Quem sai aos seus (também) degenera

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Por TUFY KAIRUZ

A língua é como um leão, se for solta alguém sairá ferido”

Ali Ibn Talib (ra)

“Satanás é a caricatura do Divino. Mas não importa quão grande seja a confusão, a verdade protege-se a si mesma, porque não é nada mais que a realidade; pelo contrário, tudo o que a imita e ao mesmo tempo a nega dissipa-se como a escuridão da madrugada diante dos primeiros raios de luz da alvorada.”

Sayyed Hossein Nasr

Lula aumentou a integração cultural, econômica e política com os países islâmicos - FECESC

Em 2010, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva, foi homenageado durante as celebrações dos 131 anos da imigração árabe ao Brasil em uma recepção no Clube Monte Líbano em São Paulo. organizada pela  FAMBRAS (Federação das Associações Muçulmanas do Brasil), em São Paulo. A matéria, veiculada no sítio da associação, elogia Lula como “estadista” e destaca sua “iniciativa em aprofundar o relacionamento comercial e cultural entre o Brasil e os países islâmicos”. Lula, por sua vez, aproveitou a ocasião para criticar a ONU e as superpotências pelas intervenções armadas no Oriente Médio e defendeu a opção brasileira pelo “poder brando” para solucionar os conflitos na região.

De acordo com dados da associação divulgados na ocasião, na área comercial o governo Lula havia aumentado significativamente o intercâmbio com o mundo árabe-islâmico. Lula, comentando as estatísticas, exultou: “Eu vendi mais do que o melhor mascate. Vendi tudo o que o Brasil podia vender.” Inicialmente, a lembrança da figura do mascate poderia parecer, a um observador incauto, mais uma manifestação do estilo informal e improvisado de Lula, principalmente, quando feita diante de uma plateia tão seleta. Afinal, nada parecia mais distante daqueles políticos, diplomatas e empresários, árabes e de ascendência árabe, do que a imagem turva no passado de imigrantes levantinos mascateando pelas vastidões dos sertões brasileiros.

A metáfora, porém, não poderia ser mais apropriada, pois representava tanto a percepção brasileira quanto a autoimagem daquele grupo, forjada ao longo de um passado diaspórico. Ou seja, lembrar a figura emblemática do mascate naquela oportunidade era também reafirmar uma trajetória bem-sucedida que transformou árabes, fossem cristãos, judeus ou muçulmanos, em uma minoria-modelo no imaginário de uma nação.

Por último, o encontro festivo demonstrou, de forma inequívoca, que os mascates haviam galgado, em duas ou três gerações estratégias, os degraus da ascensão econômica, social e política. Vale lembrar que os primeiro imigrantes se deparam ao chegar ao Brasil com uma nação periférica, parcamente industrializada, regida por uma monarquia católica, no ocaso, alicerçada em uma sociedade patriarcal escravocrata, formada majoritariamente por mestiços, e dominada por uma elite minoritária branca de origem portuguesa. Um quadro de desigualdade certamente não totalmente estranho aos súditos do Sultão otomano Abdulhamid II.

Ao longo do século XX, levas de árabes levantinos, mais tarde com rótulos identitários nacionais, mais específicos, como, sírios, libaneses e palestinos, se integram à sociedade no topo da pirâmide racial brasileira como brancos e ascendem de maneira vertiginosa na escala socioeconômica. Consequentemente, camponeses e trabalhadores urbanos de baixa-renda, que formavam a grande maioria da Diáspora árabe, foram catapultados a uma esfera impensável em suas sociedades originárias onde hierarquias eram esculpidas na pedra. Contudo, havia um preço implícito a pagar para se integrar às camadas médias-altas e às elites locais, que implicava em arcar com uma “taxa de adesão”. Esta “taxa”, para alguns, incluía internalizar um discurso e comportamento pautados pelo racismo, elitismo, autoritarismo, individualismo e submissão absoluta ao establishment.

Mas vamos avançar 3 ou 4 gerações e parar nossa “máquina do tempo” em 07/10/2023. Nesta data, o grupo palestino Hamas realizou um ataque-surpresa à terras da Palestina ocupada que surpreende os invasores/ocupantes, o regime de apartheid que os governa, e o mundo. A surpresa estratégica foi total e o sucesso tático absoluto. Porém, alguns articulistas, que acompanham há décadas a tragédia palestina, que já dura “meros” 76 anos, descreveram o ocorrido como uma fuga em massa da maior prisão a céu aberto do mundo ou uma versão contemporânea do Levante do Gueto de Varsóvia contra aqueles que descendem das vítimas do levante original.

Obviamente, os sionistas têm lá sua versão, afinal sem mentira não existiria sionismo. Além disso, não se iludam, nem com o que foi escrito há 2000 anos, em algum texto religioso, ou pelo que foi apregoado, há 200 anos, pelo eurocentrismo laico “igualitário”: nosso mundo sempre foi e é totalmente pautado por hierarquias. No caso das narrativas falaciosas esta é a lógica que prevalece: a “eficácia” da mentira depende de quem a conta e de quem a ouve. De forma análoga, o ato de matar, inclusive em escala industrial, também depende da identidade dos assassinos e da identidade de suas vítimas.

Dessa maneira, se desfaz o mistério da narrativa falaciosa sionista. É tosca, primária e bizarra, mas é contada pelos “filhos enjeitados” da Europa tornados diletos, desde que estes aceitassem fazer o trabalho sujo na Palestina que os europeus tentavam fazer há mil anos.

Portanto, seja lá o que falam, já existe, de antemão, uma plateia de cooptados e incautos, no centro e periferia do Ocidente, prontos a aceitar qualquer terraplanismo sionista. Não podemos esquecer que este mesmo Ocidente, que tipos como o presidente do Monte Líbano, serve com fidelidade canina, é uma civilização erguida sobre uma fundação de supremacismo, fundamentalismo moderno e montanhas de cadáveres de seres humanos descartáveis, como os palestinos em Gaza.

Certamente, para os com predisposição para a escutar “mentira-pronta” sionista, pouco importam os 76 anos do “terrorismo-raiz” sionista que resultou em roubo de terras, destruição de propriedades, tortura, prisão e morte de crianças, mulheres e jovens palestinos. Pouco importam os 16 anos de cerco selvagem imposto a 2 milhões de seres humanos amontoados em ridículos 365 km2. Pouco importa que cerca de 70% dos habitantes de Gaza sejam originários, do outro lado da cerca de um “campo de concentração”, de cidades e campos roubados e ocupados por grileiros sionistas aliciados a milhares de quilômetros da Palestina.

Lamentavelmente, muitos, entre as gerações de descendentes de árabes, no Brasil, perderam o compasso da moralidade e da humanidade associando ascensão socioeconômica a obrigação de abraçar uma visão alienada, vil e egoísta, vis-à-vis o sofrimento alheio, seja na Palestina ou no Brasil.

Em 18 de outubro, os terroristas do ar sionistas, após quase 3 semanas de genocídio sistemático, bombardearam deliberadamente o Hospital Al-Ahli assassinando imediatamente mais de 500 pessoas. Na mesma data fatídica, 18 de outubro, Claudio Roberto Daud, presidente do Clube Monte Líbano escreveu a carta que segue reproduzida abaixo:

 

À ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA “A HEBRAICA” DE SÃO PAULO

A/C – SR PRESIDENTE FERNANDO ROSENTHAL

Nota de Solidariedade

O Clube Atlético Monte Líbano, em São Paulo, vem por meio desta se solidarizar com o povo irmão de Israel, que foi atingido pelo ataque terrorista dia 7 de outubro de 2023. Expressamos as nossas mais profundas condolências a todas as pessoas que sofrem de alguma forma neste momento, principalmente pelas perdas irreparáveis de seus parentes e amigos. Desejamos, fraternalmente, que o povo israelense tenha a força essencial para atravessar esse atroz período e retorne com a eterna busca pela paz.

Com todo o nosso carinho,

 

 

 

 

Confesso, que após mais de meio século militando na Causa Palestina, nunca tinha lido ou mesmo ouvido falar de um texto tão amoral, tão canalha e tão falacioso, sobretudo, diante de um genocídio em curso transmitido em tempo real para todo o planeta. O autor conseguiu em 86 palavras produzir um texto que resume, de forma concisa e direta, a falência ética e o servilismo patológico que contaminam setores gentrificados da Diáspora árabe.

Malcolm X, o campeão da luta contra o racismo na década de 1960, nos Estados Unidos, definia o escravo que vivia junto ao seu proprietário como o “escravo da Casa-Grande.”

Este vivia para servir ao seu Senhor se contentando com os restos, que eventualmente sobravam da mesa farta da Casa-Grande. O servilismo do escravo da Casa-Grande chegava ao ponto da anulação completa de sua persona o transformando em mero apêndice da personalidade do seu Senhor. Se o Senhor estava triste ele ficava triste, se estava alegre ele ficava alegre e se estava doente ele ficava doente.

O presidente do Clube Monte Líbano, que está à frente de uma entidade, mesmo privada, que em tese, representa a comunidade libanesa, se comportou – para agradar um establishment que ele imagina valer a venda da sua alma – como um escravo da Casa-Grande: manso, cordato e mais “ferido” que os “colonos-invasores” vitimados pelo ataque do Hamas. Talvez, se valesse a pena, seria o caso de perguntá-lo, de um libanês para outro: a que “irmandade” com sionistas ele se refere no texto? É claro que o tipo não faz o gênero globalista, portanto, a única “irmandade” a que ele pode estar se referindo é aquela baseada na chanchada sionista do falso “semita”. Esta falácia, entre tantas outras do arsenal sionista, funciona com uma espécie de “nhô sim” que sela o servilismo incondicional aos Senhores sionistas muitos ciosos de suas próprias mentiras. Caso contrário, tipos como o presidente do Monte Líbano, temem perder seus privilégios na Casa-Grande e acabar sendo enviados de volta aos canaviais para viver na senzala com os rebeldes.

O presidente do Monte Líbano, além da ética e humanidade curvadas, como as costas do Corcunda de Notre Dame, deve ter, na melhor das hipóteses, memória seletiva. Deve ter esquecido das repetidas invasões dos seus “irmãos” israelenses ao Líbano. Da destruição, morte e sofrimento que causaram. Da humilhação da ocupação de Beirute, dos massacres de Sabra e Chatila, da ocupação (ainda) de pedaços do solo libanês e das violações constantes da soberania do Líbano.

Deve também ter esquecido que o Líbano está tecnicamente em guerra com o estado sionista e que a grande maioria dos libaneses, inclusive na Diáspora, se ombreia, de corpo e alma, com seus irmãos (genuínos) palestinos. Deve ter esquecido que seus “irmãos” sionistas, em 2000, foram escorraçados do Líbano, após quase 18 anos de ocupação. Deve ter esquecido, que em 2006, no Líbano, causaram destruição e assassinaram civis, como agora em Gaza, para no final serem derrotados e humilhados pela Resistência libanesa. Finalmente, deve ter esquecido, que no momento que escrevo este texto, sangue libanês está sendo derramado na fronteira com a Palestina ocupada se misturando ao sangue dos palestinos em Gaza.

Por certo, Daud, você nada representa na imensa Diáspora árabe/libanesa. Aliás, depois da carta que escreveu, certamente se tornou um “cadáver social” entre seus pares. Ironicamente, sua “carta-testamento”, de conteúdo infame, serviu para que esqueçamos nossas diferenças políticas e sectárias e cerremos fileiras na defesa da Causa Palestina, a mãe de todas as causas. Quem sabe um dia, alguns ainda indecisos ou em silêncio diante do genocídio em Gaza, lhe agradecerão pela indignação produzida pela sua carta? Sim, seria merecido, porque sua carta teria servido de aviso para que eles não acabassem lhe fazendo companhia no fosso sem-fundo da degeneração de caráter.

Este texto, provavelmente, será seu derradeiro momento de visibilidade antes de voltar para o merecido anonimato e se encaminhar, célere, para a vala da história da Diáspora árabe nesse país. Por último, como a grande maioria dos descendentes de libaneses, não frequento seu clube, mas certamente dormiríamos mais tranquilos se tipos como você não ocupassem cargos nessas instituições, que na percepção dos brasileiros, de alguma forma, aparentam nos representar. Por isso, lhe sugiro: se cale e peça para sair.

 

 

 

 

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