Já com seis anos de crise na Síria, o Irã vê o resultado do conflito como fator que vai modelando o novo Oriente Médio. Foi a primeira intervenção declarada do Irã em outro país, em décadas, que ideólogos iranianos chamaram de guerra pela própria existência do país.
16/3/2017, Ali Hashem, Al-Monitor
Funcionários iranianos dizem que a intervenção na Síria poupou a Revolução Islâmica de ter de combater guerra semelhante no seu próprio território. Nem por isso é guerra menos custosa, impiedosa em termos de perdas materiais e, ainda pior, no dano que causa à imagem do Irã no mundo muçulmano. Limitou as opções do Irã e abalou alianças – apesar dos interesses comuns que o Irã partilha com seus parceiros.
“O Irã aprendeu muito desses anos todos” – disse a Al-Monitor uma fonte militar iraniana, que pediu que seu nome não fosse revelado. A fonte diz que o conflito na Síria não é guerra tradicional, em que é possível e às vezes até fácil antecipar os eventos: “A proposta foi mudando de um dia para o outro. Quando o Irã decidiu participar daquela guerra com nossos conselheiros militares, o presidente sírio Bashar al-Assad estava a um passo de ser derrubado. Mais de 70% do país estava sob controle de grupos terroristas que gozavam de amplo apoio internacional e de estados da região e de apoio popular. Hoje o presidente Assad tem pleno controle da situação, e o mundo sabe que ele é a única escolha para todos que desejem seriamente derrotar o terrorismo. Nem por isso é a fase final daquela guerra.”
Em Teerã, as elites políticas e militares creem que inimigos do “Eixo da Resistência” criaram a crise na Síria como vingança contra o que as elites iranianas veem como grandes conquistas e a ampla popularidade da Resistência na região. “É óbvio que depois da guerra de 33 dias no Líbano e a vitória do Hezbollah sobre Israel [em 2006], os norte-americanos e seus agentes locais começaram a pensar em como nos derrotar” – disse a Al-Monitor um funcionário iraniano. O mesmo funcionário disse também que “Uma vez que não podem fazer guerra contra o Irã, e fracassara a tentativa deles para destruir o Hezbollah, a única possibilidade que lhes restou naquele momento foi fazer mira contra o coração da Resistência: a Síria.” Assim sendo, segundo aquele funcionário iraniano, a República Islâmica viu-se obrigada a se defender: “a luta do Irã na Síria é diferente da luta de outros. Para o Irã é guerra existencial, e nossa única escolha é vencer. Todas as demais partes que combatem hoje na Síria podem ganhar ou perder. O Irã é diferente. Se não vencermos essa guerra, as consequências serão terríveis, não só para o Irã, mas para todos os xiitas em todo o mundo. Por isso quem decidiu ajudar a Síria foi diretamente o Supremo Líder Aiatolá Ali Khamenei. Foi decisão simultaneamente política e religiosa.”
A história da decisão do Irã de intervir na Síria foi problema para muitos, sobretudo no que teve a ver com como a decisão foi tomada, se havia planos prontos desde o primeiro momento.
Quem preenche as lacunas desse quadro é um ex-deputado no Parlamento do Irã
Esmail Kowsari – também ex-comandante do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos –, que falou à agência semioficial de notícias Fars, em novembro de 2013, da visita que Hassan Nasrallah do Hezbollah fez ao Aiatolá Khamenei, na qual falou dos temores de que Assad viesse a ser derrubado. Kowsari disse que Nasrallah, nove meses depois do início da guerra na Síria, já concluíra que a situação era dificílima e estava praticamente perdida. Nasrallah na ocasião teria dito que “Com alguns oficiais, fomos ao Supremo Líder e lhe transmitimos nossos pensamentos. Quando acabamos de falar, disse ele: ‘Não. Não acontecerá assim. Temos de cumprir nosso dever. Se fizermos o que é nosso dever fazer, Assad e a Síria serão estabilizados.'”
Nossa fonte militar iraniana confirma a Al-Monitor esse relato e acrescenta: “Quando Nasrallah voltou a Beirute, reuniu-se com o Conselho Shura [do Hezbollah] e informou-os sobre o ponto de vista do Supremo Líder; disse ao Conselho que preparassem os planos necessários. Ao mesmo tempo, o
Aiatolá Khamenei começou as reuniões com a liderança do Corpo dos Guardas Revolucionários Islâmicos e pediu que organizassem opiniões e um mapa do caminho que levasse ao fim do conflito na Síria.” A fonte iraniana acrescentou que Khamenei teria então duas preocupações principais: preservar o fluxo de armas para o Líbano e manter preservados e seguros os locais sagrados na Síria. A mesma fonte disse que os dois principais líderes que receberam a missão de cumprir esses dois objetivos foram Nasrallah e o comandante Qasem Soleimani da força Quds do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos.
Um terceiro homem com papel chave a desempenhar for o general
Hossein Hamedani, do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos, que foi morto na Síria em outubro de 2015. O papel de Hamedani foi essencial no comando das forças em campo. E deixou relato detalhado do que do que aconteceu no caminho para a Síria. O livro, intitulado [ing.] “Letters of the Fish” [Cartas do Peixe] detalha eventos da vida de Hamedani. Relembra a surpresa que foram para ele as ordens de partir para a Síria, seus encontros com várias figuras e as várias visitas que fez a diferentes áreas. Diz que 75% do país “estava sob controle de grupos terroristas”. Acrescenta que “Depois de algum tempo, enviei ao Supremo Líder um relato detalhado e pedi-lhe para voltar ao Irã, porque os sírios não estavam tirando qualquer proveito de nossa presença. O Supremo Líder disse a Hajj Qasem [Soleimani]: ‘Não. Não devem sair de lá e voltar [ao Irã]. A Síria está doente, mas não sabe que está doente; essa doença tem de ser explicada aos políticos e governantes sírios.'”
Hamedani também enviou relatório detalhado ao comando do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos. Esse relatório foi depois lido pelo Aiatolá Khamenei, que disse a Hamedani que consultasse Nasrallah, o qual – segundo o livro – estava “encarregado de todas as políticas do Eixo da Resistência na Síria.” Hamedani tinha mais de 100 propostas de passos a serem dados, além de cinco sugestões principais para os fronts político, econômico, cultural, militar e de segurança. Dado que Nasrallah comandava a operação na Síria, Hamedani e assessores foram ao encontro dele em Beirute. Conversaram, “[da hora] das orações da noite até [a hora] as orações da manhã.” O livro diz que o secretário-geral do Hezbollah entendeu que, naquele momento, não era o caso de tomar medidas políticas, culturais e econômicas. Disse ele: “Bashar Assad e o Partido Baath estão-se afogando, com água já pelo pescoço, num atoleiro. [Os inimigos] Não deixarão pedra sobre pedra até que eles se afoguem completamente.” Hamedani reproduz o que Nasrallah lhe teria dito: “No campo cultural, você quer ensiná-los a rezar? Quer organizar aulas e ensinar a eles? Quer discutir questões da espiritualidade com eles? Agora não é hora para essas coisas. Eles estão-se afogando! No campo econômico, quer costurar roupas para eles? Quer dar comida a eles? Aquela gente está sendo dizimada. Agora, não precisam de comida. No campo político, você quer discutir com eles a estrutura correta para o regime e reformar o regime? Eles agora estão perdendo tudo!” E Nasrallah decidiu: “Primeiro, temos de tirar Bashar e o governo sírio para fora daquele atoleiro; depois vamos lavá-los, arranjar-lhes roupas e comida e pedir que comecem a estudar e fazer as orações na hora certa. Agora é hora tirá-los [do atoleiro]. O movimento estratégico agora é esse.”
O relato de Hamedani, e vários outros, de vários comandantes iranianos, dizem muito sobre a guerra síria e sobre como e por que o Irã está disposto a lutar até o último homem. Hoje, como quando o Irã decidiu entrar na guerra, a República Islâmica continua a entender que entregar Damasco é praticamente como entregar Teerã – e que, seja qual for o preço de envolver-se na guerra síria, jamais será mais alto que o preço de perder a Síria.*****
Muito bom a experiência e as táticas que os Iranianos tomaram para salvar a Síria.