Refleti por cinco longas noites se, como ativista pela paz e pela Solução de Dois Estados na Palestina, eu deveria responder a um sujeito que, se vivesse no Brasil, seria denunciado hoje à Delegacia de Crimes de Intolerância no Rio de Janeiro.
A noite de outono já cobria com seu manto espesso as colinas da linda Rio de Janeiro em que vivo, quando comecei a receber mensagens falando sobre um artigo agressivo e repleto de mentiras óbvias sobre mim, escrito por um israelense-brasileiro vivendo em Israel, um sujeito chamado Marcos Susskind, cujos textos repletos de erros gramaticais, eu jamais havia lido.
A sua “Resposta” a um artigo meu sobre o Massacre de Deir Yassin já começava com uma óbvia mentira: a de que eu, Lucia Helena Issa, era uma árabe muçulmana. Somente alguém com muitas limitações intelectuais, e sem nenhum conhecimento do Oriente Médio, ou sem nenhum caráter poderia afirmar que eu, brasileiríssima e com um sobrenome árabe (Issa) que significa Jesus, tendo afirmado em centenas de artigos meus e em dezenas de entrevistas que dei para TVs, que sou católica e fui recebida com imenso afeto por milhares de muçulmanos nos campos de refugiados, poderia escrever aquilo.
Assustei-me com a desonestidade do sujeito e, pior, compreendi imediatamente que para o senhor Susskind, um supremacista judeu que, como descobri em minhas pesquisas, era o autor de vídeos celebrando a morte de crianças, definindo os massacres de palestinos durante a ilegal tomada de Jerusalém Oriental como “dias de júbilo”, a palavra “muçulmana” não era apena relativa a uma das três religiões – irmãs ( sim, islamismo, judaísmo e cristianismo são religiões irmãs e filhas do mesmo patriarca, Abrãao), mas era um ” insulto” para Susskind. O sujeito, cujos vídeos, todos com pouquíssima audiência e repletos de intolerância religiosa, sadismo e supremacia judaica, desprezava claramente cristãos e muçulmanos.
Gostaria de dizer ao senhor Susskind que eu teria imenso orgulho de ser muçulmana, de ser de uma religião que, enquanto a Europa mergulhava na Idade das Trevas, matava mais de dois milhões de mulheres e pessoas de outras religiões, o islamismo vivia sua Idade de Ouro, dando ao mundo os primeiros cientistas, humanistas e médicos fantásticos como Avicena, autor do primeiro livro de medicina do planeta, utilizado na Europa por 5 séculos, dando ao mundo muçulmanos como Al Khaarism, que criou os algarismos como os usamos hoje e que levam o seu nome, dando ao mundo muçulmanos como Al Faarabi, como o filósofo Averrois, inventando a primeira máquina fotográfica do mundo (a palavra câmera é uma palavra árabe que significa “quarto escuro”, o lugar onde os muçulmanos revelaram as primeiras fotos do mundo), homens que criaram a Biblioteca de Córdoba, a maior do mundo na época, traduzindo para nós a filosofia grega, cujos livros estavam sendo destruídos pela Inquisição, muçulmanos que criaram a primeira faculdade de medicina do mundo em Bagdá, para onde iam os judeus que sonhassem em ser médicos pois as comunidades judaicas e cristãs da época jamais criaram algo nem sequer parecido com a Casa da Sabedoria em Bagdá.
Ao analisar a Carta de Susskind, confirmo o que percebi nas minhas estadias em Israel: O que os extremistas judeus como Susskind odeiam é o fato de que existam milhões de cristãos árabes, como eu, pois isso desmente a sua narrativa perversa de que todos os palestinos são “terroristas muçulmanos” e podem ser mortos. O lindo cristianismo dos palestinos e dos árabes em geral e sua linda convivência com seus irmãos muçulmanos desmente a narrativa dos supremacistas. Pessoas como esse senhor Susskind odeiam que humanos de religiões diferentes, como eu, uma cristã, e minhas irmãs muçulmanas estejamos juntas, ajudando umas às outras, tendo solidariedade e empatia umas pelas outras!
Refleti por cinco longas noites se, como ativista pela paz e pela Solução de Dois Estados na Palestina, eu deveria responder a um sujeito que, se vivesse no Brasil, seria denunciado hoje à Delegacia de Crimes de Intolerância no Rio de Janeiro.
Meu coração estava devastado pelas imagens que vinham da Palestina, de crianças e mulheres mortas no bombardeio de um prédio residencial em Gaza, de crianças queimadas e soterradas pelas bombas de um dos exércitos mais covardes do mundo. Meu coração estava devastado pela tristeza e pela indignação e decidi que deveria responder ao supremacista judeu que celebra a morte de meus irmãos humanos.
Susskind nega a limpeza étnica contra os palestinos há décadas, algo que historiadores como Illan Pappé e Schlomo Sand (em tempo: Susskind é um guia turístico em Israel, mas se apresenta como ” historiador amador”, o que, por si só, seria cômico, se não fosse trágico), e afirma também que eu não poderia escrever sobre Apartheid em Israel porque ele não existe.
As maiores Organizações Humanitárias do mundo, como a Human Rights Watch, a UNWRA (Agência da UNU que faz um trabalho fantástico nos campos de refugiados palestinos para tentar construir hospitais e salvar vidas de crianças palestinas que esperam há décadas que Israel pare de matá-las), e até o ex-relator especial da ONU, Richard Falk, um professor judeu americano, afirmam hoje que existe um regime de Apartheid contra os palestinos em todos os territórios ocupados ilegalmente por Israel.
Richard Falk, um brilhante professor de Direito, escreveu dezenas de artigos afirmando que os direitos dos palestinos estão sendo violados pela “limpeza étnica” feita sobretudo em Jerusalém Oriental. Afirma ainda que “a situação humanitária em Gaza é terrível desumana e agravada pelo bloqueio econômico imposto por Israel”, e no artigo “Atos que potencialmente levam ao Apartheid” ele analisa os atos que tornam cristãos e muçulmanos palestinos cidadãos de segunda classe criando uma segregação que privilegia apenas os judeus.
Recomendaria que o senhor Susskind lesse os relatórios de Falk, os da HRW, e o livro de Illan Pappé, “A limpeza étnica da Palestina “, publicado em mais de 20 países e com uma edição em hebraico, já que Susskind, mesmo tendo crescido e estudado no Brasil, parece ter imensas dificuldades com a língua portuguesa! Sim, o sujeito não consegue falar naturalmente, a ponto de ter de ler um texto pendurado como um teleprompter nos vídeos que grava.
Quanto à afirmação de que os palestinos teriam apoiado Hitler, citando como uma das evidências o fato de terem existido bósnios muçulmanos que lutaram em batalhões nazistas, não perderei meu tempo com algo tão patético, que já foi amplamente refutado pelo brilhante professor Tufy, em seu artigo publicado nesse jornal.
Há poucos dias, supremacistas judeus invadiram a Esplanada das Mesquitas gritando “Morte aos Árabes” e agredindo mulheres, jovens e crianças que rezavam na Mesquita de Al Aqsa na última noite de Ramadã.
Em 2015, supremacistas judeus invadiram e INCENDIARAM um lindo santuário cristão, onde Jesus Cristo realizou o milagre da multiplicação dos pães. Duas áreas da Igreja da Multiplicação foram devastadas por um incêndio em junho, criminoso, executado por três extremistas judeus.
Estive em Israel por quatro vezes e, em uma delas, testemunhei a vandalização de uma linda igreja cristã onde supremacistas judeu quebraram janelas e escreveram nas paredes referindo à Virgem Maria como a “prostituta Maria”.
Há milhões de judeus israelenses que estão tão tristes e chocados quanto nós, cristãos, diante do aumento assustador do número de supremacistas judeus. O extremismo judeu, que fingimos não ver por décadas, cresceu e hoje domina até mesmo um partido político da extrema direita israelense, um partido que se intitula como o PODER JUDAICO, liderado pelo supremacista judeu Ben Gvir.
O extremismo judeu que agride jornalistas, incendeia igrejas e mata palestinos, tem a mesma raiz ideológica.
Enquanto confiamos que só existiam extremistas muçulmanos, os extremistas judeus e os cristãos crescem impunemente, dominaram a arena política, agridem jornalistas, fundam partidos, dominam as narrativas com sua realidade delirante e alimentam mais mortes, guerras e ódio.
Lucia Helena Issa é jornalista, escritora e embaixadora da paz por uma organização internacional. Foi colaboradora da Folha de S.Paulo em Roma. Autora do livro “Quando amanhece na Sicília”. Pós-graduada em Linguagem, Simbologia e Semiótica pela Universidade de Roma. Atualmente, vive entre o Rio de Janeiro e o Oriente Médio e está terminando um livro sobre mulheres palestinas que lutam pela paz.