4/3/2022, Pepe Escobar, Strategic Culture Foundation
“Só a autossuficiência garante total independência. E o Sul Global também compreendeu em profundidade o Grande Quadro.”
Um dos principais temas subjacentes da matrix Rússia/Ucrânia/OTAN é que o Império das Mentiras (direitos autorais de Putin) foi abalado até o âmago pela capacidade combinada de mísseis hipersônicos russos e um escudo defensivo capaz de bloquear mísseis nucleares vindos do ocidente, o que cancelou a Destruição Mútua Garantida (ing. MAD).
Isso levou os americanos a quase arriscar uma guerra quente, para conseguir instalar mísseis hipersônicos – que os EUA ainda não têm – nas fronteiras ocidentais da Ucrânia, com o que ficariam a três minutos de Moscou. Para isso, é claro, os EUA precisam da Ucrânia, assim como da Polônia e da Romênia na Europa Oriental.
Na Ucrânia, os americanos estão determinados a lutar até a última alma europeia – se for preciso. Essa pode ser a última vez que os dados (nucleares) são jogados.
Daí o penúltimo suspiro em matéria de tentar coagir a Rússia à submissão, com os EUA servindo-se da última arma de destruição em massa (viável) que lhes resta: SWIFT.
Mas essa arma pode ser facilmente neutralizada pela rápida construção da autossuficiência.
Com a contribuição essencial do inestimável Michael Hudson, delineei possibilidades para a Rússia enfrentar a tempestade de sanções. E isso sem sequer considerar toda a extensão da “defesa caixa preta” da Rússia – e contra-ataque – conforme descrito por John Helmer em sua introdução a um ensaio que anuncia nada menos que O Retorno de Sergei Glaziev.
Glaziev, previsivelmente detestado em todos os círculos atlanticistas, foi importante conselheiro econômico do presidente Putin e agora é ministro da Integração e Macroeconomia da União Econômica da Eurásia (ing. EAEU). Glaziev sempre foi crítico feroz do Banco Central russo e da gangue oligarca intimamente ligada às finanças anglo-americanas.
Seu último ensaio, Sanctions and Sovereignty, originalmente publicado por expert.ru e traduzido por Helmer, merece análise séria.
Adiante, uma das principais conclusões:
““As perdas russas de um potencial PIB, desde 2014, totalizam cerca de 50 trilhões de rublos. Mas apenas 10% dessas perdas podem ser explicadas por sanções.
80% delas são resultado da política monetária. (…)”. Poderíamos compensar completamente as consequências negativas das sanções financeiras, se o Banco Central da Rússia cumprisse seu dever constitucional de garantir uma taxa de câmbio estável do rublo, e não se limitasse a obedecer ordens das organizações financeiras de Washington.”
Des-offshore ou buuuuum!
Glaziev recomenda essencialmente:
– Uma “verdadeira des-offshorização da economia”.
– “Medidas para apertar a regulação cambial a fim de impedir a exportação de capital e expandir os empréstimos direcionados a empresas que precisam de financiamento de investimentos”.
– “Tributação da especulação cambial e das transações em dólares e euros no mercado doméstico”.
– “Investimento sério em P&D para acelerar o desenvolvimento de nossa própria base tecnológica nas áreas afetadas pelas sanções – em primeiro lugar a indústria de defesa, energia, transporte e comunicações.”
E por último, mas não menos importante, “a desdolarização de nossas reservas cambiais, substituindo o dólar, o euro e a libra por ouro”.
O Banco Central russo parece estar ouvindo. A maioria dessas medidas já está em vigor. E há sinais de que Putin e o governo estão finalmente prontos para agarrar a oligarquia russa pelas bolas e forçá-la a parar de só ‘compartilhar’ riscos e perdas, como tem feito, em momento extremamente difícil para a nação. Adeus à acumulação de fundos retirados da Rússia e postos offshore e em Londongrad.
O que realmente interessa é Glaziev. Em dezembro de 2014, eu estava numa conferência em Roma e Glaziev juntou-se a nós por telefone. Revendo uma coluna posterior que escrevi na época, entre Roma e Pequim (trad. em Oriente Mídia), fiquei pasmo: é como se Glaziev estivesse dizendo aquelas coisas hoje, literalmente.
Permitam-me citar dois parágrafos:
“No simpósio, realizado num refeitório dos Dominicanos do século XV divinamente decorado com afrescos e que hoje está incorporado à biblioteca do Parlamento italiano, Sergey Glaziev, por telefone, de Moscou, ofereceu interpretação clara da Guerra Fria 2.0. Não há “governo” real em Kiev: quem governa é o embaixador dos EUA. Uma doutrina anti-Rússia foi lançada em Washington para fomentar a guerra na Europa – e políticos europeus operam como colaboracionistas. Washington quer guerra na Europa, porque está perdendo a competição para a China.”
Glaziev falou da demência das sanções: “a Rússia está tentando simultaneamente reorganizar a política do Fundo Monetário Internacional, combater a fuga de capitais e minimizar o efeito de os bancos terem fechado linhas de créditos para muitos empresários.” Mas o resultado final das sanções, diz ele, é que a Europa perderá sempre mais, economicamente; a burocracia europeia perdeu o próprio foco econômico, a partir do instante em que os planejadores geopolíticos norte-americanos assumiram o comando.”
Todos têm de pagar o “imposto sobre a independência”
Parece estar surgindo um consenso em Moscou de que a economia russa se estabilizará rapidamente, pois haverá escassez de pessoal para a indústria e serão necessárias muitas mãos extras. Portanto, não há desemprego. Pode haver escassez, mas não há inflação. As vendas de artigos de luxo – ocidentais – já foram reduzidas. Os produtos importados serão colocados sob controle de preços. Todos os rublos necessários estarão disponíveis sob controles de preços – como aconteceu nos EUA na Segunda Guerra Mundial.
Pode haver pela frente uma onda de nacionalização de ativos. A ExxonMobil anunciou que se retirará do projeto Sakhalin-1 de US$ 4 bilhões (pularam fora do Sakhalin-2, considerado muito caro), produzindo 200.000 barris de petróleo por dia, depois que a BP e a Equinor da Noruega anunciaram que se retiravam de projetos com a Rosneft. Na verdade, BP sonhara com tomar para si toda a participação da Rosneft.
De acordo com o primeiro-ministro Mikhail Mishustin, o Kremlin agora está bloqueando a venda de ativos por investidores estrangeiros que desejem desinvestir. Paralelamente, a Rosneft, por exemplo, tem condições para levantar capital da China e da Índia, que já são investidores minoritários em vários projetos, e comprar 100% das ações: excelente oportunidade para os negócios russos.
Ainda não foi anunciada a contra-sanção que pode vir a ser interpretada como a Mãe de Todas as Contra-Sanções. O próprio vice-presidente do Conselho de Segurança, Dmitry Medvedev, em pessoa, deu a entender que todas as opções estão sobre a mesa.
O ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, que reúne em si a paciência de 10.000 monges taoístas, ainda à espera de que a histeria atual desapareça, descreve as sanções como “uma espécie de imposto sobre a independência”, contra países: “enorme pressão” sobre países que impeçam suas empresas de trabalharem na Rússia”.
Contra-ataques letais, porém, não são excluídos. Além de completa desdolarização – como recomenda Glaziev –, a Rússia pode proibir a exportação de titânio, terras raras, combustível nuclear e, já em vigor, motores de foguetes.
Movimentos muito tóxicos incluiriam apreender todos os ativos estrangeiros de nações hostis; congelar todos os pagamentos de empréstimos a bancos ocidentais; e depositar os fundos numa conta congelada em banco russo; banir completamente toda mídia estrangeira hostil, a propriedade de mídia estrangeira, ONGs de vários tipos e fachadas da CIA; e fornecer armas de última geração às nações amigas; compartilhar informações; e promover treinamento e exercícios conjuntos.
O que é certo é que uma nova arquitetura de sistemas de pagamento – como discutido por Michael Hudson e outros – unindo os sistemas de compensações interbancárias SPFS russo e CHIPS chinês, poderá em breve ser oferecido a dezenas de nações da Eurásia e do Sul Global – vários deles já sob sanções (como Irã, Venezuela, Cuba, Nicarágua, Bolívia, Síria, Iraque, Líbano, República Popular Democrática da Coreia.
Lenta mas seguramente, já estamos a caminho de ver surgir um bloco do Sul Global considerável imune à guerra financeira americana.
Os RIC dos BRICS – Rússia, Índia e China – já estão aumentando o comércio em suas próprias moedas. Se olharmos para a lista de nações na ONU que votaram contra a Rússia ou abstiveram-se de condenar a Operação Z na Ucrânia, mais aquelas que não sancionaram a Rússia, temos pelo menos 70% de todo o Sul Global.
Então, aí está mais uma vez o Ocidente – mais satrapias/colônias como Japão e Cingapura na Ásia – contra O Resto: Eurásia, Sudeste Asiático, África, América Latina.
O iminente colapso europeu
Michael Hudson me disse: “os EUA e a Europa Ocidental esperavam uma Froelicher Krieg (“guerra feliz”). Alemanha e outros países ainda não começaram a sentir a dor de viver privados de gás, de minérios e de alimentos. Esse vai ser o jogo real. O objetivo seria separar a Europa do controle que os EUA exercem mediante a OTAN. Isso envolverá “intromissão”, criando movimento e partido político da Nova Ordem Mundial, como o comunismo foi há um século. Você poderia chamar isso de um Novo Grande Despertar.”
Um possível Grande Despertar certamente não envolverá tão cedo a esfera da OTAN. O Ocidente coletivo está em sério modo de Grande Desacoplamento, sua economia inteira armada com o objetivo, expresso às claras, de destruir a Rússia e, até mesmo, – o perene sonho molhado do ‘ocidente’ – provocar mudanças de regime.
Sergey Naryshkin, chefe do Serviço de Inteligência Estrangeira da Rússia (ru. SVR), descreveu sucintamente:
“As máscaras caíram. O Ocidente não está só tentando cercar a Rússia com uma nova ‘Cortina de Ferro’. Estamos falando de tentativas de destruir nosso Estado – de ‘abolir’ o nosso Estado, como agora é costume dizer no ambiente liberal-fascista ‘tolerante’. Como os Estados Unidos e seus aliados não têm a oportunidade nem o ânimo para tentar fazer isso num confronto político-militar aberto e honesto, têm havido tentativas sorrateiras para estabelecer um ‘bloqueio’ econômico, informativo e humanitário.
Parece que o ápice da histeria ocidental é o início de uma ‘Jihad’ (literalmente “guerra santa”) neonazista de 2022: um exército mercenário de 20.000 homens sendo montado na Polônia, sob supervisão da CIA. A maior parte deles fornecidos por empresas militares privadas, como Blackwater/Academi e DynCorp. Sua cobertura: “ucranianos que retornam da Legião Estrangeira Francesa”. Esse remix do Afeganistão sai direto do único manual que a CIA conhece.
De volta à realidade, pode acontecer de os fatos em campo levarem economias inteiras do Ocidente à morte por atropelamento ‘econômico’ – com o caos na esfera das commodities levando a disparada nos custos de energia e alimentos. Como exemplo, até 60% das indústrias de manufatura alemãs e 70% das italianas podem ser forçadas a fechar definitivamente – com consequências sociais catastróficas.
A não eleita máquina uber-kafkiana da UE em Bruxelas optou por triplo hara-kiri por arrogância na posição de vassalos abjetos do Império, e destruíram quaisquer impulsos de soberania franceses e alemães que ainda existissem, remanescentes. Assim impuseram a separação entre UE e Rússia-China.
Enquanto isso, a Rússia mostrará o caminho: Só a autossuficiência garante total independência. E o Sul Global também compreendeu em profundidade o Grande Quadro: um dia alguém teve de levantar e dizer “Basta” – apoiado em potência bruta máxima.
Traduzido por Vila Mandinga
Tradução automática por Google Translate, revista e corrigida para o português do Brasil. Para finalidades acadêmicas. Sem valor comercial.