O mandado de prisão do TPI para Netanyahu e Gallant lançou um holofote ofuscante sobre os crimes de guerra de Israel, marcando um grande passo legal para responsabilizar Tel Aviv por suas atrocidades em Gaza, ao mesmo tempo em que abalou os corredores da diplomacia internacional.
Hussein Mehdi
24 DE NOVEMBRO DE 2024
“A decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) é um dos maiores desenvolvimentos legais na história de Israel. Os 124 estados-membros do tribunal serão legalmente obrigados a prender Netanyahu e Gallant se eles entrarem em seu território… e pode ter repercussões mais amplas que limitam a capacidade de terceiros de cooperar com o exército israelense.”
Foi assim que Eliav Lieblich, professor de direito internacional na Universidade de Tel Aviv, resumiu as potenciais consequências da emissão de mandados de prisão pelo TPI para o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant.
A decisão marca um passo histórico em direção à justiça internacional para a causa palestina após décadas de impunidade para a liderança israelense, especialmente dada a imensa pressão de Tel Aviv e seu aliado dos EUA sobre o promotor e os juízes do TPI.
As acusações contra Netanyahu e Gallant os responsabilizam por atos de tortura, violência, assassinato, estupro e destruição de propriedade pelas forças de ocupação sob seu comando.
O tribunal encontrou “motivos razoáveis para acreditar que os réus intencionalmente e conscientemente privaram a população civil de Gaza de coisas necessárias para sua sobrevivência, como comida, água, remédios e suprimentos médicos, bem como combustível e eletricidade, de pelo menos 8 de outubro de 2023 até 20 de maio de 2024.”
Também observou que “ao restringir ou impedir a chegada de suprimentos médicos e medicamentos a Gaza — incluindo materiais e máquinas de anestesia — os dois réus são responsáveis por infligir grande sofrimento por meio de atos desumanos contra pessoas que precisam de tratamento”.
Os mandados de prisão podem ser executados?
O TPI não tem seu próprio braço de execução, contando com os estados-membros para agir. Uma vez emitidos os mandados de prisão, eles se tornam vinculativos para os 124 países que são parte do Estatuto de Roma. Se Netanyahu ou Gallant visitarem qualquer um desses países, as autoridades locais são obrigadas a detê-los e enviá-los para Haia. A história mostrou que tais mandados limitam significativamente as opções de viagem para líderes indiciados, que correm o risco de serem presos em países participantes.
Mas o que acontece se alguns países se recusarem a cumprir? O especialista em direito internacional Dr. Mohamed Habhab informa ao The Cradle que as decisões do TPI são vinculativas para os membros da Assembleia Geral, com três respostas possíveis se um país se recusar a implementar os mandados:
Primeiro, se o Conselho de Segurança da ONU encaminhar um caso ao TPI, o Conselho de Segurança pode tomar medidas adicionais contra os países que não cumprirem a decisão do tribunal. Isso significa que o CSNU tem autoridade para impor medidas ou sanções a países não conformes para garantir a execução dos mandados de prisão.
Segundo, quando o promotor inicia um caso, a Assembleia dos Estados Partes do Estatuto de Roma pode tomar medidas contra os países que se recusam a cumprir. Isso significa que a Assembleia, que consiste em representantes de todos os países membros, pode pressionar os estados não conformes tomando as medidas apropriadas, que podem incluir medidas diplomáticas ou sanções.
Terceiro, se os próprios estados membros encaminharem um caso ao TPI, como aconteceu no caso dos mandados de prisão contra Netanyahu e Gallant, as ações podem ser buscadas por meio da Assembleia dos Estados Partes ou do CSNU. Isso significa que os estados-membros de referência, juntamente com a Assembleia, podem pressionar coletivamente pelo cumprimento e garantir que os mandados de prisão sejam implementados.
Habhab acredita que, embora seja improvável que Netanyahu seja visto atrás das grades em breve, a decisão do tribunal é uma “vitória moral” para a causa palestina e pode ser usada para construir a opinião pública global contra o estado de ocupação. Além disso, legalmente, pode abrir caminho para que mais estados compilem casos conjuntos sobre outros crimes cometidos pelas forças israelenses.
Além do encaminhamento inicial pela Palestina, o TPI recebeu mais encaminhamentos da África do Sul, Bangladesh, Bolívia, Comores, Djibuti, Chile e México, indicando um esforço internacional crescente para responsabilizar Israel por sua criminalidade flagrante e generalizada em Gaza.
Pressão internacional crescente
Embora Netanyahu e Gallant possam evitar a prisão em países aliados a Israel, os mandados do TPI criam um grande problema diplomático para Tel Aviv. O ministro das Relações Exteriores da Áustria chamou os mandados de prisão de “incompreensíveis e ridículos”, mas, mesmo assim, reiterou o comprometimento de seu país com o direito internacional.
Da mesma forma, o ministro da defesa da Itália disse que a Itália atenderia à demanda do TPI se Netanyahu ou Gallant chegassem, apesar de chamar a decisão de “errada”. O ministro das Relações Exteriores também declarou: “Apoiamos o TPI… o tribunal deve desempenhar um papel legal e não político”.
O primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, respondeu “Sim, absolutamente”, quando perguntado se a Irlanda prenderia Netanyahu. “Apoiamos tribunais internacionais e aplicamos seus mandados”, disse ele.
O vice-primeiro-ministro da Espanha e ministro do Trabalho também apoiou essa posição, enfatizando que a Espanha sempre está do lado da justiça e do direito internacional, e que o crime de extermínio do povo palestino não pode ficar impune.
O Reino Unido — um dos principais aliados de Israel — deu a entender que Netanyahu pode ser preso se viajar para lá. Como o porta-voz do primeiro-ministro britânico Keir Starmer declarou esta semana: “Há um mecanismo legal claro que deve ser seguido”, acrescentando: “O Reino Unido sempre permanecerá comprometido com as obrigações legais estipuladas no direito nacional e internacional”.
Por sua vez, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, afirmou que seu país, como um dos membros fundadores do TPI, defende o direito internacional e adere a todas as decisões e decisões emitidas pelo tribunal. “É realmente importante que todos cumpram o direito internacional”, disse Trudeau.
Outros países, como Suíça, Holanda e Suécia, confirmaram que cumpririam seus deveres legais sob o Estatuto de Roma, o que significa que Netanyahu e Gallant enfrentam um alto risco de prisão se entrarem nesses estados. O chefe de política externa da UE, Josep Borrell, também declarou que a decisão do TPI de prender a dupla é “vinculativa” e os estados-membros do tribunal devem “respeitar e implementar a decisão”.
Por outro lado, alguns aliados israelenses, como Hungria e Argentina, se recusaram abertamente a implementar as ordens de prisão do TPI. Em resposta, grupos de direitos humanos aumentaram a pressão.
‘PROCURADO’
A Anistia Internacional (AI) declarou que Netanyahu era “formalmente procurado”, instando os países a levá-lo perante juízes independentes. A Human Rights Watch também expressou apoio aos mandados, criticando as tentativas de Israel de obstruir a justiça. Como a Secretária Geral da Anistia, Agnès Callamard, disse agora:
“O Primeiro Ministro Netanyahu agora é oficialmente um homem procurado. Após sua acusação, bem como as acusações de Gallant e Mohammed al-Masri, comumente conhecido como Mohammed Deif, os estados-membros do TPI e toda a comunidade internacional não devem parar por nada até que esses indivíduos sejam levados a julgamento perante os juízes independentes e imparciais do TPI. Não pode haver ‘porto seguro’ para aqueles que supostamente cometeram crimes de guerra e crimes contra a humanidade.”
A Human Rights Watch (HRW) disse que a decisão dos juízes do TPI de emitir mandados de prisão contra dois altos funcionários israelenses merece apoio internacional, e que esses mandados são de particular importância em vista das tentativas descaradas de Israel de obstruir o curso da justiça no tribunal.
Uma coalizão de 11 ONGs, incluindo a Liga Francesa pelos Direitos Humanos, pediu ao governo francês que prendesse Netanyahu e Gallant se eles pisassem na França, enfatizando que os mandados do TPI ressaltam a necessidade urgente de sanções contra autoridades israelenses.
Isso ocorreu depois que o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores francês, Christophe Lemoyne, durante uma entrevista coletiva, evitou dar uma resposta clara sobre se seu país implementaria o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional e disse: “É um ponto complexo do ponto de vista legal”.
Previsivelmente, a decisão do TPI gerou indignação em Israel. Netanyahu e outras autoridades rotularam a ação de “antissemita” e “vergonhosa”. O presidente dos EUA, Joe Biden, também criticou a decisão, reiterando o apoio de Washington ao “direito de Israel de se defender”. No entanto, isso não diminuiu as potenciais implicações dos mandados.
Mesmo que Netanyahu e Gallant nunca enfrentem um julgamento em Haia, este momento serve como um poderoso lembrete de que a pressão internacional pode mudar a narrativa, e que a busca por justiça, por mais lenta que seja, é atingível. A luta palestina por reconhecimento e responsabilização deu um passo significativo à frente, e o mundo está observando atentamente para ver o que vem a seguir.
As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente as do Oriente Mídia
Fonte :The Cradle