Segundo essa matéria de Middle East Eye, o secretário de Estado dos EUA culpou a ‘oposição’ pelo continuado bombardeio na Síria:
O secretário de Estado dos EUA John Kerry disse a assessores sírios, horas depois de as conversações de paz de Genebra terem fracassado, que o país deve esperar mais três meses de bombardeio, que “dizimará” a ‘oposição’.
Durante conversa à margem da conferência dessa semana de doadores que sustentam a ”oposição” síria, em Londres, fontes dizem que Kerry culpou a ‘oposição’ síria por abandonar as conversações e preparar o caminho para uma ofensiva conjunta de Rússia e do governo sírio contra Aleppo.
“Ele disse ‘Não ponham a culpa em mim – culpem lá a oposição de vocês mesmos'” – disse a Middle East Eye uma assessora, que pediu para não ser identificada, temendo represálias contra a organização que representa.
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“[O secretário Kerry] disse, basicamente, que a oposição não quis negociar e não quis o cessar-fogo e que todos saíram da sala” – disse outra fonte ao MEE em conversa separada e também sob a condição de que seu nome não fosse divulgado.
“‘Querem que eu faça o quê? Que declare guerra à Rússia? É isso que vocês querem?” – a primeira assessora disse que Kerry lhe teria perguntado.
O patético porta-voz do Departamento do Estado alegou que a matéria publicada estaria errada:
John Kirby Verified account @statedeptspox
@Charles_Lister Story está errada. @JohnKerry não culpou a oposição pelo colapso das conversações, não tem comentários sobre o regime e não acenou na direção de Assad.
Mas o que se lê aqui me leva a crer que a matéria que mostra Kerry vergastando a ‘oposição’ está certa, pelo menos em parte:
U.S. Embassy Syria @USEmbassySyria
#SecKerry sobre bombardeamento de civis na #Síria: Isso tem de parar. Mas não vai parar se as pessoas levantam-se da mesa de negociações ou não se empenham
Quer dizer: o porta-voz do Departamento de Estado nega que os EUA culpem a ‘oposição’; e outra parte do Departamento de Estado culpa precisamente a ‘oposição’: “não vai parar se as pessoas levantam-se da mesa de negociação e não se empenham”. Kerry está visivelmente incomodado por o grupo saudita de ‘oposição’ ter fugido das conversações da ONU em Viena. Mas a culpa é dos “aliados” que os EUA arranjaram.
O Wall Street Journal diz que o grupo de ‘oposição’ pôs fim às conversações antes mesmo de elas começarem, obedecendo ordens de Turquia e Arábia Saudita:
A ‘oposição’ síria retirou-se abruptamente das conversações de paz em Genebra essa semana, sob pressão de Arábia Saudita e Turquia, dois dos principais financiadores apoiadores dos rebeldes, segundo diplomatas e meia dúzia de figuras da ‘oposição’.
Depois de sabotarem as conversações, os sauditas apareceram com uma oferta, de enviar tropas para invadirem a Síria, se os EUA assumissem o comando da tal operação. Ninguém está levando a sério essa oferta. Tropas sauditas que tentaram invadir o Iêmen levaram tremenda surra. Os próprios sauditas dizem que tiveram de fechar 500 escolas e evacuar 12 vilas com 7 mil pessoas na Arábia Saudita, porque os iemenitas estão invadindo. O exército saudita tem muitos brinquedinhos caríssimos, mas claramente não sabe operá-los.
A oferta de mandar soldados não passa de isca, para tentar empurrar os EUA a iniciarem guerra contra a Rússia.
Não vai funcionar. Agora, os EUA agora estão tentando encontrar algum jeito de pôr fim ao conflito na Síria. Alguém afinal informou a Kerry que a Rússia não está em nenhum tipo de “atoleiro” na Síria, que está fazendo tudo que disse que faria e acabando com a ”oposição”. Os EUA estão agora com muita pressa, porque já entenderam que terão influência zero na questão, se derem ao governo sírio e à Rússia tempo e motivos para matarem toda a ”oposição”. Os EUA precisam do cessar-fogo para salvarem para eles mesmos alguma relevância.
Como diz o próprio Kerry, “choramingar” a respeito da situação e escafeder-se das negociações não ajudará a ‘oposição’ (mas servirá para não deixar um ‘opositor’ vivo, que seja, para contar a história).
O secretário Kerry também conclamou os russos a pararem a campanha de bombardeio na província de Aleppo. O problema é que suspender o bombardeiro é desobedecer à Resolução n. 2.254 sob a qual se realizam as conversações em Genebra. Aquela Resolução claramente ordena que continue a campanha russa e síria. Leiam aí:
[O Conselho de Segurança da ONU, CS-ONU] reitera a conclamação já feita na Resolução n. 2.249 (2015) para que os estados-membros impeçam e reprimam atos terroristas cometidos especificamente: pelo Estado Islâmico no Iraque e Levante (ISIL, também conhecido como Da’esh), pela Frente Al-Nusra e todos os demais indivíduos grupos, subdivisões e entidades associadas à Al Qaeda ou ISIL, e outros grupos terroristas, […] e erradiquem o paraíso seguro que estabeleceram em áreas significativas da Síria; [o CS-ONU] observa que o cessar-fogo acima mencionado não se aplica a ações ofensivas ou defensivas contra esses indivíduos, grupos subdivisões e entidades, como definido na Declaração de 14/11/2015 (14 November 2015 ISSG Statement).
Os insurgentes na província de Aleppo bem como na província de Idlib são oficialmente aliados à Frente al-Nusra, que é a Al-Qaeda na Síria; são claramente o objeto da resolução acima e, portanto, são alvo legítimo das bombas russas, como ordenou o CS-ONU.
Fato é que os que criticam Kerry por culpar a ‘oposição’ porque fugiu de Genebra ignoram a Resolução. É o plano que EUA e Rússia decidiram seguir. Aquele plano põe fim na guerra na Síria por um cessar-fogo, mas só se a ‘oposição’ aceitar cortar e cortar todos os laços que a unem à al-Qaeda e ao ISIS.
Dado que a ‘oposição’ e seus patrocinadores não querem separar-se de al-Qaeda e ISIS, a campanha militar sírio-russa continuará, até dar cabo deles todos, exatamente como o CS-ONU ordenou.