Substância suspeita de ter provocado megaexplosão no Líbano foi largamente usada pela Alemanha na fabricação de explosivos na 1° Guerra. Em 1921, “berço industrial” alemão voou pelos ares, deixando mais de 500 mortos.
Quarta-feira, 21 de setembro de 1921, 7h32. Em Munique, ouviram-se dois sons abafados. Não muito altos, mas fortes o suficiente para que as pessoas se perguntassem de onde teriam partido e o que estaria por trás deles. A resposta só se tornou conhecida horas depois.
A cerca de 300 quilômetros de distância, em Oppau, hoje um distrito de Ludwigshafen às margens do rio Reno, havia ocorrido uma explosão estrondosa em uma unidade da empresa Basf (sigla de Badische Anilin & Soda Fabrik).
No lugar da explosão, abriu-se uma cratera de 90 metros de largura, 120 metros de comprimento e 20 metros de profundidade. Morreram 561 pessoas e 1.952 ficaram feridas.
Foram registradas duas explosões – uma inicial de menor intensidade e, em seguida, uma gigantesca, que devastou a fábrica e parte da região. Pelo menos 1.036 prédios foram completamente destruídos a 600 metros do centro de explosão, e outros 928 foram seriamente danificados a uma distância de até 900 metros. Quase todas as pessoas que moravam em Oppau ficaram desabrigadas. A onda de choque ainda destruiu os vitrais medievais da Catedral de Worms, a 13 quilômetros.
A causa: o manuseio irresponsável do principal produto fabricado nesta planta da Basf: uma mistura de sulfato de amônio e nitrato de amônio usada como fertilizante.
O nitrato de amônio (NH4NO3) é justamente apontado como o responsável pela megaexplosão que ocorreu em Beirute na terça-feira (04/08). Quase 100 anos antes, ele já provocara destruição na Alemanha, quando seus riscos ainda não eram completamente conhecidos.
O nitrato de amônio sintético era um carro-chefe da Basf. Foi justamente na fábrica de Oppau que a amônia, um dos materiais necessários para sua produção, começou a ser sintetizada em escala industrial, em 1913. A sintetização artificial do material e outros derivados de amônia teve origem em experimentos dos cientistas alemães Fritz Haber e Carl Bosch entre 1908 e 1912, um processo que logo foi adquirido pela Basf.
A descoberta seria crucial para o governo da Alemanha nos anos seguintes, já que o nitrato de amônio não é apenas usado em fertilizantes, mas também em explosivos. Antes dessa descoberta, as potências europeias dependiam das minas de nitrato de sódio no Chile. Isolada por um bloqueio naval dos aliados na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha ficou sem acesso ao nitrato sul-americano. A solução foi expandir a produção sintética.
Mas foi justamente a natureza explosiva do material que traçou o caminho para a tragédia de 1921. Depois da guerra, com a Alemanha derrotada, a Basf se voltou para a produção de fertilizantes.
A mistura de sulfato de amônio e nitrato de amônio, no entanto, tinha um problema. Ela tendia a se solidificar nos imensos tanques e depósitos na fábrica.
Para conseguir manusear o material, golpes de picareta não eram suficientes. Os funcionários passaram então a realizar pequenas explosões controladas nas pastas de fertilizante. À época, cientistas acreditavam que uma mistura com menos de 60% de nitrato de amônio era segura. A Basf usava uma mistura de 50%, que parecia ainda mais inofensiva. Antes da megaexplosão, a Basf já havia realizado cerca de 20 mil pequenas detonações no seu imenso “mingau” de fertilizantes em Oppau.
Mas, com o tempo, outros processos industriais que passaram a ser aplicados, como uma nova etapa de secagem, alterando a mistura, que passou a se tornar potencialmente mais explosiva. Para piorar, o entendimento de que uma mistura com menos de 60% de nitrato de amônio era “segura” era incorreto. Um fertilizante com mais de 55% da substância já tinham maior chance de explodir.
Havia cerca de 4.500 toneladas de fertilizante na planta no dia da tragédia, mas apenas 10% desse material efetivamente explodiu. Acredita-se que havia vários bolsões mais ricos em nitrato de amônio na montanha de fertilizante.
As explosões de rotina não suscitaram a desconfiança de que uma catástrofe de tal porte pudesse ocorrer, segundo Rolf Haselhorst, do corpo de bombeiros da Basf.
“Em princípio, naquela época, não existia nenhuma experiência que demonstrasse que tal processo de explosão – aplicado erradamente – pudesse levar a grandes danos. O nível de conhecimentos ainda não era tão alto. Tratava-se de um produto que começara a ser fabricado cinco ou seis anos antes. Mas o problema da sua petrificação nos grandes depósitos já era conhecido há muito tempo e, durante anos, fora solucionado com as explosões. Por isso, não se tinha consciência dos efeitos que elas podiam provocar. Hoje, existem processos de explosão aplicada, examinados e aprovados pelas autoridades de segurança da Alemanha, que são utilizados com êxito.”
Dois meses antes da explosão de Oppau, 19 operários já haviam morrido na explosão de um vagão repleto de nitrato de amônio em uma fábrica da Lignose AG na então cidade alemã de Kriewald (hoje Krywałd, na Polônia). O acidente teve o mesmo percurso; uma pequena detonação intencional para soltar a mistura. No entanto, a Basf só tomou conhecimento desse acidente depois de sofrer a sua própria tragédia, um sinal de como eram as condições industriais à época.
Já o acidente de Beirute parece indicar que os cuidados com o material, especialmente a questão do seu armazenamento em grandes quantidades, continuam insuficientes em lugares do mundo.
Em 1921, o acidente de Oppau despertou boatos no exterior, especialmente porque a Alemanha ainda era vista como uma inimiga três anos depois da Primeira Guerra. Jornais estrangeiros chegaram a apontar que a explosão teria sido causada experimentos secretos de novas armas, feitos em segredo. Muitos pareciam não acreditar que um fertilizante seria capaz de provocar uma explosão dessa escala.
Ainda houve especulações de que a explosão ocorreu num depósito de armas. “Quando se considera a existência de uma facção militar vingativa na Alemanha que busca outra guerra para restaurar seu poder maligno, (…) não é inconcebível que o desastre de Oppau possa ter sido causado por experimentos secretos”, publicou o jornal americano New York Times, em outubro de 1921.
No entanto, nenhum serviço de inteligência estrangeiro confirmou a suspeita. Hoje, o acidente de Oppau é estudado rotineiramente por técnicos de segurança industrial.
Há diversos memoriais em Oppau que lembram a catástrofe. O funeral das vítimas contou com a presença do então presidente alemão Friedrich Ebert. Uma multidão de 70.000 pessoas acompanhou o enterro das vítimas no cemitério de Ludwigshafen.
JPS/ots
Publicado por Deutsche Welle , 5/8/2020