-rosa”, que desencadeou graves transformações no país, desestabilizou a sociedade e resultou, para o país, na perda de cerca de 20% do próprio território. A Geórgia é a mais importante cabeça de ponte dos EUA no Cáucaso. Isso, por vários motivos:


– A Geórgia é um elemento do istmo do Cáucaso, pelo qual a Rússia obtém contato direto com o Irã, país com o qual os russos querem muito estabelecer relacionamento estratégico.

– A Geórgia é base para acumular força e para projetá-la por toda a região do Cáspio, incluindo a Rússia.

– A Geórgia é país de passagem para recursos de energia, a partir do Cáspio, para a Europa.
Sempre com vistas ao objetivo primordial da geopolítica dos EUA relacionado à Rússia e ao Cáspio, os EUA afastaram a Geórgia dos últimos vestígios de influência geopolítica da Rússia, e puseram a país diretamente sob o controle direto da geopolítica norte-americana. A Geórgia adotou um vetor atlanticista de desenvolvimento e perdeu as últimas migalhas que lhe restavam da própria soberania.

E há inúmeros outros importantes fatores:

1. Os EUA procuram estabelecer controle militar e estratégico direto sobre o Azerbaijão e a Armênia. Líderes do Azerbaijão não têm dúvidas de que os ‘comícios’ da oposição em março de 2011 e as tentativas planejadas de fazer descarrilar a ordem constitucional existente foram organizadas fora do país.

2. Para assegurar alguma parceria com a União Europeia e, particularmente, com a Alemanha, os EUA criaram um cordão sanitário que vai dos mares gelados do norte, através dos estados do Báltico, Ucrânia e Moldávia, até a Geórgia. A Bielorrússia é no momento uma brecha naquele cordão, e a Polônia já foi empurrada para vedar a brecha.

O ‘cordão’ – Ucrânia, Latvia, Lituânia, Estônia, Moldávia e Geórgia, que separa a Rússia, da Europa – foi criado pelos EUA para alcançar seus mais altos objetivos geopolíticos, mediante um movimento sequencial de Revoluções Coloridas naqueles países, como parte da Guerra Rede-Cêntrica contra a Rússia.

Nos últimos 20 anos, EUA e OTAN transformaram a Ucrânia em país hostil à Rússia, também mediante o uso de tecnologias rede-cêntricas. O golpe de 2014 e a guerra civil de 2014-2015 foram iniciados pelos EUA, que também garantiram apoio informacional, financeiro e militar. Hoje, as políticas interna e externa da Ucrânia são absolutamente anti-Rússia.

3. O Uzbequistão e o Quirguistão permaneceram como plataformas chaves da presença geopolítica dos EUA na Ásia Central. Os EUA nunca abandonarão o projeto de estabelecer pleno controle sobre toda a região. Periodicamente providenciarão para desestabilizar a situação ali, para manter sob controle o Uzbequistão e o Quirguistão.

Em todos os casos, os golpes “de veludo” mal sucedidos, como se viu acontecer no Uzbequistão, ou a praticamente incompreensível “revolução em cascata” no Quirguistão, são seguidos de cenários de endurecimento crescente. O nível de pressão é gradualmente aumentado. O cenário “de veludo” é substituído por comando de linha cada vez mais dura, incluindo confrontos entre cidadãos e a Polícia, primeiros mortos, pogroms, e então, como regra, todo o quadro social se esfacela, rachado por linhas étnicas – porque esse é o tipo de conflito mais difícil de superar. Essas ações são acompanhadas pela criação paralela de vários epicentros de instabilidade social, o agravamento de problemas econômicos, disrupções no tecido social, e polarização da política doméstica em geral. O objetivo é forçar os líderes desses países a aceitar que perderam o controle, que já não têm poder algum.

Resultado, o território do país atacado passa a viver, na prática, sob controle dos EUA. A Revolução Colorida, se for completamente bem-sucedida ou medianamente bem-sucedida, é acompanhada de abordagens mais diretas, as quais, afinal, levam a operações militares – como se viu mais recentemente no Iraque e na Líbia.

Dado que é potência nuclear, a Rússia é considerada por EUA e OTAN um dos principais adversários geopolíticos. O objetivo geopolítico mais crucialmente importante, hoje, dos EUA, é conseguir ‘mudança de regime’ na Rússia, vale dizer, derrubar o governo de Vladimir Putin.

Analistas norte-americanos creem que, no momento, a Ucrânia, o Cáucaso e a Ásia Central são os melhores pontos a serem explorados pelos EUA para aprofundar a pressão contra a liderança russa. Por isso os EUA continuarão a trabalhar para manter alto o potencial para confronto violento nessas áreas, até que encontrem outra nova fonte de conflito possível em território russo, que possam explorar, com vistas a insuflar mais e mais separatismos. Qualquer outra possível fonte, a ser insuflada de fora para dentro, e que faça aumentar a pressão sobre a liderança russa.*****

‘Revoluções coloridas’ e a nova Guerra Rede-Cêntrica
25/2/2016, Prof. Dr. Vladimir Prav, SouthFront

Entre os conceitos da luta geopolítica contemporânea invariavelmente se encontram itens relacionados à criação e à formação de “redes”. O sentido da “rede” ou de um “princípio do trabalho em rede” está na troca de informações, na máxima expansão possível da produção, acesso e distribuição da informação, e na respectiva realimentação [ing. feedback]. A “rede” é o principal elemento do espaço informacional, no qual as operações de informação são levadas a efeito, para alcançar objetivos políticos, econômicos, informacionais, técnicos e militares. Uma “rede” como sistema, na acepção global do termo, inclui vários elementos que antes sempre foram vistos como fenômenos não comunicantes.

O princípio básico das modernas lutas geopolíticas é o princípio do “rede-centrismo” [ing. “net-centrism”]. Esse princípio baseia-se em três postulados.

1. O mundo moderno é definido não só por corredores de transporte com fluxos associados de bens e serviços, mas também por redes informacionais e comunicacionais, que formam o esqueleto do espaço global de informação.

2. O processo histórico é processo unificado, global, de conflito, de mútua ajuda ou de coexistência neutra de sociedades humanas organizadas por princípios hierárquicos (verticais) e também por princípios horizontais (de rede), com os princípios rede-cêntricos (horizontais) chegando, no futuro, provavelmente, à posição dominante. Estruturas verticais e horizontais-de-rede, com diferentes origens, propósitos, força numérica, limites geográficos e temporais e status legal, são os objetos e os sujeitos do processo histórico global cujas interações facilitam a emergência de novas estruturas e conexões.

3. As redes artificiais (eletrônicas) em desenvolvimento dinâmico que se entrelaçam e interagem com redes psicossociais e resultam num fenômeno social qualitativamente novo – são traço único, específico do esqueleto da rede informacional da futura sociedade global. Esse fenômeno é identificado dentro do conceito rede-cêntrico de guerra informacional, como SPIN – Segmented, Polycentric, Ideologically integrated Network [Rede Segmentada, Policêntrica, Ideologicamente Integrada, RSPII]. Deve-se observar que a empresa Microsoft ofereceu definição mais precisa do mesmo fenômeno, a saber, “sistema nervoso eletrônico”, SNE [“Electronic Nervous System, ENS”].

O principal ator global que usa sistematicamente o princípio rede-cêntrico na luta geopolítica é os EUA. Seus agentes executivos são as agências estatais, corporações e estruturas internacionais de rede.

As estruturas internacionais de rede, usualmente referidas como “atores por trás do palco”, e que são os iniciadores básicos do processo de globalização, são, em essência, uma rede de ONGs muito influentes que formam a supercomunidade ideológica dos globalistas euro-atlânticos (ou “ocidentais”), fechada aos ‘de fora’.

Tal estrutura de rede pode exercer grave pressão sobre todo o ambiente, o sistema financeiro e a economia políticos globais, mediante seus representantes e entidades internacionais de nível inferior. Pode também tomar e implementar decisões para afetar alguma mudança de regime e o curso do desenvolvimento de países selecionados.

Contando com a mobilização de agentes rede-cêntricos localizados sob controle daqueles representantes, a “supercomunidade” dos globalistas euro-atlanticistas pode tomar decisões “soft” claramente definidas e coordenadas, numa ampla gama de problemas políticos domésticos e internacionais. A direção e o controle globais podem ser afetados graças à existência dessa organização meta-rede-cêntrica, distribuída e hierarquicamente ordenada, cujos escalões superiores são representados por redes que pertencem à “supercomunidade” ocidental. Os indivíduos que são comandados podem até nem compreender que estão sendo comandados, mas mesmo os que compreendam não conseguirão ver de onde emanam as ‘instruções’ e quem é responsável por elas.

O principal conteúdo de todas as “guerras rede-cêntricas” consiste de “operações com bases em efeitos” (OBE) [ing. “effects-based operations” (EBO)]. Esse é o mais importante conceito em toda a teoria da guerra rede-cêntrica desenvolvida nos EUA. As Operações Baseadas em Efeitos, OBEs, são definidas pelos especialistas norte-americanos como “uma combinação de ações que visam a formar um específico modelo de comportamento entre amigos, forças neutras e inimigos, em situação de paz, de crise e de guerra” (Edward A. Smith, Jr. Effects based Operations. Applying Network centric Warfare in Peace, Crisis and War, Washington, DC: DoD CCRP, 2002.)

O principal resultado das Operações Baseadas em Efeitos, OBEs, é possibilitar que se estabeleça pleno e absoluto controle sobre todos os grupos envolvidos no conflito (inclusive em conflitos armados), para que seja possível manipulá-los sob quaisquer circunstâncias. Inclusive quando o conflito já esteja em andamento, quando ainda não passe de ameaça e também quando reine a paz.

A essência da “guerra rede-cêntrica” é que não tem começo nem fim, é perene e permanente, e seu objetivo é assegurar que os grupos ou partidos que conduzam a guerra tenham capacidade para manter controle amplo e abrangente sobre todos os atores internacionais. Quando as redes são incorporadas, países, nações, exércitos, governos são privados de qualquer traço de independência, de soberania e até de existência autônoma; as redes os convertem em conjuntos firmemente controlados, objetos programados.

A guerra rede-cêntrica movida por Operações Baseadas em Efeitos, OBEs, permite implementar um novo modelo de controle planetário direto, de domínio global de novo tipo, no qual o conteúdo, a motivação, as ações e intenções de atores internacionais são, todos, submetidos a um comando externo.

É projeto para manipulação global e controle total, em escala mundial. Sequer é segredo. É perfeitamente claro já na definição de Operações Baseadas em Efeitos, OBEs. Um dos objetivos das OBEs é formar uma estrutura de comportamento, não só entre amigos, mas que também inclua os ‘neutros’ e até os inimigos. Em outras palavras, inimigos e ‘neutros’ agem conforme um cenário que lhes é imposto; e são dirigidos, não pelo próprio desejo, mas pelo desejo dos executores da OBEs.

Se inimigos, amigos e ‘neutros’ fazem o que os EUA querem que façam, tornam-se fantoches já antes de serem derrotados. A batalha está ganha, mesmo antes de começar.

As OBEs são conduzidas simultaneamente com operações militares, durante crises e também em tempos de paz, o que reflete o caráter total das guerras rede-cêntricas.

O objetivo estratégico de uma guerra rede-cêntrica é o controle absoluto sobre todos os participantes do processo político em escala global. O seu objetivo tático é estabelecer o controle geopolítico, pelo agressor, sobre os agentes do estado-vítima; e a ‘transferência’ acontece, em grande medida, de modo voluntário, como se o alvo estivesse realmente escolhendo fazer o que faz, porque o ataque não é percebido como agressão, mas, sim, como impulso na direção de mais desenvolvimento.

É o que torna a guerra rede-cêntrica muito mais complexa para ser posta em andamento, que qualquer tradicional guerra ‘quente’; mas a guerra rede-cêntrica é, contudo, muito mais efetiva. Os resultados de “guerras quentes” acabam por ser confrontados e desconstruídos, ou se diluem ao longo do tempo (como se viu claramente no caso da 1ª Guerra Mundial e, especialmente, da 2ª). Os efeitos das guerras rede-cêntricas podem perdurar durante séculos, até que se modifiquem as necessidades do agressor.

O principal front da guerra rede-cêntrica é o espaço mental; o objetivo do agressor é destruir valores tradicionais da nação-alvo, para implantar valores tradicionais dele [do agressor].

Para ver que esse tipo de guerra está em andamento e a estrutura que ela segue, não basta avaliar o nível de consciência das massas. Se a elite política de uma dada sociedade que tenha sido tomada como alvo de uma guerra rede-cêntrica não for suficientemente qualificada para identificar esse tipo de agressão e organizar resistência adequada, toda a sociedade está condenada a sofrer esmagadora derrota geopolítica.

Especialistas já observaram outra característica peculiar das guerras rede-cêntricas, a saber, a ausência de estruturas rígidas na entidade agressora. Gostaríamos de acrescentar que isso se deve ao alto grau de heterogeneidade nos elementos institucionais daquela entidade. Indivíduos e elementos estatais e não estatais comparativamente autônomos do agressor não são parte de alguma hierarquia vertical; em vez disso, são conectados por interações irregulares horizontais. A ausência de hierarquia e a regularidade das interações tornam difícil identificar claramente a existência e as atividades do agressor.

Dada a natureza peculiar da Guerra Rede-Cêntrica (GRC) (ing. NCW (Net-Centric Warfare), a estrutura tecnológica (ou a soma total das tecnologias sociais usadas para atacar a sociedade-alvo) é muito complexa. As tecnologias da Guerra Rede-Cêntrica incluem “combinações e intrigas em vários passos, cujos instigadores não são claramente evidentes, um amplo espectro de meios para influenciar, e o uso de indivíduos que ignoram completamente o papel que desempenham (e, até mesmo, que desempenham algum papel.”

Mais importante, segundo especialistas norte-americanos, a Guerra Rede-Cêntrica numa era pós-industrial informacional difere das guerras ordinárias da era industrial moderna, por causa do desejo que anima a Guerra Rede-Cêntrica, de apropriar-se de territórios e recursos, sem praticamente nenhum derramamento de sangue.

O objetivo nesse caso é manter inabalada a imagem de “democracias desenvolvidas” que conduzem a Guerra Rede-Cêntrica (GRC) numa grande variedade de contextos geopolíticos, sob o disfarce de garantir proteção a direitos humanos. Numa era de total “humanização”, não se recomenda conduzir operações de combate sanguinolento. A sociedade mundial dorme melhor, se tudo parecer limpo e desinfetado.

Graças às modernas tecnologias e à experiência acumulada, até genocídios podem ser feitos sem câmaras de gás e sem tiroteios para execuções em massa. Basta criarem-se condições para reduzir o número de nascimentos e aumentar o número de mortos jovens. Também é possível alcançar retumbante sucesso, se a população for ativamente imbecilizada, mudando-se seus padrões tradicionais e comportamentos, de modo que até a escalada mais escandalosa (para outros) dos eventos de violência passe a ser considerada normal ou perfeitamente explicável por ‘critérios’ que todos estejam convencidos de que (i) compreendem perfeitamente e de que (ii) fazem perfeito sentido.

Uma das características da Guerra Rede-Centrica hoje, em mundo globalizado, são as “revoluções coloridas”.

Uma Revolução Colorida (RC) é operação rede-cêntrica, cujo objetivo é derrubar regimes políticos existentes em outros países.

Baseia-se no conceito de “métodos de luta não violenta” desenvolvido por George Sharp nos anos 1980s (produto do ‘engenho’ norte-americano, uma das várias tecnologias rede-cêntricas).

O conceito de Revolução Colorida implica estabelecer pleno controle sobre um país e respectivo território, se possível sem usar força armada. É objetivo que pode ser alcançado graças ao “soft power” [força suave] que o cientista político norte-americano Joseph Nye Jr. define como a capacidade do Estado (ou de uma aliança ou coalizão) para alcançar objetivos internacionais desejados, mediante a persuasão, não a supressão, a imposição ou o compelir – procedimentos característicos do “hard power” [força bruta].

A força suave [também dito “poder suave”] alcança o efeito que deseja alcançar, porque induz outros a aderir a determinadas normas internacionais de comportamento, que levam a um resultado desejado, sem aplicação de força bruta.

Consequências da Revolução Colorida

Para Estados e sistemas políticos, a Revolução Colorida inclui vários traços de ações típicas do colonialismo.

Os interesses da sociedade-alvo não são levados em consideração (são dados por “mudança descartável” [orig. “spare change“]).

Os primeiros a serem varridos do cenário (e frequentemente varridos literalmente do mundo dos vivos) são os “revolucionários”. Gente que sinceramente começa por crer nos ideais da Revolução Colorida, sem suspeitar de que aqueles ideais foram introduzidos nas discussões da sociedade em que eles vivem, expressamente para servir como combustível para a Revolução Colorida, é gente também descartável. A própria sociedade é desestabilizada, as fundações da sociedade são minadas, o respeito pela ordem constituída desaparece, crescem as insatisfações, e a economia é completamente desnorteada, afastada de qualquer normalidade.

Essas são as condições ideais para impor modelos sociais ‘ocidentais’: os EUA entram no país.

Nenhuma Revolução Colorida jamais trouxe qualquer benefício às forças políticas ou à sociedade do país alvo. O único beneficiário, até hoje, de todas as Revoluções Coloridas que o mundo conheceu sempre foram, e são, os EUA – que estabelecem ‘controle suave’, sem dor, não violento, sobre aquele seu novo território.

A Geórgia moderna é exemplo disso. Perdeu a própria soberania depois da “Revolução Cor-de-rosa”, que desencadeou graves transformações no país, desestabilizou a sociedade e resultou, para o país, na perda de cerca de 20% do próprio território. A Geórgia é a mais importante cabeça de ponte dos EUA no Cáucaso. Isso, por vários motivos:


– A Geórgia é um elemento do istmo do Cáucaso, pelo qual a Rússia obtém contato direto com o Irã, país com o qual os russos querem muito estabelecer relacionamento estratégico.

– A Geórgia é base para acumular força e para projetá-la por toda a região do Cáspio, incluindo a Rússia.

– A Geórgia é país de passagem para recursos de energia, a partir do Cáspio, para a Europa.
Sempre com vistas ao objetivo primordial da geopolítica dos EUA relacionado à Rússia e ao Cáspio, os EUA afastaram a Geórgia dos últimos vestígios de influência geopolítica da Rússia, e puseram a país diretamente sob o controle direto da geopolítica norte-americana. A Geórgia adotou um vetor atlanticista de desenvolvimento e perdeu as últimas migalhas que lhe restavam da própria soberania.

E há inúmeros outros importantes fatores:

1. Os EUA procuram estabelecer controle militar e estratégico direto sobre o Azerbaijão e a Armênia. Líderes do Azerbaijão não têm dúvidas de que os ‘comícios’ da oposição em março de 2011 e as tentativas planejadas de fazer descarrilar a ordem constitucional existente foram organizadas fora do país.

2. Para assegurar alguma parceria com a União Europeia e, particularmente, com a Alemanha, os EUA criaram um cordão sanitário que vai dos mares gelados do norte, através dos estados do Báltico, Ucrânia e Moldávia, até a Geórgia. A Bielorrússia é no momento uma brecha naquele cordão, e a Polônia já foi empurrada para vedar a brecha.

O ‘cordão’ – Ucrânia, Latvia, Lituânia, Estônia, Moldávia e Geórgia, que separa a Rússia, da Europa – foi criado pelos EUA para alcançar seus mais altos objetivos geopolíticos, mediante um movimento sequencial de Revoluções Coloridas naqueles países, como parte da Guerra Rede-Cêntrica contra a Rússia.

Nos últimos 20 anos, EUA e OTAN transformaram a Ucrânia em país hostil à Rússia, também mediante o uso de tecnologias rede-cêntricas. O golpe de 2014 e a guerra civil de 2014-2015 foram iniciados pelos EUA, que também garantiram apoio informacional, financeiro e militar. Hoje, as políticas interna e externa da Ucrânia são absolutamente anti-Rússia.

3. O Uzbequistão e o Quirguistão permaneceram como plataformas chaves da presença geopolítica dos EUA na Ásia Central. Os EUA nunca abandonarão o projeto de estabelecer pleno controle sobre toda a região. Periodicamente providenciarão para desestabilizar a situação ali, para manter sob controle o Uzbequistão e o Quirguistão.

Em todos os casos, os golpes “de veludo” mal sucedidos, como se viu acontecer no Uzbequistão, ou a praticamente incompreensível “revolução em cascata” no Quirguistão, são seguidos de cenários de endurecimento crescente. O nível de pressão é gradualmente aumentado. O cenário “de veludo” é substituído por comando de linha cada vez mais dura, incluindo confrontos entre cidadãos e a Polícia, primeiros mortos, pogroms, e então, como regra, todo o quadro social se esfacela, rachado por linhas étnicas – porque esse é o tipo de conflito mais difícil de superar. Essas ações são acompanhadas pela criação paralela de vários epicentros de instabilidade social, o agravamento de problemas econômicos, disrupções no tecido social, e polarização da política doméstica em geral. O objetivo é forçar os líderes desses países a aceitar que perderam o controle, que já não têm poder algum.

Resultado, o território do país atacado passa a viver, na prática, sob controle dos EUA. A Revolução Colorida, se for completamente bem-sucedida ou medianamente bem-sucedida, é acompanhada de abordagens mais diretas, as quais, afinal, levam a operações militares – como se viu mais recentemente no Iraque e na Líbia.

Dado que é potência nuclear, a Rússia é considerada por EUA e OTAN um dos principais adversários geopolíticos. O objetivo geopolítico mais crucialmente importante, hoje, dos EUA, é conseguir ‘mudança de regime’ na Rússia, vale dizer, derrubar o governo de Vladimir Putin.

Analistas norte-americanos creem que, no momento, a Ucrânia, o Cáucaso e a Ásia Central são os melhores pontos a serem explorados pelos EUA para aprofundar a pressão contra a liderança russa. Por isso os EUA continuarão a trabalhar para manter alto o potencial para confronto violento nessas áreas, até que encontrem outra nova fonte de conflito possível em território russo, que possam explorar, com vistas a insuflar mais e mais separatismos. Qualquer outra possível fonte, a ser insuflada de fora para dentro, e que faça aumentar a pressão sobre a liderança russa.*****

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