Pepe Escobar: A Ordem de Despejo está sendo redigida e virá em Quatro Línguas

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A nova ONU em construção é o BRICS 11 – na verdade, BRICS 10, considerando que a Argentina pode ser relegada a um papel marginal

(Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247 | ABR)

O Cristianismo Ortodoxo, o Islã moderado e diversas cepas do Taoísmo/Confucionismo podem se tornar as três principais civilizações de uma Humanidade purificada.

A Ordem de Despejo está sendo escrita. E ela virá em quatro línguas. Russo. Farsi. Mandarim. E por último, mas não menos importante, Inglês.

Um prazer muito valorizado da escrita profissional é sempre ser enriquecido por leitores informados. Essa ideia do “despejo” – valendo mil tratados sobre geopolítica – foi oferecida por um de meus leitores mais perspicazes em um   comentário a uma coluna minha.

De forma concisa, o que temos aqui expressa um consenso profundo em todo  o espectro, não apenas no Oeste Asiático, mas também na maior parte das latitudes de todo o Sul Global/Maioria Global..

O Impensável, na forma de um genocídio conduzido ao vivo, em tempo real, em cada smartphone do mundo, na terceira década do milênio a que chamei de Os Frenéticos Anos Vinte em um livro anterior – atuou como um acelerador de partículas, concentrando corações e mentes.

Os que optaram por atear fogo ao Oeste Asiático já vêm enfrentando uma dolorosa reação. E isso vai muito além da diplomacia exercida pelos líderes do Sul Global.

Pela primeira vez em décadas, a China foi mais do que explícita em termos geopolíticos (um verdadeiro estado soberano não pode tergiversar quando se trata de genocídio). A posição inequívoca da China quanto à questão palestina vai muito além da rotina geoeconômica de promover os corredores de comércio e transporte da ICR.

Enquanto isso, o Presidente Putin definiu o envio de ajuda humanitária à Gaza como um “dever sagrado”, o que, no código russo, inclui, crucialmente, o espectro militar.

Apesar de todas as manobras e ocasionais tomadas de posição, todos sabem que, para todos os fins práticos,  o atual acordo  da ONU apodreceu além de qualquer possibilidade de conserto, sendo totalmente impotente quando se trata de impor negociações de paz significativas, sanções e investigação de crimes de guerra em série.

A nova ONU em construção é o BRICS 11 – na verdade, BRICS 10, considerando que a Argentina, o novo Cavalo de Tróia, na prática pode ser relegada a um papel marginal, caso o país venha a ingressar na organização em 1º de janeiro de 2024.

Os BRICS 10, liderados pela Rússia-China, ambas regidas por uma forte bússola moral, mantêm os ouvidos colados ao solo e ouvem o que é dito nas ruas árabes e nas terras do Islã. Em especial pela população, muito mais que pelas elites. Esse será um elemento essencial em 2024, durante a presidência russa dos BRICS.

Mesmo sem fazer check-out, você terá que sair

A atual ordem do dia do Grande Novo Jogo é organizar a expulsão do Hegêmona do Oeste Asiático – o que é um desafio tanto técnico quanto civilizacional.

Nas atuais circunstâncias, o continuum Washington-Tel Aviv já é prisioneiro de suas próprias maquinações. Aqui não é o  Hotel California: você não pode fazer check-out à hora que quiser, mas será forçado a sair.

Isso pode ocorrer de maneira relativamente branda  – pensem em Cabul como uma remixagem de  Saigon – ou, se as coisas ficarem pretas, talvez implique um Apocalypse Now naval, com as caríssimas banheiras de ferro transformadas em atóis de corais submarinos e o fim do CENTCOM  e de sua projeção, o AFRICOM.

O vetor crucial de todo esse processo é como o Irã  – e a Rússia – vêm pondo em prática, ano após ano, com paciência infinita, a grande estratégia criada pelo General Soleimani, cujo assassinato de fato deu início aos Frenéticos Anos Vinte.

Um Hegêmona desarmado não conseguiria derrotar o novo “eixo do mal” Rússia-Irã-China, não apenas no Oeste Asiático mas também em qualquer outro lugar da Europa, da Ásia-Pacífico e na Pan-África. A participação direta e a normalização do genocídio serviram apenas para acelerar a progressiva e inevitável exclusão do Hegêmona de boa parte do Sul Global.

Enquanto isso, a Rússia construía meticulosamente  a integração do Mar Negro, do Mar Cáspio, do Mar Báltico (apesar de toda a histeria finlandesa), o Ártico e o Mar do Noroeste do Pacífico, e a China turbina a integração do Mar do Sul da China.

Xi e Putin são exímios jogadores de xadrez e de go   – e se beneficiam da presença de eminentes consultores do calibre de Patrushev e Wang Yi. O go geopolítico jogado pela China é um exercício em não-confrontação: tudo o que você tem que fazer é bloquear a capacidade de movimento de seu  oponente.

Xadrez e go, em uma parceria diplomática, representam um jogo no qual você não interrompe seu oponente quando ele está dando sucessivos tiros no pé. Como bônus extra, você consegue que se oponente passe a antagonizar 90% da população do mundo.

Tudo isso acabará por levar ao colapso a economia do Hegêmona. Quando então ele poderá ser derrotado à revelia.

Os “valores” ocidentais soterrados nos escombros

Enquanto a  Rússia, especialmente graças aos esforços de Lavrov, oferece ao Sul Global/Maioria Global um projeto civilizacional focado em uma multipolaridade mutuamente respeitosa, a China, com  Xi Jinping, oferece a ideia de uma “comunidade com um futuro compartilhado” e um conjunto de iniciativas  discutidas em longos detalhes no Fórum da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) realizado em Pequim em outubro, no qual a Rússia, não acidentalmente, foi a convidada de honra.

Um grupo de acadêmicos chineses descreve de forma concisa  esse enfoque como a China “criando e facilitando nós globais para as relações/ comunicações, e plataformas para colaboração concreta e intercâmbios práticos. Os participantes mantêm-se Soberanos e contribuem para os esforços em comum (ou simplesmente em projetos específicos), recebendo benefícios que incentivem sua participação continuada”.

É como se Pequim estivesse  atuando como uma espécie de luminosa estrela guia.

Em nítido contraste, o que resta da civilização ocidental – certamente não tendo muito em comum com Montaigne, Pico della Mirandola ou Schopenhauer – mergulha cada vez mais fundo em um autoconstruído Coração das Trevas (sem a grandeza literária de Conrad), confrontado com o verdadeiro e irremediavelmente horripilante individualismo conformista e subserviente.

Bem-vindos ao Novo Medievalismo precipitado pelos “kill apps” do racismo ocidental, como mostrado em um livro brilhante,  Chinese Cosmopolitanism, de autoria do acadêmico  Shuchen Xiang, professor de Filosofia na Universidade de  Xidan.

Os “kill apps”  do racismo ocidental, escreve o Professor Xiang, são o medo da mudança; a ontologia do dualismo bivalente; a invenção do “bárbaro” como o Outro racial; a metafísica do colonialismo; e a natureza insaciável da psicologia racista.  Todos esses “apps” agora estão explodindo, em tempo real, no Oeste Asiático. A principal consequência é que os “valores” ocidentais  já pereceram, soterrados nos escombros de Gaza.

Agora, um raio de luz: é possível defender a ideia – e voltaremos a esse ponto –  de que o Cristianismo ortodoxo, o Islã moderado e diversas cepas do Taoísmo/Confucionismo podem abraçar o futuro como as três principais civilizações de uma Humanidade purificada.

Tradução de Patricia Zimbres

Fonte: Brasil 247

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