Obama redescobre a ‘diplomacia’

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Por Nathaniel Braia.

Na noite de terça-feira Obama apareceu na TV americana exibindo um outro tom. Agora já não se tratava mais da chuva de mísseis Tomahawks a partir de destroyers fundeados a leste do Mediterrâneo sobre a Síria, para “punir” Bashar Al Assad. O carniceiro de Benghazi agora, saindo do Salão Oval da Casa Branca, falava em “luz no fim do túnel” e “dar vez à diplomacia”. A votação no Congresso para autorizar o ataque está – pelo menos por agora – suspensa.

Mas se a Rússia vem insistindo na chamada “iniciativa de Genebra” há mais de ano, por que só agora surgiu a tal da via diplomática? O que mudou?

A Casa Branca mandou seu secretário de Estado, John Kerry, ao Congresso para discorrer sobre o suposto massacre à base do gás Sarin que as Forças Armadas sírias teriam perpetrado. A exemplo de David Cameron diante do parlamento inglês, nenhuma prova foi mostrada. Disse que as evidências colhidas pela ‘inteligência’ eram ‘extremamente convincentes’. Quando deputados, a exemplo do democrata Kucinich, as pediu, disse que ‘razões de segurança’ impediam que ele as apresentasse. Foi a gota d’água.

No dia anterior, a Reuters, através de pesquisa do Instituto Ipsos, divulgava que 63% dos norte-americanos eram contra o ataque e que só 16% estavam a favor da ‘solução Tomahawk’. Mesmo quando a pergunta era estimulada na direção do apoio à agressão, ou seja, quando se vinculava o ataque a massacres com gás Sarin, o apoio ao ataque não passava de 26%.

As reportagens sobre a tendência dos congressistas norte-americanos apontavam para uma derrota de Obama. Davam conta de 149 deputados contra a intervenção enquanto que 102 já diziam que não votariam a favor da proposta. Número suficiente para barrar a decisão. Só 23 afirmavam sua decisão de votar a favor do ataque no Senado. Isso significava que 28 dos 39 indecisos teriam que se definir a favor do bombardeio para que este passasse na Câmara alta. O governo inglês tentara ajudar, mas o parlamento lhe negou autorização, derrotando o primeiro-ministro na sua presença.

Hollande – ridicularizado por chargistas e demais humoristas como o lacaio-mor dos EUA, de plantão na Europa – que no primeiro momento havia dito que estava com armas e bagagens na refrega, já falava em participação militar somente com apoio do Conselho de Segurança da ONU. Em meio a protestos nos quatro cantos do mundo – no Brasil em 7 capitais, inclusive em Washington, Nova Iorque e nas principais cidades dos EUA, Obama entrou mal no G-20 e saiu pior ainda.

Para ele o assunto da Síria não seria nem ventilado em São Petersburgo (local onde o encontro se realizou, desta vez). Mas os cruzadores já singravam os mares Negro e Báltico para reforçar a frota russa nas costas da Síria quando Putin abriu o encontro declarando-se contra o ataque “a menos que fossem apresentadas provas diante do Conselho de Segurança da ONU” – as mesmas que Kerry não conseguiu apresentar no Congresso de seu próprio país – e destacando que a ideia de que o governo sírio teria atacado com gás Sarin nas cercanias de Damasco, assim que a missão de investigação da ONU acabara de chegar ao país “fugia a qualquer noção de senso comum” e alertando para as imprevisíveis consequências de um ataque deste tipo que “ultrapassaria fronteiras e incendiaria o Oriente Médio”.

De todos os países presentes ao encontro dos G-20, só quatro se disseram engajados na aventura mediterrânea de Obama: a Arábia Saudita, França, Turquia e Canadá. Só que, logo depois Hollande (como já vimos) começou a titubear e o Canadá passou a apoiar a ação diplomática. Pelo menos é o que jurou de pés juntos o seu ministro do Exterior, John Baird, “desde o início dissemos que o único caminho para deter a violência na Síria era através de uma solução política”.

Todos os BRICS, durante o G-20, se colocaram fora do ataque, sem passar pela ONU. Todos os que querem a paz e defendem o direito do povo sírio à decisão soberana sobre seu destino, se perguntam sobre a extensão do recuo de Obama; se seria uma manobra tática para um ataque logo a seguir. Não temos a bola de cristal capaz de decifrar este futuro, mas o que não pode restar mais dúvida é que a suspensão do bombardeio se dá num quadro em que a estratégia norte-americana de apear o presidente Bashar Assad do poder pela força sofre mais uma derrota. Primeiro foi e tem sido a virada sobre os dezenas de milhares de mercenários treinados pela CIA. Até a mídia norte-americana dá conta de que eles estão perdendo terreno – aliás a corrida aos Tomahawk não é por outro motivo. Segundo, a rápida desmoralização da farsa com as armas químicas sem provas (um filme dejá vu antes do ataque de Bush ao Iraque). Terceiro, assim que Kerry falou em “uma semana para que Assad entregue as armas químicas”, desde Moscou, os ministros do Exterior da Rússia (Lavrov) e Síria (Moallem) deram declaração conjunta sobre a disposição síria de submeter as armas químicas do país à supervisão internacional para posterior destruição. Por fim, a decisão internacional crescente de uma saída política e diplomática para a crise que os EUA, via CIA e petromonarquias do Golfo, instalaram na Síria.

Por via das dúvidas, Putin foi firme em artigo no New York Times desta quarta: “É alarmante que intervenções militares em conflitos internos em países estrangeiros tenha se tornado lugar comum para os Estados Unidos. É este o interesse de longo prazo dos EUA? Eu duvido”.

Nathaniel Braia é editor internacional do Hora do Povo.

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