Os meios de comunicação, do ponto de vista da teoria liberal burguesa, seriam os guardiões do interesse público, sempre buscando desmascarar o poder. Mas essa visão romântica nada mais é do que uma forma de encobrir seu envolvimento intrínseco com o poder político e econômico, sendo um instrumento de controle ideológico. De acordo com Noam Chomsky [1], “a mídia reflete consistentemente a opinião da elite”.
Eduardo Vasco
Pravda
A mídia (entendida aqui como os meios de comunicação hegemônicos, de massa) serve a determinados interesses: os das corporações privadas, comandadas pelos poderes econômicos que controlam também o poder político, os governos. Pensando especialmente nos Estados Unidos, maior potência mundial, Chomsky afirma: “a mídia nos Estados Unidos serve aos interesses do poder do Estado corporativo, são órgãos de propaganda, como de fato era de esperar que fossem.”
Assim, se o que interessa à empresa privada, a quem a mídia serve, é o lucro, suas ações são tomadas para defender seus lucros e conseguir ainda mais. Tudo o que significar ameaça aos seus lucros será rechaçado e o que significar benefício aos seus lucros será bem-vindo. Mas muitas vezes esses interesses são pensados a longo prazo, ou seja, em certos momentos os benefícios a curto prazo podem ter de ser deixados de lado para fazer alguma concessão às reivindicações da sociedade, a fim de que seu poder seja mantido. Para Chomsky, a função da imprensa “é impedir que as pessoas entendam o mundo e mantê-las doutrinadas”, portanto, “há algumas coisas que são mais importantes do que os lucros, como manter todo o sistema de poder”.
A imprensa dos EUA noticia o que é de interesse do governo dos EUA, fortemente ligado ao poder econômico. Sendo assim, Chomsky oferece alguns exemplos de distorção dos acontecimentos e influência no pensamento da audiência na tentativa de entorpecer a opinião pública e convencer que as ações do governo são legítimas.
Então, no caso de guerras que envolvem os EUA, pode-se perceber o funcionamento da cobertura midiática a partir de exemplos fornecidos pelo intelectual. “Se você noticia atrocidades cometidas por guerrilheiros, só do que precisa é de um depoimento do tipo ‘ouvir dizer’. Se você falar sobre tortura cometida por um oficial militar norte-americano, vai precisar de videoteipes”, afirma o autor.
Mesmo as supostas críticas da imprensa às ações do poder são feitas dentro de um limite aceitável, que não comprometa o sistema. Estabelece-se uma estrutura em que são discutidas as diversas opiniões dentro desse limite, seja à esquerda ou à direita, mas sem sair do sistema. Mas a mídia acaba infundindo “nas mentes das pessoas como sendo todo o espectro possível de opinião que existe”. Continua Chomsky:
“Portanto, vejam, em nosso sistema, o que poderia ser chamado de ‘propaganda do estado’ não é expresso como tal, como seria em uma sociedade totalitária – antes, é implícito, é pressuposto, fornece a estrutura para debate entre as pessoas que são admitidas na discussão predominante.”
Durante a Guerra do Vietnã, por exemplo, as críticas admitidas na imprensa estadunidense não eram contra a guerra, mas sim contra a maneira como ela estava sendo travada. O problema eram os erros cometidos pelas Forças Armadas dos EUA, que não estavam sendo tão eficientes como se esperava. Chomsky observa a respeito da cobertura do New York Times:
“Nunca houve um colunista crítico. Omitiram conscientemente as ações do governo dos EUA. Quando você olha em retrospecto os repórteres que considerávamos críticos […] você descobre que o que estavam criticando eram as falhas – eles estavam dizendo: ‘É claro que é uma causa nobre, e nós queremos vencer, mas vocês, rapazes, estão pondo tudo a perder. Combatam melhor.’ Era esse tipo de crítica.”
Para intervir em um país, por exemplo, a mídia constrói uma imagem desse país de acordo com o que o governo dos EUA quer que seja dito, “a fim de mobilizar histeria popular suficiente para que o povo aqui seguisse sua política”. Ou seja, a mídia prepara o terreno para que a intervenção tenha a menor oposição popular possível.
Uma das maneiras de preparar esse terreno é criando estereótipos do lugar a ser atacado. E estereótipos são difundidos desde cedo, não apenas pelos meios de comunicação mas também pelas instituições culturais, por exemplo. Assim, contos de fadas, livros escolares, novelas, peças de teatro ou mesmo frases e imagens plantam uma “preconcepção” nas mentes dos indivíduos, segundo Walter Lippmann [2].
Isto é, cada um tem seu repertório pessoal, pré-conhecimentos, preconceitos, imagens mentais construídas a partir do que ouve falar, lê ou assiste pela televisão. Tudo isso cria estereótipos, ou seja, como a própria palavra já indica, a forma pré-concebida que temos de algo que é estranho a nós.
Isso faz com que enquadremos em uma classificação certos tipos de pessoas, lugares, ideias, costumes. Conforme Lippmann:
“As mais sutis e difundidas de todas as influências são aquelas que criam e mantêm o repertório de estereótipos. Conta-nos sobre o mundo antes de nós o vermos. Imaginamos a maior parte das coisas antes de as experimentarmos. E estas preconcepções, a menos que a educação tenha nos tornado mais agudamente conscientes, governam profundamente todo o processo de percepção. Eles marcam certos objetos como familiar ou estranho, enfatizando a diferença, de forma que o levemente familiar é visto como muito familiar, e o de alguma forma estranho como profundamente alienígena. São despertos por pequenos sinais, que podem variar desde um índex verdadeiro até uma vaga analogia. Despertados, eles inundam a visão fresca com imagens antigas, e projetam no mundo o que tem reaparecido na memória.”
A imagem que temos do mundo faz com que os fatos apenas confirmem nossos pressupostos e quando eles são contrariados nós simplesmente não acreditamos, achamos que não fazem sentido, que algo está errado com eles. Ou então podemos ser humildes o suficiente para abrir a mente e tentar enxergar o mundo de outras maneiras.
Por isso os estereótipos difundidos constantemente pelos meios de comunicação são uma arma poderosa que rendem tanto o público como os próprios profissionais do jornalismo. Segundo Chomsky, a educação dos jornalistas os submete desde pequenos a pensar de uma forma que é inculcada pelas instituições do sistema, como a escola e a mídia. Então os profissionais que trabalham nesses veículos pensam da mesma forma que seus patrões querem que eles pensem, o que torna muito mais fácil a publicação das matérias que atendem aos interesses das grandes corporações e do governo dos EUA. Resumindo: os jornalistas acreditam nas coisas que escrevem. Os que vão contra esse sistema são facilmente chutados para fora das redações.
Chomsky afirma que “qualquer apresentação de fatos é uma seleção e uma interpretação – isto é, estamos escolhendo os fatos que nós achamos que são importantes”. Se essa interpretação é baseada em estereótipos, então o jornalista está reproduzindo estereótipos para seu público, em um círculo vicioso que confunde o entendimento da realidade.
Isso contribui para a formação das crenças nas pessoas sobre determinadas coisas que são exteriores a elas. Características pré-concebidas, rótulos, idealizações, generalizações, suposições acabam por afastar a razão de uma análise mais cuidadosa do mundo. Isso pode se traduzir em julgamentos equivocados do que na verdade não conhecemos e também pode nos jogar no âmbito das emoções e do pensamento irracional ao adotarmos uma concepção maniqueísta sobre as coisas do mundo.
Explana Lippmann:
“O que é estranho será rejeitado, o que é diferente cairá em olhos cegos. Não vemos o que nossos olhos não estão acostumados a levar em conta. Algumas vezes conscientemente, mais frequentemente sem saber, nos impressionamos por aqueles fatos que se encaixam em nossa filosofia. Esta filosofia é mais ou menos uma série organizada de imagens para descrever o mundo não visto. Mas não somente para descrevê-lo. Para julgá-lo também. E, portanto, os estereótipos estão carregados de preferência, cobertos de afeto ou aversão, ligados aos temores, avidez, fortes desejos, orgulho, esperança. Seja lá o que invoque, o estereótipo é julgado com o sentimento apropriado.”
E Lippmann complementa:
“Ao odiar violentamente certa coisa, nós de imediato a associamos como sendo a causa ou o efeito de muitas outras coisas que odiamos ou tememos violentamente. […] Medos antigos, reforçados por medos recentes, coagulam num emaranhado de medos onde qualquer coisa que é temida é a causa de qualquer outra coisa que é receada.”
Criados culturalmente e reforçados pelas mensagens dos meios de comunicação, os estereótipos podem atiçar a intolerância, influenciar a consciência e iludir de forma eficaz nossos corações e nossas mentes.
Com a campanha incessante empreendida atualmente contra países como Rússia, Síria, Coreia do Norte e Venezuela, esse quadro exposto acima se torna facilmente perceptível.
[1] CHOMSKY, Noam. Para entender o poder: o melhor de Noam Chomsky. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
[2] LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Petrópolis: Vozes, 2010.
O crédito da foto é de Karen/Flickr (CC BY-NC-ND 2.0)
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