16/4/2021, “Duplo Expresso”, Eduardo Jorge Vior e Pepe Escobar
00:15:55 – Fator Fernandez: o que o Presidente da Argentina articula, discretamente, por Lula internacionalmente 🧐 | Eduardo Vior (https://www.youtube.com/watch?v=DTywFD8gOiA&t=955s)
00:51:10 – “Internacional Progressista”? Parece que sim, mas… cadê o poder que a viabiliza?” | Eduardo Vior (https://www.youtube.com/watch?v=DTywFD8gOiA&t=3070s)
Jorge Eduardo Vior [14’49”], ao vivo, fala transcrita: Boa-noite, Pepe Escobar.
Pepe Escobar [14’14”]: Bela Lugosi is not dead. Aqui, meia-noite e dez. Sou a reencarnação do Peter Murphy, quando falo com vocês. […] Prefiro que o Vior comece, porque preciso que meu jantar baixe um pouco, e eu tenha pronta uma narrativa pra explicar a vocês o que aconteceu essa semana, que foi completamente demente…
Romulus [15’17”]: Ok, então passo a palavra ao Eduardo Jorge Vior, começando por um tema que foi objeto de nossa conversa agora, antes de entrarmos no ar. [Longa fala, que não se compreende completamente, aqui resumida: “O presidente argentino já havia manifestado preocupação com o julgamento de Lula. Hoje cedo, depois do resultado conhecido, Fernandes foi ao Twitter (16’41”) e comemorou que “a Suprema Corte confirmou as nulidades já afirmadas” – embora, na verdade, só tenha confirmado parte delas). E festejou: “Lula recuperou assim todos os seus direitos políticos.” – Também nisso não está correto (…).
A questão é: por que , presidente da Argentina, que é professor de Direito e certamente sabe que não aconteceu o que festejou que tivesse acontecido, escreveu o que escreveu? E o entorno do presidente Lula festeja tanto! Por quê? E o presidente da Argentina tuita, como se fosse vitória cabal e definitiva, o que todos sabemos que não foi. Por quê?
Vior tem uma hipótese. Vamos a ela.
Vior: [18’18”] OK. Essa tem sido nossa discussão aqui. Concordo com você nos termos jurídicos. Mas, tanto Alberto, nesse caso, como também Cristina, no processo sobre o dólar futuro, estão fazendo um discurso performativo.[1] É discurso performativo, porque visa a ‘fazer acontecer’, visa a ter efeito direto na realidade. Nesse caso, parece-me que visam a um efeito internacional.
No caso do Brasil, parece-me que o que Fernandes escreveu nos tuítos é discurso tipo “é mesmo?! Os processos foram anulados… OK. Então, está feito! Como se dissesse: ‘Vamvê agora quem ‘desanula’.”
Como se o resultado só visasse a cancelar antecipadamente qualquer suposta legitimidade de modificações contra Lula que venham a ser feitas nas sentenças.
E aí entra minha segunda pergunta [20’26”], para a qual não tenho resposta: “Será que isso está acertado, será que há acordo já feito para ‘salvar’ uma absolvição de Lula, dentro de um contexto de uma “internacional progressista?” [20’36”]
Nisso, você sabe, você tem o Pepe Mujica, o López Obrador, o Pero Sánchez [presidente da Espanha, do PSOE]. A minha pergunta, porém, é: “Quem está por trás disso?! Digo: é possível, talvez, que haja aí, por trás, algum cara do Partido Democrata (EUA)? [21’03”].
Romulus já me explicou que esse Barroso, que votou com o relator no julgamento de Lula é homem ligado ao Partido Democrata dos EUA. Para mim, a primeira pergunta [21’26”] é: Existe uma alternativa internacional progressista? Eu tendo a pensar que não, não existe. Mas o presidente argentino, López Obrador do México e outros caras estão agindo como se existisse. Acho que existe. Parece que o coordenador é o chileno Marco Enrique Ominami [Partido Socialista].
Romulus [22’18”] Não sei se está formalizado, mas um dos nomes seria Bernie Sanders, do Partido Democrata. Também queria saber se coincide ou não com o “Grupo de Puebla”.
Vior [22’31”] O “Grupo de Puebla” é a versão latino-americana disso. É uma coincidência não formalizada.
Romulus [22’45”] (…)
Vior: Ah, sim, sim, lá havia de tudo! É um saco bem amplo. Sim, sim. Meteram lá todos os gatos. Mas isso ainda não responde a minha pergunta: onde está o poder, por trás disso? [23’28”] Porque a verdade é que esses caras de que falamos até aqui, sozinhos, são nada. São muita língua e pouco som.
Romulus [23’49”] Sobre Barroso, que foi meu professor, dou meu depoimento. É e sempre foi americanófilo, com apartamento nos EUA e dois filhos fazendo graduação em Direito, em Harvard. Sequer poderão ser advogados no Brasil. Norte-americanófilo total. Professor de Direito norte-americanofílico. (…). Foi convidado para ser fiscal das eleições nos EUA. Aí se vê um certo nível de formalização, nessa norte-americanofilia… É íntimo do Deep State. É sujeito que faz palestras no Atlantic Council. No mínimo se pode dizer que Barroso é um cooptado ideológico dos EUA dentro da Suprema Corte do Brasil [24’56”]. Isso é o mais marcante, na participação de Barroso, que é dito e sentido como “o homem de Dallagnol” no STF. (…)
Fato é que Barroso [o ‘semipresente’ naquele tribunal JJJ] quase não participou do julgamento de ontem. Lá pelas tantas, Fux falou de suspender a sessão, porque, disse ele, “Barroso não terá condições de comparecer”. Os demais ministros não quiseram suspender e apressaram-se a declarar os respectivos votos. Pá pum! Saído do éter, pelo celular, eis que Barroso reaparece e vota “com o relator” [25’56”]. Pergunto: por que um filho do imperialismo, ressurge numa votação já decidida, exclusivamente para votar e vota aparentemente a favor de Lula? Simultaneamente, os advogados, os amigos, os jornalistas lulistas e tal, agem como se tivesse havido retumbante vitória, que absolutamente não houve?! [26’50”]
A única coisa que foi dita e reafirmada ontem pelo relator e por todos que ‘acompanharam o voto do relator’ foi “Lula ladrão”, “Lula corrupto”, “Lula chefe de organização criminosa” – expressões que, todas essas estão gritantes e foram repetidas, desde o relator, por todos ou quase todos que “acompanharam o voto do relator”.
O que de fato aconteceu ontem foi a preservação de toda a instrução [27’08”]. A qualquer momento um outro julgamento pode cassar os direitos políticos do Lula, depois de o processo chegar ao tribunal ‘natural’.
Vior: [27’35”] Não posso entrar nos detalhes do caso na justiça brasileira, que não conheço. Tenho muitas informações, mas desconheço detalhes. Mesmo assim, mais que detalhes jurídicos, procuro sempre ver o contexto internacional em todas essas coisas.
Acho que o jogo que está sendo jogado atualmente no Brasil, na Argentina, é parte grande, muito importante, da mudança que está em curso no plano internacional [28’17”].
É parte muito importante porque, na estratégia do Deep State, eles precisam evitar que aconteça uma aliança Brasil-Argentina.
Houve duas viagens, nas últimas duas semanas: (1) a viagem do almirante [28’43”] Craig S. Faller, ainda chefe do Comando Sul dos EUA [USSOUTHCOM], que deve ser substituído pela generala Laura Richardson, nos próximos dias, não sei quando; essa viagem foi o objeto do relatório que Faller fez ao Senado e à Câmara dos Representantes dos EUA [15/4]; e (2) a viagem de Juan Sebastián Gonzales, vice-secretário de Estado assistente para o Hemisfério Ocidental, do Conselho de Segurança Nacional, com Julie Chung, do Departamento de Estado, à Colômbia, Buenos Aires [e ao Uruguai].
Essas duas viagens têm características similares. Primeiro [29’52”]: todos evitaram o Brasil. Nos dois casos, a visita começou em Buenos Aires. Nas duas visitas, os gringos mostraram amabilidade imensa, descomunal… Gentilezas que a Argentina há muitos anos não recebia. Gonzales só pediu à Argentina que não instalássemos o 5G, da Huawei, porque, vocês sabem como é: é instalar o 5G, e os espiões chineses entram no país… [risos] [30’40”].
A resposta de nosso chanceler foi imediata. “Os EUA que devolvam os 36 milhões de vacinas produzidas na Argentina, que eles confiscaram no México. No dia seguinte, prometeram devolver as vacinas. Parece que devem chegar, nos próximos dias.
Eu acho que tanto o julgamento do Lula [31’12”] no STF, como o recuo do Judiciário argentino nas últimas semanas, ante o governo de Fernandes e ante os ataques contra Cristina Kirchner, respondem a uma ‘não política’ [31’45”] dos EUA, para baixar [mostra com as mãos], para diminuir os conflitos com a América Latina. Eles estão, sem dúvida, procurando um canal para se aproximar do Brasil. E talvez esse canal não seja direto. Estão procurando um canal sul-americano (não sei se argentino), para chegar ao Brasil.
No momento, os EUA não têm conexão direta com o Planalto. Talvez com o novo ministro no Itamaraty. Talvez [32’32”].
Fato é que, nesse momento, os EUA não têm a possibilidade política e diplomática (vias militares existem, sim, mas não há vias políticas e diplomáticas) de conversar com o Brasil.
Pepe Escobar [32’52”]: OK, Vior, talvez não tenham mesmo. Mas estão dando ordens. Tudo que você disse está correto. Mas o principal é que Tony Blinken e o Departamento de Estado ordenaram o escorraçamento daquela ‘coisa’ que fazia pose de Ministro de Relações Exteriores. Como sempre: dar ordens é facílimo. Diálogo, como você está dizendo corretamente, não há mesmo, nenhum.
Romulus [33’15”] (…) E Moro participou de reunião de altíssimo nível sobre a Amazônia, com Blinken.
Vior [34’12”]: Dia 26, vai-se celebrar a conferência internacional sobre mudança climática. Biden convidou pessoalmente, por telefone, o presidente argentino Alberto Fernandez, para que participe.
Acho que essa política (muito entre aspas) sobre “mudança climática”, que é política antipetroleiras, que é política para favorecer a Shell, que já fez a conversão de linhas de produção para energias renováveis, é um grande eixo de reorganização do espaço sul-americano [35’03”].
Romulus [35’13] América Latina é a Arábia Saudita do lítio. Queria perguntar a você, Vior: Como está a Bolívia?
Vior [35’55”] Não tenho informação atualizada. Acho que nem toda a legislação ‘revolucionária’ foi revogada, mas também acho que a situação não voltou integralmente ao que havia antes do projeto de Evo. E por uma razão muito simples: o Movimento Ao Socialismo, MAS, está sofrendo derrotas regionais, com perda de controle territorial. A empresa [do lítio] era empresa do estado boliviano, partilhada com o Departamento de Potosí.
Além disso, a Bolívia tem agora, e não tinha naquele tempo, uma dívida com o Fundo Monetário Internacional [36’42”]. A Bolívia portanto precisa dos votos dos países centrais, dentre eles, também a Alemanha, China e EUA, para sair dessa dívida. Não é dívida tão grande e tão grave como a Argentina, mas é uma dívida. Para a economia boliviana, é problema. Acho que haverá processo de concertação difícil, longo, entre Bolívia, Argentina, chineses, alemães, norte-americanos…
Na última conferência da economia do lítio, convocada pelo Ministério da Produção argentino estavam os chineses e os norte-americanos. Porque na Argentina as jazidas de lítio pertencem às províncias [37’43”], nesse caso, pertencem ao governo estadual conservador da província de Jujuy, ao governo estadual conservador da província de Salta e ao governo peronista da província de Catamarca [vide mapa].
Há um jogo muito complexo entre as realidades nacionais, as realidades das empresas e as realidades regionais [38’09”].
Romulus [38’21”] E há a terceira mina de lítio que transforma a América Latina no Oriente Médio da nova matriz energética, que é o Chile. Você falou da proximidade entre Chile e China, que os chineses ajudaram na vacinação. No Chile também há acesso franco, chineses e norte-americanos podem usufruir das jazidas de lítio em projetos de desenvolvimento? Como é no Chile?
Vior [38’42”]: Não sei. Não tenho essa informação sobre o Chile.
Romulus [39’06”]: Pepe, você contou que, como eu, você ficou hipnotizado ouvindo a fala da Cristina Kirchner, no julgamento que se concluiu essa semana. E fiquei frustrado de ver os anos-luz que separam o enfrentamento que se dá à juristocracia na Argentina e no Brasil. Cristina Kirchner às tantas diz: “Há distância monstro entre os cargos eleitos e os cargos ‘de indicação’. Todos os cargos que tive em minha vida foram obtidos em eleições. E vocês, e seus tribunais construíram uma aristocracia totalmente blindada, tão descolada da realidade, que vai chegar um momento da crise em que vocês todos serão demitidos e mandados pra casa.”
E no final, apoteótico, ela disse [40’07”]: “Meus advogados recomendaram que eu exercesse minha prerrogativa de, na qualidade de vice-presidente da República, pedir que esse julgamento fosse adiado. Não concordei. Estou tão confiante no resultado, que quero mesmo é que julguem essa coisa logo, para que eu saia absolvida.” São anos luz de distância em relação ao que se vê no Brasil. Como se explica essa diferença? Afinal, Cristina e Lula governaram ao mesmo tempo, não? [Vior, 40’43”]: “Sim, houve um período, no primeiro mandato”], Pois é. E o que explicaria essa diferença tão grande, no posicionamento político? A que se poderia atribuir o fato de Lula ter tido projeção política tão maior, no Sul Global, que Cristina Kirchner? Pensei em algumas hipóteses: o Brasil é economicamente mais importante que a Argentina; a biografia do Lula também já é coisa épica… BRICS, também, sem dúvida.
Mas aí uma pessoa crítica, disse-me “Veja só: é justamente porque o Lula não radicaliza! Conversa com todos os lados, muito diferente da Cristina K. que nacionaliza, faz e acontece, é óbvio que o imperialismo jamais admitiria que CK alcançasse a projeção de Lula, porque ela enfrenta, é de enfrentamentos, muito mais que ele… Então, Pepe, pergunto: a que você atribuiria o destaque maior que o sistema permitiu a Lula, mas não a Cristina Kirchner?
Pepe Escobar [41’37”] BRICS. E o soft-power do Brasil, dos anos 2000, com Lula presidente. O soft power do Brasil nos anos de Lula presidente foi quase insuperável, sem equivalente em qualquer latitude, que fosse, do Sul Global. Havia Lula, soft power do Brasil e BRICS, juntos. A Argentina não podia competir. Além do fato de que, naquela altura, Argentina estava em posição de pária [42’08”].
E existe uma percepção da Argentina, no Atlanticismo – e isso por influência dos britânicos, fundamentalmente, por razões que o Vior conhece muito melhor que qualquer um de nós, de que a Argentina não seria confiável, de que a Argentina seria instável, de que a Argentina oscila para cima e para baixo, basicamente, uma percepção de que a Argentina não seria parceiro confiável na soi-disant “comunidade internacional.
Dado que essa visão é impingida pela mídia britânica especialmente, ecoada do outro lado do Atlântico pela mídia norte-americana [41’56”] – nada disso jamais se viu contra o Brasil. O Brasil sempre teve aquele capital, futebol, carnaval, belas mulheres, etc., que nunca foi contestado, sequer pelos anglo-norte-americanos. Essa história é extraordinária: um capital de soft power que o Brasil acumulou especialmente nos anos 1960s e começo dos anos 1970s, inclusive antes do “milagre brasileiro” [43’24”]. Com o ‘milagre’, já havia ‘suspeitas’ (tipo “Há o milagre econômico, mas, opa! Ao mesmo tempo é uma ditadura militar”). Os anos 60s do Brasil, incluindo tudo, futebol, bossa-nova, carnaval, belezas naturais etc., etc., aquela coisa esfuziante tropical… Era o sonho tropical, inclusive para as elites anglo-norte-americanas. Nada disso jamais se transladou para a Argentina. Acho que a explicação é essa, explicação mais de soft power que qualquer outra coisa.
Vior [44’08”]: Sim, há o poder do soft-power do Brasil e o fato de o Brasil ser país BRICS, de que falou Pepe. Sim. E há também um aspecto que se vê no modo de ser e de agir das respectivas elites brasileira e argentina. Primeiro: o Brasil tem uma elite, seja um pouco mais liberal, um pouco mais de esquerda, um pouco mais de direita, mas o Brasil tem uma elite. E uma elite internacional [44’34”].
A gestualidade da elite brasileira, “o senhor”, “a senhora”, “doutor” pra lá, “doutora” pra cá… [45’05”] [risos]. Pra nós, argentinos, essas ‘reverências’ dos brasileiros são insuportáveis, é terrível. E, por sua vez, a Argentina é plebeia. Passamos por um longo processo de deslegitimação da república oligárquica, que ainda não foi extinta, mas já não tem legitimidade. E restou-nos um processo cultural e moral, de plebeização. Quer dizer: ninguém manda nos argentinos. No Brasil, vocês dizem “senhor professor”; na Argentina, você diz que é professor e… ok. É professor. Não existe hierarquia, não existe. Há nisso aspectos bons e aspectos ruins [46’05]. Mas é diferença cultural radical entre os dois países.
E isso se reflete-se na percepção internacional, no modo como outros países veem Brasil e Argentina. Pepe falou sobre o mundo ver a Argentina como imprevisível. E, sim, a Argentina é imprevisível [46’27”], também para os argentinos. Há uma capacidade de reação popular – que ainda não é a capacidade para estabelecer um regime diferente. Mas existe uma capacidade de reação, pode-se dizer que na Argentina, a resistência reage. Isso existe, é permanente [46’46”].
E tudo isso gera no campo internacional, para todos os parceiros internacionais da Argentina, uma sensação de perigo [47’03”]. Ninguém sabe para onde vai. O problema parece ser esse.
Além disso, há uma reflexão geopolítica muito importante. O Brasil é, segundo (Nicholas J.) Spykman, o “porta-aviões fixo do Atlântico” [47’32”]. Brasil é a porta para o Atlântico Sul. Brasil é o país mais vizinho da África. Tudo isso é muito importante para britânicos, para norte-americanos. E tudo isso é importante, no jogo atual.
Se você lê os últimos relatórios “World Trends”, o relatório dos generais Faller e Glen D. VanHerck ao Senado, o relatório de ambos à Câmara de Representantes House, o National Security Strategy, todos os últimos relatórios… O que se vê é que falam de meio mundo, mas simplesmente não há referência, nenhuma, ao Brasil, nem uma vez, que fosse. Vê-se que o Brasil é uma grande omissão. Nem uma palavra. Porque nesse momento eles não sabem o que fazer com o Brasil [48’59].
Vior [51’12”] Sim, mas ontem, na entrevista que Lula deu C5N de Buenos Aires, achei muito interessante que o Lula colocou a causa da Lava-Jato no petróleo e no interesse das empresas norte-americanas sobre o petróleo brasileiro. E fez isso logo no início da entrevista. É a primeira vez que vejo o Lula determinar nesse ponto a causa da Lava-Jato. Já sabíamos disso, mas que Lula fale, foi a primeira vez. Não que indique alguma imensa posição anti-imperialista, mas, pelo menos, indica uma posição retórica de diferenciação. Ou seja: vamos falar com os caras, mas…
Por isso eu coloquei no início de nossa conversa, aquela pergunta [52’17”] sobre quem é o poder por trás do progressismo internacional…
Pepe [52’40”] E como você define esse “progressismo internacional”? Uma definição específica.
Vior [52’48”] Não existe. Eu não acredito no pensamento político progressista. Eu não sou progressista. Mas, sim, existem grupos e líderes não só na América do Sul, que se estão qualificando e agindo como progressistas, e que têm organizado o que eles chamam de uma “internacional progressista” [53’16]. Uma configuração retórica que eles mesmos se atribuem. Sim, mas eles estão agindo.
Pepe [53’40”] Me dê um exemplo.
Vior [53’50”] Agiram, por exemplo, no apoio ao México de López Obrador. No apoio a Fernandes na Argentina. No resgate do Evo Morales. Estão agindo também no Chile, no processo Constituinte. Agora estão agindo em apoio a Lula. Estão agindo também em Portugal, na Espanha. Mas isso tudo não é poder, é só ação em campo. Daí a pergunta que propus no início é “Onde está o poder que viabiliza essa internacional progressista?” [54’21”]
Pepe [54’30”] Então minha pergunta é: “Quem são eles?” Nomes, organizações, acrônimos, tudo. Secretariado em algum lugar?
Vior [54’33”] Não. Isso não existe. A coordenação disso, na América Latina é de Marco Enriquez-Ominami. Chileno, mas que não tem existência visível na política chilena. Por isso pergunto: Quem está aí? Não é pergunta retórica. É pergunta sincera [55’14”]. Vejo gente agindo, vejo muitas figuras agindo. Não são políticos secundários, são políticos importantes.
Antes do programa, conversando com Romulus, discutimos o fio de tuítos de Alberto Fernandes sobre o julgamento no STF do Brasil. Fernandes disse que o STF teria anulado os processos, R. me corrigiu, que não, não havia anulado os processos, etc. Mas o que eu disse a R., foi que Fernandes não está dizendo o que diz porque não saiba, por falta de informação. Está fazendo conscientemente um “ato de fala”, sua fala tem intenção performativa[2] [56’42”]. Com sua fala, ele está criando um clima de impossibilidade para qualquer tipo de ‘recondenação’ de Lula. E sabe o que está fazendo. Fernandes conhece o poder performativo das palavras. É professor de Direito. Claro que conhece o efeito performativo de algumas falas. E é professor de Direito Penal há 35 anos. Conhece Direito Penal. Quando faz essa fala é porque está esperando um eco em outros países, na América Latina, em Portugal, na Espanha, talvez até na França.
Volto sempre à minha pergunta, porque, nesse caso, Fernandes está contando com que haja pessoas e autoridades e países com capacidade para reproduzir sua fala e reproduzir ‘o ato’ de tornar impossível uma ‘recondenação’ de Lula [57’43”]. Não se trata de falar ‘errado’ sobre o julgamento. Pode-se dizer que é erro consciente e com endereço certo.
Pepe [58’12’] Parece-me que há um amálgama, de vários atores que podemos identificar. Por exemplo: O Diem25, do Varoufakis. Do lado intelectual, a Chantal Mouffe e o Slavoj Zizek, que estão propondo um left populism; esses propõem o Bernie Sanders como encarnação desse populismo de esquerda. Há egressos da Terceira Via do Tony Blair, que sempre jogam, a porta giratória da London School of Economics. Tem aquele think-tank Demos. Tem o Instituto Nicolas Berggruen [59’24] que é think-tank diretamente ligado ao atlanticismo e aos Masters of the Universe, e que posa como progressista. Há um amálgama, no qual há verdadeiros progressistas. Pode-se dizer que o Zizek é um progressista, com todas aquelas contradições internas hegelianas do Zizek, mas é verdadeiro progressista. E tem-se toda essa gangue pós e trans-Tony Blair que se vão infiltrando e, pelo menos, jogando suas agendas ali. É muito complicado, porque ainda não há a formação prática do que seria a antítese do Steve-Banonnismo [1h00’10”]. Ainda não está formado algum populismo radical progressista alternativo e quase revolucionário. E também não na América Latina.
Vior [1h00’24”] Não há, porque é impossível, Pepe.
[Pepe: Sim, sim, concordo com você]
Vior [1h00’29”] Porque a única possibilidade de movimento… E aqui vou argumentar como peronista teórico: a única possibilidade de articulações populares; atenção, falo de articulações populares, não disse “populistas”,[3] que é coisa diferente. A única possibilidade de articulações populares de esquerda ou reformistas revolucionárias [1h00’48”] é mediante os nacionalismos populares. Então, sem renovação da questão nacional – e como nacional popular –, sem o nacional e o popular, é impossível ter alternativa internacional ao populismo de direita (que, para mim, sim, “populismo” é de direita).
Mas a enumeração que você fez (em 59’24” ss) não indica um poder [1h01’30”].
Romulus [1h01’36”] E follow the money? E olhar quem distribui bolsas de estudo, Soros, Ford Foundation (…). Quero lembrar aqui uma matéria do Le Monde,[4] muito boa, embora sem novidade alguma para nós. Piero Leirner mandou-me a matéria, pelo zzzzup [Romulus lê (1h03’37”)].
Romulus lembra que o título do artigo é paráfrase de Le piège americain, o livro em que se narrou o chamado “caso Alston” – processo de lawfare, em finais de 2014, pelo qual França perdeu para os norte-americanos, uma parte do controle sobre as próprias centrais nucleares. O argumento de Romulus parece ser que, na França, os empresários já “estão ligados”, escaldados pelo “caso Alston” em que os EUA teriam misturado indústrias francesas e militares, para agredir empresas francesas [como, parece, vários grandes industriais franceses estariam dizendo hoje, pelo Le Monde, que teria sido feito também no Brasil, no caso Lava-jato.
Pepe Escobar [1h05’17”] E há algo que ninguém sabe no Brasil, talvez no máximo dez pessoas: essa matéria foi encomendada ao Le Monde pelo macronismo.
Vior [1h05”26] Agora, sim, estamos chegando no que me interessava descobrir…
Pepe Escobar [1h05’30”] E tem mais, embora ninguém saiba no Brasil, no máximo dez pessoas: Le Monde e o macronismo vivem em situação de incesto. Desde o começo. O conselho de administração do Le Monde fez parte da ‘fabricação’ de Macron. Aí está algo que você não vai saber em Brasília, em São Paulo ou no Rio. É coisa que só se sabe em Paris. Et voilà.
Vior [1h06’00”] Isso, Pepe, coincide com sua pergunta da semana passada, sobre o papel dos Rothschild.[5]
Pepe Escobar [1h06’38] E tem uma história incrível… Como eu disse, depois de me banir definitivamente, Facebook afinal compilou minha informação e mandou-me dois files gigantes com tudo que publiquei lá, em 13 anos. Agora, ouvindo você, Vior, falar dos Rothschild, lembrei que achei lá, naquele material que Facebook me mandou agora, os posts que escrevi, ano passado. E encontrei um post sobre Lady Lynn Forester de Rothschild [mulher do presidente do NM Rothschild Banco de Londres, Sir Evelyn de Rothschild], com Bergoglio, o Papa, de quando lançaram aquele Conselho de Capitalistas [1h07’05”]. Um dos meus banqueiros em New York, que fazem circular minhas colunas do Asia Times pelos gabinetes dos Masters of the Universe disse que Evelyn Rotschild está na lista dele [1h08’00”]. Tudo está sempre interligado… Não há ‘conspirações’: tudo está sempre interligado mesmo. Engdahl tem coluna detalhada sobre isso (“The Dangerous Alliance of Rothschild and the Vatican of Francis” F.William Engdahl, 28/12/2020, New Eastern Outlook). Escrevi sobre isso no Facebook. E agora, depois de censurado, afinal, Facebook me ‘devolve’ minha matéria[6]… [risos].
Isso também ninguém sabe no Brasil: “Teoria da Conspiração”, a Conspiracy Theory, é conceito inventado pela CIA, depois da morte de Kennedy. Foi conceito inventado para conseguir acabar com todas as especulações sobre a morte de Kennedy. Tudo que aconteça a partir de 1963, se escapa da narrativa oficial, é Teoria da Conspiração. É isso! Você tem de ir atrás dessas conexões.
[1ho8’42”] Por exemplo: por que Lady Lynn de Rotschild vai propor ao Papa, um Conselho de Capitalismo Inclusivo? É o que se tem de explicar: por que uma mulher casada com um dos donos da riqueza planetária, vai propor ao Papa uma aliança para renovar o capitalismo? Porque ‘os donos’ da riqueza mundial sabem que o capitalismo como o conhecemos agora está extinto [1h09’09”]. Ah! Precisamos de aliados. Onde estão nossos aliados? Ah! Já sei! Estão na Igreja Católica, estão entre uma parte da elite russa, os 5ª-colunistas, uma parte da elite chinesa, e por aí vai, estão lá, na nossa colônia brasileira…
Vior [1h09’30”] Tenho de sair, mas antes de ir embora, Pepe, quero fazer a você uma pergunta muito específica, mas que acho que pode ser importante. A pergunta tem duas partes:
(1) Você viu a crise dos migrantes na fronteira sul dos EUA, com o México. O governo de López Obrador manobrou contra a Roberta Jackobson, até que Biden tirou Roberta Jackobson do controle da questão dos migrantes na fronteira sul, e pôs Kamala, no lugar da Roberta [1h10’14”]. E agora, todos os jornalistas de Washington estão cobrando dela, Kamala, uma conferência de imprensa só sobre a questão da fronteira. E assessores da Kamala só respondem aos jornalistas que “a missão da vice-presidenta é múltipla, está encarregada de várias questões complexas. O presidente pediu a ela que se ocupasse do triângulo norte [1h10’42”], não só da fronteira. E também que se ocupasse da vacinação, do problema energético… a tal ponto que a vice-presidenta não tem tempo para comparecer a uma conferência de imprensa sobre a fronteira… [risos]
E o México tem também grande atrito energético com os EUA.
Estou achando que López Obrador está usando a crise da imigração, para pressionar os EUA; e, em relação ao atrito energético com o México, sabe-se que o México tem relação importante com a China, e que atualmente se está intensificando.
(2) Pergunto a você: quem, em Washington [1h11’48”] está querendo tirar Kamala Harris do jogo? Tenho de perguntar, porque dar a alguém a ‘missão’ de intervir naquela crise de migrantes no sul dos EUA, é fritar o sujeito; nesse caso, Kamala. Porque é missão impossível: ninguém pode resolver a questão migratória.
Pepe Escobar [1h12’46”] Pergunta interessantíssima. Porque Vior chama a atenção para as fissuras internas do Partido Democrata. Há uma ala anti-Kamala, que estava nas sombras, e agora saiu das sombras…
Vior: Não é “uma” ala: são várias! Porque a esquerda Democrata é contra Kamala. Mas também a direita Democrata no Senado é contra Kamala [1h13’27”]. Esquerda e direita dos Democratas unidas contra Kamala. (…)
Romulus [1h16’31”] O caso da Alston trazido à baila pela matéria de Le Monde, onde é lembrado como caso de corrupção profunda em lawfare dirigido contra empresas nacionais francesas, em tudo idêntico ao ‘caso Lava-Jato’ no Brasil, em que o lawfare foi dirigido contra empresas nacionais brasileiras, para destruí-las); e, precisamente, no Le Monde, veículo ‘arrendado’ à Federação das Indústrias da França, aponta muito diretamente para a pergunta do Vior. Será que aí está o poder que estaria animando a formação de uma frente internacional progressista, pelo qual Vior pergunta desde o início da conversa de hoje?
[1h19’00”] Acrescento que acho que essa história da Ucrânia visa a levantar suspeitas semelhantes, no plano europeu, contra o Foreign Corrupt Practices Act (Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, lei federal dos EUA, de 1977). Me parece que é Macron pedindo à Merkel, a Bruxelas, que avancem nessa solução europeia contra a Lei norte-americana de Práticas de Corrupção no Exterior. E no Le Monde, veículo ideal para lançar essa campanha.
Pepe Escobar [1h19’35”] Corretíssimo. Faz perfeito sentido.
Vior [1h19’42”]. E assim me despeço, queridos companheiros, até a próxima semana. [Vior deixa a sala, 1h20’01”].*******
[1] Em Linguística e Filosofia da Linguagem, diz-se que um enunciado é “performativo”, quando o ato de enunciar modifica a realidade; são falas que equivalem a uma ação. Diz-se que uma fala tem “efeito performativo” quando ela “faz acontecer”. Por exemplo: o juiz de paz diz “Eu vos declaro marido e mulher” e é essa fala que efetivamente faz o casamento. Alguém diz “prometo comprar uma casa para nós”, e a promessa modifica o mundo circundante. Esse fenômeno linguístico passou a ser estudado numa disciplina conhecida como Pragmática Linguística, a partir dos trabalhos de John Austin (mais, aqui) [Nota dos linguistas da Vila Mandinga].
[2] Ver nota 1.
[3] Aqui Vior vê o que, parece, só ele vê, aí em espanhol, porque em português do Brasil só o Coletivo de Tradutores Vila Mandinga parece que vê: há diferença essencial entre “populista” e “popular”, que tradutores desatentos e mal informados simplesmente apagam, fazem como se não existisse, quando traduzem o adjetivo populist (ing.), por “populista”. Temos traduzido populist (ing.) por “popularista”, com a seguinte nota:
“Popularista” é tradução tentativa. Ajuda, como hipótese de trabalho, a lembrar que “populist” (ing.) não corresponde ao substantivo “populista”, que em português culto do Brasil contemporâneo tem frequentemente fortes traços semânticos pejorativos (como só Vior até agora disse com clareza, “populismo é de direita”). Comentários e correções são bem-vindos (NTs).
[4] “Lava Jato”, the Brazilian trap” [Lava-Jato, a armadilha brasileira], Nicolas Bourcier et Gaspard Estrada, Publié le 11 avril 2021 à 08h16, Mis à jour [atualizada] le 12 avril 2021 à 12h28, aqui (fr., para assinantes).
[5] Dia 9/4/2021, Pepe perguntara a Vior: “Por que Bergoglio está envolvido com os Rotschild, naquele Conselho de Capitalistas Inclusivos”? Duplo Expresso, 9/4/2021, [1h14’22”] [Nota dos editores].
[6] O texto de Pepe, publicado em Facebook e agora reencontrado, é o seguinte, aqui traduzido de registro feito no momento da publicação, infelizmente para nós, sem data:
“Vocês já ouviram falar de como a tãããããão suave Lady Lynn de Rotschild – nascida proletária de New Jersey, mas subsequentemente casada com o uber-bilionário e presidente do Banco NM dos Rotschild de Londres, hoje com 90 anos, Sir Evelynn de Rotschild – criou o Conselho pró Capitalismo Inclusivo, com cast de “Guardiões” multibilionários, e hoje já totalmente aliado com o Great Reset do Fórum Econômico Mundial de Herr Schwab, para “reformar o Capitalismo… Taí! O que poderia dar errado?! (…).[Nota dos editores].
Destribuido por Vila Mandinga