Entrevista na íntegra: Putin explica ao Ocidente a visão da Rússia

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Por Tucker Carlson
Sputnik Brasil

US host Tucker Carlson and President Putin

FOTO Presidente Putin e Jornalista Tucker Carlson (Reuters)

Sexta-feira: 09 de fevereiro de 2024

Tucker Carlson, um conhecido repórter dos EUA, entrevistou Vladimir Putin, presidente russo, que delineou amplamente as razões para o conflito ucraniano e da posição da Rússia na arena mundial.

Tucker Carlson: Em 24 de fevereiro de 2022, você se dirigiu ao seu país e à sua nação quando o conflito na Ucrânia começou. Você disse que agia porque tinha chegado à conclusão que os EUA com ajuda da OTAN poderiam lançar um ataque surpresa, invadir seu país. Para os norte-americanos, isto parece uma paranoia.

Por que acredita que os EUA poderiam lançar um ataque surpresa contra a Rússia? Como você chegou a tal conclusão?

Vladimir Putin: A razão não é que os EUA podiam lançar um ataque surpresa contra a Rússia, eu não disse isso.

Temos um talk show ou conversa séria?

T. Carlson: É uma ótima observação, obrigado.

Temos uma conversa séria.

V. Putin: Porque sua educação básica foi na área da história, ao que sei, certo?

T. Carlson: Sim.

V. Putin: Então vou precisar só 30 segundos ou um minuto para dar um pouco de contexto histórico, você não se importa?

T. Carlson: Por favor, claro.

V. Putin: Olhe, onde começaram as nossas relações com a Ucrânia, de onde veio ela, a Ucrânia?

O Estado russo começou a centralização em 862, o que se considera o ano da criação do Estado russo, quando os de Novgorod, é uma cidade no noroeste do país, convidaram da Escandinávia, dos varegues [vikings], o príncipe Rurik para reinar, em 862. Em 1862, a Rússia celebrou o 1000º aniversário de seu Estado. E em Novgorod há um memorial dedicado aos 1.000 anos do país.

Em 882, o sucessor de Rurik, o príncipe Oleg, que de fato era regente do jovem filho de Rurik, Rurik já tinha morrido, chegou a Kiev. Ele expulsou dois irmãos que aparentemente já haviam sido subordinados a Rurik. Assim, a Rússia começou a se desenvolver com dois centros de poder, Kiev e Novgorod.

A data seguinte muito significativa na história da Rússia é 988. Se trata da Cristianização de Russia, quando o príncipe Vladimir, bisneto de Rurik, converteu a Rússia ao Cristianismo e adotou a ortodoxia, o cristianismo oriental. A partir desta altura, o Estado centralizado russo começou a se fortalecer. Porquê? O território uniforme, as interligações econômicas uniformes, a língua única e, após a conversão da Rússia ao Cristianismo, a crença única, e a autoridade do príncipe. O Estado centralizado russo começou a se formar.

Mas por várias razões, com a introdução da linha de sucessão ao trono… também nos tempos antigos, na Idade Média, por Yaroslav, o Sábio, um pouco mais tarde após sua morte, a linha de sucessão do trono foi complicada, tudo passou a ser herdado não de pai para o filho mais velho, mas do príncipe atual falecido ao seu irmão, e depois para os seus filhos em diferentes linhas.

Tudo isso resultou na fragmentação da Rus como um Estado unido ou que começava a se formar como unido. Não há nada de único, o mesmo acontecia na Europa. Mas o fragmentado Estado russo virou uma presa fácil para o império criado por Gengis Khan. Os seus sucessores, incluindo Khan Batyi, vieram para a Rússia, saquearam quase todas as cidades, as arruinaram. A parte sul, na qual a propósito estava Kiev e várias outras cidades, perdeu a sua soberania, mas as cidades do norte mantiveram parte da sua soberania. Pagavam tributo à Horda, mas mantinham parte da sua soberania. E depois, com o centro em Moscou, o Estado unido russo recomeçou a se formar.

A parte sul das terras russas incluindo Kiev começou a ser gradualmente atraída por outro “íman”, um centro que emergia na Europa. Se trata do Grão-Ducado da Lituânia. Se chamava do lituano-russo mesmo, pois os russos faziam parte significativa daquele Estado. Eles falavam a língua russa antiga, eram ortodoxos. Mas depois houve a unificação, a união entre o Grão-Ducado da Lituânia e o Reino da Polónia. Alguns anos mais tarde, foi assinada outra união, já na esfera religiosa, e parte dos sacerdotes ortodoxos se submeteu à autoridade do Papa. Assim, essas terras passaram a fazer parte da Comunidade Polonês-Lituana.

Mas os poloneses por décadas polonizaram essa parte da população: divulgavam sua língua, começaram a divulgar a ideia de que de fato eles não eram russos, de que, sendo moradores perto da fronteira, eram ucranianos. Originalmente, a palavra “ucraniano” significava pessoa morando perto da fronteira do Estado ou pessoa de fato no serviço fronteiriço. Não se tratava de nenhum determinado grupo étnico.

Então, os poloneses de todas as maneiras polonizaram e de fato tratavam essa parte das terras russas de forma bastante severa, ou até cruel. Tudo isso resultou em que essa parte das terras russas começou a lutar por seus direitos. Escreviam cartas a Varsóvia, exigindo que os seus direitos fossem respeitados, que designassem pessoas para lá, incluindo para Kiev…

T. Carlson: Quando, em que época?

V. Putin: Em século XIII… vou contar os acontecimentos seguintes e mencionar datas, para evitar confusão.

E em 1654, e pouco antes mesmo, as autoridades locais nessa parte das terras russas exigiram a Varsóvia que designassem pessoas de origem russa e de crença ortodoxa. E quando Varsóvia não lhes respondeu e, de fato, rejeitou as exigências, eles começaram a solicitar Moscou para que Moscou os aceitasse.

Para que não achem que eu inventei algo, lhe dou os documentos…

T. Carlson: Não acho que você invente algo, não.

V. Putin: Mas, no entanto, estes são documentos de arquivo, cópias. Aqui estão as cartas de Bogdan Khmelnitsky, o homem que então controlava o poder nessa parte das terras russas, a qual hoje chamamos de Ucrânia. Escrevia a Varsóvia exigindo que respeitasse seus direitos e, depois de receber recusa, começou a escrever cartas a Moscou pedindo para ficar sob a mão forte do czar de Moscou. Aqui [na pasta] estão cópias desses documentos. Vou lhe dar como lembrança. Há uma tradução para o russo [de hoje], pode depois os traduzir para inglês.

No início, a Rússia não concordou em os aceitar, pois levava em conta que isso resultaria em guerra com a Polônia. Todavia, em 1654, o Zemsky Sobor, assembleia de representantes do Estado da Rus antiga, tomou a decisão: essa parte das terras da Rus antiga foi aceite no czarado de Moscou.

Como presumido, começou a guerra com a Polônia. Ela durou 13 anos, depois assinaram um armistício. No total, após aquele ato de 1654, passou 32 anos, se não me engano, até a paz com a Polônia, a “paz eterna” como o chamaram então. E estas terras, toda a margem esquerda do Dniepre, e Kiev, viraram parte da Rússia, e toda a margem direita do Dniepre permaneceram na Polônia.

Depois, na época de katerina II, a Rússia recuperou todas as suas terras históricas, incluindo no sul e no oeste. Assim permaneceu até a revolução. E antes da Primeira Guerra Mundial, aproveitando as mesmas ideias de ucrainização, o Estado-Maior austríaco começou a promover muito ativamente a ideia da Ucrânia e da ucrainização. A razão era clara: nas vésperas de uma guerra mundial, evidentemente, havia o desejo de enfraquecer o adversário potencial, havia o desejo de criar condições favoráveis na área fronteiriça. E essa ideia que outrora nasceu na Polônia, de que as pessoas nesse território de fato não eram russas, que eram um grupo étnico especial, ucranianos, começou a ser promovida pelo Estado-Maior austríaco.

Já no século XIX surgiram os teóricos da independência da Ucrânia, que falavam da necessidade da independência da Ucrânia. Mas, na verdade, todos esses “pilares” da independência ucraniana afirmavam que a Ucrânia deveria ter relações muito boas com a Rússia, eles insistiam nisso. No entanto, após a revolução de 1917, os bolcheviques tentaram restaurar o Estado, se desenvolveu uma guerra civil, incluindo [a guerra] com a Polônia. Em 1921, foi assinada a paz com a Polônia, em resultado da qual a parte ocidental, na margem direita do Dniepre, voltou a pertencer à Polônia.

Em 1939, após a cooperação polonesa com [Adolf] Hitler, e Polônia cooperava com Hitler, e Hitler sugeriu, temos todos os documentos nos nossos arquivos, um tratado com a Polônia, um acordo de amizade e aliança mas exigiu que a Polônia devolvesse à Alemanha o chamado corredor de Danzig, que ligaria a parte principal da Alemanha com Konigsberg e Prússia Oriental. Após a Primeira Guerra Mundial, essa parte do território foi entregue à Polônia e a cidade de Gdansk apareceu em vez de Danzig. Hitler lhes pediu que entregassem pacificamente – os poloneses recusaram. Todavia, tinham cooperado com Hitler e juntos dividiram a Checoslováquia.

T. Carlson: Posso lhe fazer uma pergunta? Você diz que parte da Ucrânia de fato é território russo faz centenas de anos. Por que não a tomou há 24 anos, quando se tornou presidente? Você tinha armas, porque você esperou tanto tempo?

V. Putin: Vou lhe dizer agora, já estou acabando com esse contexto histórico. Talvez seja chato, mas explica muito.

T. Carlson: Não é chato, não.

V. Putin: Bom, ótimo. Então tenho muito prazer que você aprecie isso, muito obrigado.

Então, antes da Segunda Guerra Mundial, quando a Polônia cooperou com a Alemanha, se recusou a cumprir as exigências de Hitler, mas participou com Hitler na divisão da Tchecoslováquia, mas, por não ceder o corredor de Danzig, os poloneses forçaram, confusos nas suas próprias intrigas, fizeram com que Hitler os escolheu para iniciar a Segunda Guerra Mundial. Porque a guerra em 1º de setembro de 1939 começou exatamente na Polônia? Porque ela foi inflexível. Não restou outra opção a Hitler senão começar a realizar seus planos primeiro com a Polônia.

A propósito, a União Soviética, eu li os documentos de arquivo, se comportou de maneira muito honesta, e a União Soviética pediu que a Polônia deixasse passar suas tropas para ajudar a Tchecoslováquia. Mas, através do ministro das Relações Exteriores polonês, foi dito que se até os aviões soviéticos voassem em direção à Tchecoslováquia através do território da Polônia, eles seriam abatidos sobre o território da Polônia. Mas não é importante. O que é importante é que a guerra começou, e dessa vez a própria Polônia foi vítima da mesma política que realizou em relação à Tchecoslováquia, porque, de acordo com os famosos protocolos Molotov-Ribbentrop, parte desses territórios virou parte da Rússia, incluindo a Ucrânia Ocidental. A Rússia, sob o nome de União Soviética, voltou assim aos seus territórios históricos.

Após a vitória na Grande Guerra pela Pátria, como a chamamos, isto é, a Segunda Guerra Mundial, todos esses territórios foram finalmente atribuídos à Rússia, à União Soviética. Enquanto a Polônia, supostamente em compensação, recebeu os territórios ocidentais historicamente alemães – a parte oriental da Alemanha, parte das terras que são hoje as regiões ocidentais da Polônia. E, naturalmente, recuperaram o acesso ao mar Báltico, recuperaram Danzig, que recebeu o nome polonês. Foi assim que surgiu esta situação.

Na formação da União Soviética, já em 1922, os bolcheviques começavam a formar a URSS e criaram a Ucrânia soviética, que até então nem existia.

T. Carlson: Exatamente.

V. Putin: Entretanto, Stalin insistia que essas novas repúblicas, que se formavam, fossem incluídas como formações autônomas, mas por alguma razão o fundador do Estado soviético, [Vladimir] Lenin, insistiu que tivessem o direito de sair da União Soviética. E também por razões desconhecidas doou à formada Ucrânia soviética terras e pessoas que viviam nesses territórios, mesmo que nunca antes se chamassem de Ucrânia. Por alguma razão, durante a formação tudo isso foi “injetado” na RSS da Ucrânia, incluindo toda a costa do mar Negro, que foi obtida nos tempos de Ekaterina II e que de fato nunca teve nenhuma relação histórica com a Ucrânia.

Mesmo se nos lembrarmos e voltarmos para 1654, quando esses territórios voltaram ao Império Russo, eles continham 3-4 regiões da Ucrânia de hoje, não tinham nada da costa do mar Negro, não existia nada disso para discutir.

T. Carlson: Em 1654?

V. Putin: Sim, é mesmo.

T. Carlson: Você tem conhecimentos enciclopédicos. Mas porque você não falou sobre isso nos primeiros 22 anos de sua presidência?

V. Putin: Então, a Ucrânia soviética recebeu enormes territórios que nunca tiveram nada a ver com ela, especialmente a costa do mar Negro. Outrora tinham o nome de Novorossiya quando a Rússia os obteve em resultado das guerras russo-turcas. Mas isso não é importante. O que é importante é que Lênin, o fundador do Estado soviético, criou uma Ucrânia assim.

E dessa forma, durante muitas décadas, como parte da URSS, a República Socialista Soviética da Ucrânia se desenvolveu e os bolcheviques, também por razões desconhecidas, realizaram a ucranização. Não só porque havia ucranianos na liderança da União Soviética, mas também porque em geral existia uma política assim chamada de “enraização”. Na Ucrânia e nas outras repúblicas da União se divulgavam línguas dos povos e culturas nacionais, o que em geral de fato não era mau. Mas foi assim que a Ucrânia soviética foi criada.

Após a Segunda Guerra Mundial, a Ucrânia ficou não só com parte dos territórios que antes da guerra eram poloneses, hoje a Ucrânia Ocidental, mas também parte dos territórios húngaros e parte dos territórios romenos. Tomaram da Roménia e da Hungria parte dos seus territórios, e esses territórios aderiram à Ucrânia soviética e até hoje fazem parte dela. Então, temos todas as razões para dizer que, de uma certa forma, a Ucrânia é um Estado artificial criado por vontade de Stalin.

T. Carlson: O que você acha, a Hungria tem direito de recuperar as suas terras? E as outras nações poderiam recuperar as suas terras e talvez fazer a Ucrânia regressar às fronteiras de 1654?

V. Putin: Quanto às fronteiras de 1654, sei lá. O tempo do governo de Stalin é chamado de regime de Stalin, todos dizem que havia muitas violações de direitos humanos, violações de direitos de outros países. Nesse sentido, é claro que é bem possível, sem discutir que eles têm o direito a isso, para devolver as suas terras, pelo menos é compreensível.

T. Carlson: Você disse a [Viktor] Orbán que ele pode recuperar parte das terras da Ucrânia?

V. Putin: Nunca disse. Nunca, nenhuma vez, nem discutimos nada disso com ele. Mas sei com certeza que os húngaros que moram lá querem voltar à sua pátria histórica.

O que mais, vou lhe contar uma história muito interessante, como pausa, uma história pessoal. No início dos anos 1980, viajei de carro desde a então cidade de Leningrado, é São Petersburgo, em uma viagem pela União Soviética – através de Kiev, visitei Kiev, e depois fui para a Ucrânia Ocidental. Entrei em uma cidade chamada de Beregovo, e todos os nomes das cidades e povoados estavam em russo e em uma língua que não compreendia, em húngaro. Em russo e em húngaro. Sem ucraniano, em russo e em húngaro.

Eu viajava por um povoado, perto de casa estavam homens em trajes pretos e chapéus pretos. Perguntei: “São artistas?”.

Me disseram:

“Não são artistas, são húngaros”.

Perguntei “Então por que estão aqui?”

“Que pergunta – é a terra deles, moram aqui.”

Todos os nomes, na época soviética, nos anos 1980. Eles preservavam o idioma húngaro, os nomes, todos os trajes nacionais. Eles são húngaros e se acham húngaros. E é certo que hoje quando estão oprimidos…

T .Carlson: Sim, acho que está acontecendo muito disso. Provavelmente muitos países estão descontentes com novas fronteiras após as mudanças no século XX e antes disso. Mas é que você não disse nada disso antes, até fevereiro de 2022. E você disse que você sentiu uma ameaça física por parte da OTAN, ameaça nuclear em particular, e isso o levou a agir. Eu entendi você correto?

V. Putin: Entendo que os meus longos diálogos talvez não façam parte do género de entrevista. Foi por isso que lhe perguntei no início: vamos ter uma conversa séria ou um show? Você disse que temos uma conversa séria, então, nenhuma ofensa, por favor.

Atingimos o momento em que a Ucrânia soviética foi criada. Depois houve 1991, o colapso da União Soviética. E tudo o que a Ucrânia recebeu da Rússia como presente, símbolo da generosidade, ela levou consigo.

Estou me aproximando de um momento muito importante de hoje. É que o colapso da União Soviética foi iniciado, de fato, pela liderança russa. Sei lá o que priorizava a liderança russa nessa época, mas acho que tinham várias razões para pensar que tudo ficaria bem.

Primeiro, acho que os líderes russos se baseavam nos fundamentos das relações entre a Rússia e a Ucrânia. De fato uma língua comum, 90% de pessoas lá falavam russo; laços familiares – uma em cada três pessoas tinha algum tipo de laços familiares, de amizade; cultura comum; história comum; finalmente, religião comum; participação de um Estado unido durante séculos; economia muito interligada… Todas essas coisas são fundamentais. Todos esses fatores estabelecem inevitabilidade das nossas boas relações.

Segundo, é muito importante, quero que você, um cidadão norte-americano, e os seus espectadores também ouçam isso: os antigos líderes russos achavam que, com o fim da União Soviética, já não havia linhas de divisão ideológica. A Rússia de maneira voluntária ativa até iniciou o colapso da União Soviética e achou que o chamado, já entre aspas, “Ocidente civilizado” entenderia isso como uma proposta de cooperação e aliança. Era isso que a Rússia esperava tanto dos EUA e do chamado Ocidente coletivo em geral.

Havia pessoas inteligentes, incluindo na Alemanha. Egon Bahr, um importante político do partido social-democrata que insistiu em conversas pessoais com a liderança soviética antes do colapso da URSS, que deveria ser criado um novo sistema de segurança na Europa. Seria preciso ajudar a Alemanha a se unir, mas também criar um novo sistema incluindo os EUA, Canadá, Rússia, países da Europa Central.

Mas a expansão da OTAN não. Foi o que ele disse: se a OTAN se expandir, tudo seria como na Guerra Fria, mas mais perto das fronteiras da Rússia. E pronto. Era um idoso inteligente. Ninguém deu ouvidos a ele. Além disso, uma vez se zangou, também temos esta conversa nos nossos arquivos, ele disse “Se não me derem ouvidos, nunca mais irei a Moscou”. Estava zangado com a liderança soviética. Ele tinha razão, tudo aconteceu exatamente como ele disse.

T. Carlson: Sim, é claro, suas palavras se realizaram, você já disse isso muitas vezes, acho que é absolutamente verdade. E muitas pessoas nos Estados Unidos também pensaram que as relações entre a Rússia e os EUA seriam normais após o colapso da União Soviética. No entanto, aconteceu o contrário.

No entanto, você nunca explicou por que acha que isso aconteceu, por que isso aconteceu. Sim, talvez o Ocidente tenha medo de uma Rússia forte, mas o Ocidente não tem medo de uma China forte.

V. Putin: O Ocidente teme mais uma China forte do que uma Rússia forte porque a Rússia tem 150 milhões de pessoas e a China tem um bilhão e meio, e a economia da China está crescendo a olho nu, a 5,5% ao ano, costumava ser ainda mais. Mas isso é suficiente para a China. [Otto von] Bismarck disse uma vez: o principal é o potencial. O potencial da China é colossal; ela é a primeira economia do mundo hoje em termos de paridade de poder de compra e volume econômico. Ela já ultrapassou os Estados Unidos há algum tempo, e o ritmo está crescendo.

Não vamos falar sobre quem tem medo de quem, não vamos raciocinar em tais categorias. Vamos falar sobre o fato de que, depois de 1991, quando a Rússia esperava ser incluída na família fraterna das “nações civilizadas”, nada disso aconteceu.

Afinal, vocês nos enganaram – quando digo “vocês” não me refiro a você pessoalmente, é claro, mas aos Estados Unidos – prometeram-nos que não haveria expansão da OTAN para o leste, mas isso aconteceu cinco vezes, cinco ondas de expansão. Nós suportamos tudo, nós os persuadimos, dissemos: não, agora somos amigos, como eles dizem, burgueses, temos uma economia de mercado, não temos o poder do Partido Comunista, vamos chegar a um acordo.

Além do mais, eu também disse isso publicamente – vamos pegar o tempo de [Boris] Yeltsin agora. Houve um momento em que “um gato preto se cruzou no caminho”. Antes disso, Yeltsin viajou para os Estados Unidos, lembre-se, ele discursou no Congresso e disse as maravilhosas palavras: “Deus abençoe os Estados Unidos”. Ele disse tudo, o sinal era “deixe-nos entrar”.

Em vez disso, quando os eventos na Iugoslávia começaram… Antes disso, Yeltsin foi elogiado e elogiado, e assim que os eventos na Iugoslávia começaram e quando ele levantou a voz pelos sérvios, e nós não pudemos deixar de levantar nossas vozes pelos sérvios, em sua defesa…

Eu entendo, houve processos complicados, eu entendo. Mas a Rússia não podia deixar de levantar a voz pelos sérvios, porque os sérvios também são uma nação especial, próxima a nós, com cultura ortodoxa e assim por diante. Bem, um povo tão sofrido por gerações. Bem, isso não importa, o que importa é que Yeltsin se manifestou a favor. O que os Estados Unidos fizeram? Violando a lei internacional, a Carta da ONU, começaram a bombardear Belgrado.

Os Estados Unidos deixaram o gênio sair da garrafa. Além disso, quando a Rússia se opôs e expressou sua indignação, o que foi dito? A Carta da ONU, o direito internacional, está obsoleto. Agora todo mundo se refere ao direito internacional, mas naquela época começaram a dizer que tudo estava ultrapassado, que precisávamos mudar tudo.

É verdade, algumas coisas precisam ser mudadas, porque o equilíbrio de poder mudou, é verdade, mas não dessa forma. Sim, a propósito, começaram imediatamente a jogar lama em Yeltsin, dizendo que ele era alcoólatra, que não entendia nada, que não fazia sentido. Ele entendia tudo, garanto a vocês.

Muito bem. Tornei-me presidente em 2000. Pensei: muito bem, a questão da Iugoslávia acabou, devemos tentar restaurar as relações, abrir essa porta que a Rússia estava tentando passar. E mais, eu disse isso publicamente, posso repetir, em uma reunião aqui no Kremlin com o Bill Clinton, que estava deixando o poder, bem aqui na sala ao lado.

Eu disse a ele, fiz uma pergunta: escute, Bill, o que você acha, se a Rússia levantasse a questão de entrar para a OTAN, você acha que isso seria possível? De repente, ele disse:

“Sabe, isso é interessante, acho que sim.”

E à noite, quando nos encontramos com ele já no jantar, ele disse: sabe, conversei com os meus, com a minha equipe – não, não é possível agora. Você pode perguntar a ele, acho que ele ouvirá nossa entrevista, ele confirmará. Eu nunca diria algo assim se não fosse possível. Tudo bem, agora não é possível.

T. Carlson: Você foi sincero na época? Você teria entrado para a OTAN?

V. Putin: Ouça, eu fiz uma pergunta: é possível ou não? E recebi a resposta: não. Se eu não fosse sincero em meu desejo de descobrir a posição da liderança….

T. Carlson: E se ele tivesse dito sim, você teria entrado na OTAN?

V. Putin: Se ele tivesse dito sim, o processo de reaproximação teria começado e, eventualmente, poderia ter ocorrido se tivéssemos visto o desejo sincero dos parceiros de fazer isso. Mas não foi isso que aconteceu. Bem, não, então não, tudo bem, tudo bem.

T. Carlson: Por que você acha que isso acontece? Quais são os motivos por trás disso? Sinto que você se sente amargurado com isso, eu entendo. Mas, então, por que acha que o Ocidente o afastou tanto? De onde veio a hostilidade? Por que as relações não melhoraram? Quais foram as motivações para isso, do seu ponto de vista?

V. Putin: Você disse que sinto amargura com a resposta. Não, não é amargura, é apenas uma declaração de fato. Não somos uma noiva e um noivo, amargura e ressentimento não são substâncias que ocorrem em tais casos. Apenas entendemos que não éramos bem-vindos ali, só isso. Certo, tudo bem, mas vamos construir relações de uma maneira diferente, vamos buscar pontos em comum.

Por que recebemos uma resposta tão negativa, você deve perguntar aos seus supervisores. Só posso supor o motivo: um país grande demais, com sua própria opinião e assim por diante. Já os Estados Unidos… eu já vi como as questões são resolvidas na OTAN….

Vou lhe dar outro exemplo agora, referente à Ucrânia. A liderança dos EUA “pressiona”, e todos os membros da OTAN votam obedientemente, mesmo que não gostem de alguma coisa. Nesse contexto, vou contar o que aconteceu com a Ucrânia em 2008. Embora isso esteja sendo discutido, não vou contar nada de novo a você.

No entanto, depois disso, tentamos construir relações de diferentes maneiras. Por exemplo, houve eventos no Oriente Médio, no Iraque, e nós construímos relações com os Estados Unidos de forma muito gentil e calma.

Levantei várias vezes a questão de os Estados Unidos não apoiarem o separatismo ou o terrorismo no norte do Cáucaso, mas eles continuaram fazendo isso mesmo assim. E os Estados Unidos e seus satélites forneceram apoio político, apoio informacional, apoio financeiro e até mesmo apoio militar a formações terroristas no Cáucaso.

Uma vez, levantei essa questão com meu colega, também presidente dos Estados Unidos [George W. Bush]. Ele disse: não pode ser, você tem provas? Eu disse: sim. Eu estava pronto para essa conversa e dei a ele essa prova. Ele analisou e sabe o que ele disse? Peço desculpas, mas aconteceu, vou citar, ele disse: “bem, vou dar um chute no traseiro deles.” Esperamos e esperamos uma resposta, não houve resposta.

Eu disse ao diretor do FSB [Serviço Federal de Segurança]: escreva para a CIA, você obteve algum resultado da conversa com o presidente? Escrevi uma, duas vezes, e então recebemos uma resposta. Temos a resposta nos arquivos. A CIA respondeu: estávamos trabalhando com a oposição na Rússia; acreditamos que isso é correto e continuaremos trabalhando com a oposição. Engraçado, muito bem. Percebemos que não haveria conversa.

T. Carlson: A oposição para você?

V. Putin: É claro que, nesse caso, estávamos falando de separatistas, dos terroristas que lutaram conosco no Cáucaso. É disso que eles estavam falando, eles chamaram isso de oposição. Esse é o segundo ponto.

O terceiro momento, muito importante, é o momento em que o sistema de defesa antimísseis dos EUA foi criado, o início. Por muito tempo persuadimos os Estados Unidos a não fazer isso.

Além disso, depois que fui convidado pelo pai de Bush Jr., o senhor Bush, para visitá-lo no oceano, tive uma conversa muito séria com o presidente Bush e sua equipe. Sugeri que os Estados Unidos, a Rússia e a Europa criassem juntos um sistema de defesa antimísseis que acreditamos ameaçar unilateralmente nossa segurança, apesar de os Estados Unidos terem dito oficialmente que ele estava sendo criado contra ameaças de mísseis do Irã.

Foi essa a justificativa para o sistema de defesa antimísseis. Sugeri que eles trabalhassem em grupos de três – a Rússia, EUA e Europa. Eles disseram que isso era muito interessante. Perguntaram-me:

“Você está falando sério?”

Eu disse: absolutamente.

T. Carlson: Quando foi isso, em que ano?

V. Putin: Não me lembro. É fácil descobrir na Internet quando eu estava nos Estados Unidos a convite do senhor Bush. É ainda mais fácil descobrir agora, vou lhe dizer de quem.

Disseram-me: isso é muito interessante. Eu disse: imagine só, se trabalharmos juntos em um desafio de segurança estratégica global como esse. O mundo mudaria. Provavelmente teremos disputas, provavelmente econômicas e até mesmo políticas, mas mudaremos radicalmente a situação no mundo. Diz [em resposta]:

“Sim.”

Perguntaram-me:

“Você está falando sério?”

Eu disse: claro que sim. Disseram-me que precisamos pensar sobre isso. Eu disse: certamente.

Em seguida, o secretário de Defesa [Robert] Gates, ex-diretor da CIA, e a secretária de Estado [Condoleezza} Rice vieram para este escritório onde estamos falando com vocês agora. Bem aqui nesta mesa, do outro lado da mesa, você vê esta mesa, eles se sentaram deste lado. Eu, o ministro das Relações Exteriores, o ministro da Defesa da Rússia, desse lado. Eles me disseram: “sim, pensamos sobre isso, concordamos.” Eu disse: graças a Deus, ótimo.

“Mas com uma exceção.”

T. Carlson: Então, você descreveu duas vezes como os presidentes americanos tomaram algumas decisões e depois suas equipes descarrilaram essas decisões?

V. Putin: Exatamente isso. No final, é claro, fomos mandados embora. Não vou lhe contar os detalhes, porque acho que é incorreto, porque afinal foi uma conversa confidencial. Mas o fato de nossa proposta ter sido rejeitada é um fato.

Naquela época, foi quando eu disse: “Ouçam, então seremos forçados a tomar medidas de retaliação. Criaremos sistemas de ataque que certamente superarão um sistema de defesa antimísseis. A resposta foi:

“Não estamos fazendo isso contra vocês, vocês fazem o que quiserem, desde que não seja contra nós, não contra os Estados Unidos.”

Eu disse: tudo bem, e começou. Criamos sistemas hipersônicos com alcance intercontinental, e continuamos a desenvolvê-los. Estamos agora à frente de todos os outros na criação de sistemas de ataque hipersônico, tanto dos Estados Unidos como de outros países – estamos aprimorando-os todos os dias.

Mas não fomos nós que criamos tal situação, propusemos seguir um caminho diferente e fomos rechaçados.

Agora, sobre a expansão da OTAN para o Leste. Bem, eles prometeram: nenhuma OTAN para o Leste, nem um centímetro para o Leste, como nos foi dito, e depois? Eles disseram:

“Bem, isso não foi fixado no papel, então vamos expandir.”

Cinco expansões, incluímos os Estados Bálticos, todo o Leste Europeu e assim por diante.

E agora chego ao ponto principal: chegamos à Ucrânia. Em 2008, na cúpula de Bucareste, eles declararam que as portas da Ucrânia e da Geórgia para a OTAN estavam abertas.

Agora, sobre como as decisões são tomadas lá. A Alemanha e a França pareciam ser contra, assim como alguns outros países europeus. Mas então, como se viu mais tarde, o presidente Bush, e ele é um cara durão, um político durão, como me disseram mais tarde: ele nos pressionou e tivemos que concordar. Engraçado, parece um jardim de infância. Onde estão as garantias? Que jardim de infância é esse, que tipo de pessoas são essas, quem são elas? Veja bem, eles foram “pressionados”, concordaram. E então eles dizem: a Ucrânia não estará na OTAN, sabe? Eu digo:

“Não sei; sei que vocês concordaram em 2008, então por que não concordarão no futuro?”

“Bem, então eles nos pressionaram”.

Eu pergunto: por que eles não vão pressioná-lo amanhã e você concordará novamente? Isso é besteira. Com quem falar, eu simplesmente não entendo. Estamos prontos para conversar. Mas com quem? Onde estão as garantias? Não há nenhuma.

Então eles começaram a explorar o território da Ucrânia. Independentemente do que acontecia lá, eu contei o histórico, como esse território se desenvolveu, quais eram as relações com a Rússia. Cada segunda ou terceira pessoa sempre teve algum vínculo com a Rússia. Durante as eleições na Ucrânia, já independente e soberana, que conquistou sua independência como resultado da Declaração de Independência e, a propósito, ela diz que a Ucrânia é um Estado neutro, em 2008, de repente, as portas, ou portões da OTAN, se abriram na sua frente.

Que filme interessante! Não foi assim que acordamos as coisas. Bem, todos os presidentes que chegaram ao poder na Ucrânia contaram com um eleitorado que, de uma forma ou de outra, era favorável à Rússia. Esse é o sudeste da Ucrânia, é um grande número de pessoas, e “quebrar” esse eleitorado, que tinha uma atitude positiva em relação à Rússia, era muito difícil.

Viktor Yanukovich chegou ao poder, e como: na primeira vez em que ele ganhou depois do presidente [Leonid] Kuchma, eles organizaram um terceiro turno, o que não está previsto na Constituição da Ucrânia. Isso é um golpe de Estado. Imagine, alguém não gostou disso nos EUA.

T. Carlson: Em 2014.

V. Putin: Não, antes. Não, não, foi antes. Depois do presidente Kuchma, Viktor Yanukovich venceu a eleição. Mas seus oponentes não reconheceram essa vitória, os EUA apoiaram a oposição e foi marcado um terceiro turno. O que é isso? Isso é um golpe de Estado. Os EUA o apoiaram, e ele chegou ao poder como resultado de um terceiro turno…

Imagine que nos EUA alguém não gostasse de algo, que eles organizassem um terceiro turno, que não está previsto na Constituição dos EUA. Mas, mesmo assim, eles fizeram isso lá [na Ucrânia]. Muito bem, Viktor Yuschenko, que era considerado um político pró-ocidental, chegou ao poder.

Muito bem, mas também estabelecemos relações com ele, ele foi a Moscou em visitas, nós fomos a Kiev, e eu fui, nos encontramos em uma atmosfera informal. Se é ocidental, que seja ocidental, mas deixe-os, as pessoas estão trabalhando. A situação deve se desenvolver internamente, na própria Ucrânia. Depois que ele liderou o país, a situação piorou e Viktor Yanukovich chegou ao poder.

Talvez ele não tenha sido o melhor presidente e político, não sei, não quero fazer uma avaliação, mas surgiu a questão da associação com a União Europeia. No entanto, sempre respondemos de forma leal a isso: que seja. Mas quando lemos esse acordo de associação, descobrimos que era um problema para nós, porque temos uma zona de livre comércio com a Ucrânia, fronteiras alfandegárias abertas, e a Ucrânia deveria abrir suas fronteiras para a Europa com essa associação, e tudo fluiria para o nosso mercado.

Dissemos: não, não vai funcionar assim, vamos fechar nossas fronteiras com a Ucrânia, as fronteiras alfandegárias. Yanukovich começou a calcular o quanto a Ucrânia ganharia e o quanto perderia, e anunciou a seus colegas na Europa: “tenho que pensar sobre isso antes de assinar.” Assim que ele disse isso, começaram as ações destrutivas da oposição, apoiadas pelo Ocidente, e tudo chegou a Maidan e ao golpe de Estado na Ucrânia.

T. Carlson: Então ele negociou mais com a Rússia do que com a União Europeia e a Ucrânia?

V. Putin: É claro. Não se trata nem mesmo do volume de comércio, embora seja maior. Trata-se de laços de cooperação, nos quais se baseava toda a economia ucraniana. Os laços de cooperação entre as empresas têm sido muito estreitos desde os tempos da União Soviética. Lá, uma empresa produzia componentes para a montagem final na Rússia e na Ucrânia, e vice-versa, eram laços muito estreitos.

O golpe de Estado ocorreu, embora os Estados Unidos tenham nos dito, não vou entrar em detalhes agora, acho que é incorreto, que vocês acalmem Yanukovich e nós acalmaríamos a oposição; que tudo siga o caminho do acordo político. Nós dissemos: muito bem, concordamos, vamos fazer isso. Yanukovich não usou nem as Forças Armadas nem a polícia, como os americanos nos pediram, mas a oposição armada em Kiev realizou um golpe de Estado.

“O que isso quer dizer? Quem são vocês?”, queria eu perguntar na época à liderança dos Estados Unidos.

T. Carlson: Com o apoio de quem?

V. Putin: Com o apoio da CIA, é claro. Uma organização para a qual, pelo que sei, você já quis trabalhar. Talvez graças a Deus eles não o contrataram. Embora seja uma organização séria, entendo que meus antigos colegas, no sentido de que trabalhei na Primeira Diretoria Principal, o serviço de inteligência da União Soviética. Eles sempre foram nossos adversários. Um trabalho é um trabalho.

Tecnicamente, eles fizeram tudo certo, conseguiram o que queriam – mudaram o governo. Mas, do ponto de vista político, foi um erro colossal. Aqui, é claro, a liderança política não teve um bom desempenho. A liderança política deveria ter visto aonde isso levaria.

Então em 2008, eles abriram a porta para a Ucrânia na OTAN. Em 2014, deram um golpe de Estado, e aqueles que não reconheceram o golpe de Estado, que foi um golpe de Estado, começaram a ser perseguidos, criando uma ameaça à Crimeia, que fomos obrigados a tomar sob nossa proteção. Iniciaram uma guerra em Donbass em 2014, usando aviões e artilharia contra civis. No final das contas, foi lá que tudo começou. Há imagens de vídeo de aviões atingindo Donetsk de cima. Eles realizaram uma operação militar de grande escala, outra, que falhou, estão preparando outra, e tudo isso no contexto da exploração militar desse território e da abertura da porta para a OTAN.

Então como podemos não demonstrar preocupação com o que está acontecendo? Seria um descuido criminoso de nossa parte, é isso que seria. Só que a liderança política dos Estados Unidos nos levou a um limite que não podíamos mais cruzar, porque isso estava destruindo a própria Rússia. E não podíamos jogar nossos correligionários e, de fato, parte do povo russo, sob essa máquina de guerra.

T. Carlson: Então isso foi 8 anos antes do início do conflito. E o que provocou esse conflito, quando você decidiu que tinha de dar esse passo, afinal?

V. Putin: O conflito foi inicialmente provocado pelo golpe de Estado na Ucrânia.

A propósito, representantes de três países europeus, a Alemanha, Polônia e França, foram à Ucrânia e garantiram o acordo assinado entre o governo de Yanukovich e a oposição. Eles deixaram suas assinaturas como garantias. Apesar disso, a oposição deu um golpe de Estado, e todos esses países fingiram que não se lembravam de que eram fiadores de um acordo de paz. Eles imediatamente o jogaram na fornalha, ninguém se lembra.

Não sei se os EUA sabem alguma coisa sobre esse acordo entre a oposição e as autoridades e sobre as três garantias, que, em vez de devolver todo esse processo ao campo político, não, eles apoiaram o golpe de Estado, embora não houvesse sentido nisso, acredite em mim. Afinal, o presidente Yanukovich concordou com tudo, estava pronto para eleições antecipadas, que ele não tinha chance de vencer, para ser honesto, nenhuma chance. Todo mundo sabia disso.

Mas por que o golpe de Estado, por que as vítimas? Por que as ameaças à Crimeia? Por que as operações em Donbass? É isso que eu não entendo. Esse é um erro de cálculo. A CIA fez seu trabalho na implementação do golpe de Estado, e acho que um dos vice-secretários de Estado disse que eles até gastaram uma grande quantia nisso, quase cinco bilhões [de dólares]. Mas o erro político é colossal. Por que fizeram isso? Todas as mesmas coisas poderiam ter sido feitas, mas de forma legal, sem nenhum sacrifício, sem lançar operações militares e sem perder a Crimeia, e nós não teríamos mexido um dedo se não tivéssemos tido esses eventos sangrentos no Maidan, nem nos passaria pela cabeça.

Porque concordamos que, após o colapso da União Soviética, tudo deveria ser assim, ao longo das fronteiras das repúblicas da união. Concordamos com isso, mas nunca concordamos com a expansão da OTAN, e em particular, nunca concordamos que a Ucrânia faria parte da OTAN. Não concordamos que houvesse bases da OTAN lá sem nenhuma conversa conosco. Nós apenas imploramos por décadas: não faça isso, não faça aquilo.

E qual foi o gatilho para os eventos recentes? Em primeiro lugar, a liderança ucraniana atual disse que não honraria os Acordos de Minsk, que foram assinados, como você sabe, após os eventos de 2014 em Minsk, que estabeleceram um plano para um acordo de paz em Donbass. Não, a liderança da Ucrânia atual, o ministro das Relações Exteriores, todas as outras autoridades e o próprio presidente disseram que não gostam de nada desses Acordos de Minsk.

Em outras palavras, eles não vão cumpri-los. Enquanto isso, os ex-líderes da Alemanha e da França disseram diretamente em tempos recentes, há um ano e meio, que disseram, honestamente, para o mundo inteiro, que sim, eles assinaram esses Acordos de Minsk, mas nunca os cumpririam. Eles simplesmente nos enganaram.

T. Carlson: Você falou com o secretário de Estado, com o presidente? Talvez eles estivessem com medo de falar com você? E você disse a eles que, se continuassem injetando armas na Ucrânia, você agiria?

V. Putin: Temos falado constantemente sobre isso. Apelamos à liderança dos Estados Unidos, dos países europeus, para que interrompessem esse processo imediatamente e cumprissem os Acordos de Minsk. Falando francamente, eu não sabia como faríamos isso, mas estava pronto para cumpri-los. Eles são complicados para a Ucrânia, há muitos elementos de independência para Donbass, para esses territórios, é verdade.

Mas eu tinha certeza absoluta, e vou lhe dizer agora: eu acreditava sinceramente que, se conseguíssemos persuadir as pessoas que vivem em Donbass – elas precisavam ser persuadidas a voltar para a estrutura do Estado ucraniano, então, gradualmente, as feridas seriam curadas.

Gradualmente, quando a vida econômica e o ambiente social geral desse território retornassem, quando as pensões fossem pagas, quando os benefícios sociais fossem pagos, tudo voltaria a se encaixar gradualmente, gradualmente. Não, ninguém queria isso, todo mundo queria resolver a questão apenas com força militar, mas nós não podíamos permitir isso.

Tudo então chegou a essa situação, quando eles anunciaram na Ucrânia: não, não vamos cumprir [nada]. Eles começaram os preparativos para a ação militar. Eles começaram a guerra em 2014. Nosso objetivo é interromper essa guerra, e não a começamos em 2022, esta é uma tentativa de pará-la.

T. Carlson: Você acha que conseguiu acabar com ela agora? Vocês alcançaram seus objetivos?

V. Putin: Não, ainda não atingimos nossos objetivos, porque um deles é a desnazificação. Isso significa proibir todos os tipos de movimentos neonazistas. Esse é um dos problemas que discutimos durante o processo de negociação que terminou em Istambul no início do ano passado, mas não por nossa iniciativa, porque os europeus, em particular, nos disseram que era necessário criar condições para a assinatura final dos documentos. Meus colegas da França e da Alemanha disseram:

“Como você consegue imaginar que eles vão assinar o tratado: com uma arma apontada à cabeça? É preciso retirar as tropas de Kiev.”

Eu disse: tudo bem, retiramos as tropas de Kiev.

Assim que retiramos as tropas de Kiev, nossos negociadores ucranianos imediatamente jogaram fora todos os nossos acordos firmados em Istambul e se prepararam para um longo confronto armado com a ajuda dos Estados Unidos e de seus satélites na Europa. Foi assim que a situação se desenvolveu, e é assim que ela se apresenta agora.

T. Carlson: O que é desnazificação? O que isso significa?

V. Putin: Quero falar sobre isso agora. Essa é uma pergunta muito pertinente.

Desnazificação. Depois de conquistar a independência, a Ucrânia começou a buscar, como dizem alguns analistas no Ocidente, sua identidade, e não encontrou nada melhor do que colocar no centro dessa identidade os falsos heróis que colaboraram com Hitler.

Já disse que no início do século XIX, quando surgiram os teóricos da independência e soberania da Ucrânia, eles partiram do fato de que uma Ucrânia independente deveria ter ótimas e boas relações com a Rússia. Mas, devido ao desenvolvimento histórico, devido ao fato de que quando esses territórios faziam parte da Comunidade Polonês-Lituana, a Polônia, os ucranianos foram perseguidos de forma bastante brutal, foram confiscados, tentaram destruir essa identidade, comportaram-se de forma muito cruel, e tudo isso permaneceu na memória do povo.

Quando a Segunda Guerra Mundial começou, parte dessa elite extremamente nacionalista começou a cooperar com Hitler, acreditando que Hitler lhes traria liberdade. As tropas alemãs, até mesmo as tropas da [Waffen-]SS, entregaram o trabalho mais sujo de extermínio da população polonesa, a população judaica, aos colaboradores que cooperaram com Hitler. Daí esse massacre brutal da população polonesa e judaica, e da população russa. À frente estavam pessoas bem conhecidas: [Stepan] Bandera, [Roman] Shukhevich. Foram essas pessoas que se tornaram heróis nacionais, esse o problema.

Eles continuam nos dizendo: o nacionalismo e o neonazismo existem em outros países também. Sim, há brotos, mas nós os esmagamos, e em outros países eles são esmagados. Mas na Ucrânia não, na Ucrânia eles se tornaram heróis nacionais, monumentos são erguidos para eles, eles estão nas bandeiras, seus nomes são gritados por multidões que andam com tochas, como na Alemanha nazista. Essas são as pessoas que destruíram poloneses, judeus e russos. Precisamos acabar com essa prática e teoria.

É claro que qualquer nação que tenha crescido considera que há uma parte do povo… Eu digo que é parte do povo russo comum, eles dizem: não, somos um povo separado. Certo, tudo bem. Se alguém se considera um povo separado, tem o direito de fazer isso, mas não com base no nazismo, na ideologia nazista.

T. Carlson: Você ficará satisfeito com o território que tem agora?

V. Putin: Deixe-me terminar. Você fez uma pergunta sobre neonazismo e desnazificação.

Então o presidente da Ucrânia foi ao Canadá, isso é bem conhecido, mas é abafado no Ocidente, e apresentou no parlamento canadense um homem que, como disse o presidente do parlamento, lutou contra os russos durante a Segunda Guerra Mundial. Bem, quem lutou contra os russos durante a Segunda Guerra Mundial? Hitler e seus capangas.

Descobriu-se que esse homem serviu nas tropas da SS, que matou pessoalmente russos, poloneses e judeus. As tropas da SS, formadas por nacionalistas ucranianos, estavam envolvidas nesse trabalho sujo. O presidente da Ucrânia se levantou com todo o parlamento do Canadá e aplaudiu esse homem. Como isso pode ser imaginado? A propósito, o próprio presidente da Ucrânia é judeu por nacionalidade.

T. Carlson: O que você vai fazer a respeito disso? Hitler está morto há 80 anos, a Alemanha nazista não existe mais, é a verdade. Você diz que quer apagar esse fogo do nacionalismo ucraniano. Como isso pode ser feito?

V. Putin: Ouça-me. Sua pergunta é muito sutil… Posso lhe dizer como penso? O senhor não vai se ofender?

T. Carlson: Claro que não.

V. Putin: Parece ser uma pergunta sutil, mas é muito desagradável.

Você diz: Hitler já se foi há muitos anos, 80 anos, mas sua causa continua viva. As pessoas que exterminaram judeus, russos e poloneses estão vivas. E o presidente, o presidente em funções da atual Ucrânia, está aplaudindo-o de pé no parlamento canadense! Podemos dizer que erradicamos completamente essa ideologia se o que vemos está acontecendo hoje? É isso que a desnazificação representa em nosso entendimento. Temos que nos livrar das pessoas que mantêm essa teoria e prática na vida e tentam preservá-la. É isso que é a desnazificação. É o que queremos dizer com isso.

T. Carlson: Certo. É claro que não estou defendendo o nazismo ou o neonazismo, mas minha pergunta é em termos práticos: você não controla todo o país, e me parece que você quer controlar todo o país. Mas como é possível erradicar uma ideologia, a cultura, alguns sentimentos e a história de um país que você não controla? Como você pode conseguir isso?

V. Putin: Sabe, por mais estranho que lhe pareça, durante as negociações em Istambul, concordamos que, tudo isso está escrito, o neonazismo não será cultivado na Ucrânia e será proibido em nível legislativo.

Senhor Carlson, concordamos com isso. Acontece que isso pode ser feito no decorrer do processo de negociação, e não há nada de humilhante aqui para a Ucrânia como um Estado civilizado moderno. Algum Estado tem permissão para propagandear os nazistas? Não tem, não é? É tão simples assim.

T. Carlson: Haverá negociações? E por que até agora não houve nenhuma dessas conversas – conversas de paz – para resolver o conflito na Ucrânia?

V. Putin: Houve, elas chegaram a um estágio muito alto de concordância de posições em um processo complexo, mas já estavam praticamente concluídas. Mas depois que retiramos nossas tropas de Kiev, eu já disse que o outro lado, a Ucrânia, jogou fora todos esses acordos e aceitou as instruções dos países ocidentais – os países europeus, Estados Unidos – para lutar contra a Rússia até o fim.

E mais: o presidente da Ucrânia proibiu por legislação a negociação com a Rússia. Ele assinou um decreto que proíbe todos de negociar com a Rússia. Afinal como vamos negociar se ele proibiu a si mesmo e proibiu a todo mundo? Sabemos que ele está apresentando algumas ideias sobre esse acordo. Mas, para negociar algo, é preciso ter um diálogo, não é?

T. Carlson: Sim, mas você não vai falar com o presidente ucraniano, vai falar com o presidente americano. Quando foi a última vez que você falou com Joe Biden?

V. Putin: Não me lembro quando falei com ele. Não me lembro, você pode procurar.

T. Carlson: Você não se lembra?

V. Putin: Não, então eu devo me lembrar de tudo? Tenho meus próprios assuntos, temos assuntos políticos internos.

T. Carlson: Mas ele está financiando a guerra que você está travando.

V. Putin: Sim, ele está financiando, mas quando falei com ele, foi antes da operação militar especial, é claro, e eu disse a ele na época – não vou entrar em detalhes, nunca faço isso – mas eu disse a ele na época: creio que você está cometendo um grande erro de escala histórica ao apoiar tudo o que está acontecendo lá, na Ucrânia, ao afastar a Rússia. Eu lhe disse isso, aliás, eu lhe disse várias vezes. Acho que isso será correto, e ficarei por aqui.

T. Carlson: E o que ele disse?

V. Putin: Pergunte a ele, por favor. Para você é fácil, você é um cidadão dos Estados Unidos, vá e pergunte a ele. Não é correto eu comentar sobre nossa conversa.

T. Carlson: Mas você não falou com ele desde então – desde fevereiro de 2022?

V. Putin: Não, nós não nos falamos, mas temos alguns contatos. A propósito, você se lembra do que eu lhe disse sobre minha proposta de trabalharmos juntos em um sistema de defesa antimísseis?

T. Carlson: Sim.

V. Putin: Você pode perguntar a todos, todos eles estão vivos e bem, graças a Deus, o ex-presidente, a Condoleezza [Rice], está viva e bem, e acho que o senhor [Robert] Gates e o atual diretor da Agência Central de Inteligência [CIA], senhor [William] Burns, ele era na época embaixador na Rússia, acho que um embaixador muito bem-sucedido. Todos eles são testemunhas dessas conversas, pergunte a eles.

É a mesma coisa aqui: se você estiver interessado no que o senhor presidente Biden me disse, pergunte a ele. De qualquer forma, ele e eu conversamos sobre esse assunto.

T. Carlson: Entendo isso perfeitamente bem, mas de fora, para um observador externo, pode parecer que tudo isso pode levar a uma situação em que o mundo inteiro ficará à beira da guerra, talvez até mesmo de ataques nucleares. Por que você não liga para Biden e diz: vamos resolver essa questão de alguma forma?

V. Putin: O que há para resolver? É tudo muito simples. Repito, temos contatos por meio de várias agências. Vou lhe dizer o que dizemos sobre esse assunto e o que transmitimos à liderança dos EUA: se vocês realmente querem acabar com as hostilidades, precisam parar de fornecer armas, e tudo estará resolvido dentro de algumas semanas, só isso. Aí vocês podem negociar algumas condições antes de fazê-lo – parem.

O que é mais fácil do que isso? Por que eu deveria ligar para ele? O que eu tenho para falar ou implorar? “Vocês vão entregar essas e aquelas armas para a Ucrânia? Oh, estou com medo, estou com medo, por favor, não mandem”. O que há para falar sobre isso?

T. Carlson: Você acha que a OTAN está preocupada com a possibilidade de tudo isso se transformar em uma guerra global ou até mesmo em um conflito nuclear?

V. Putin: De qualquer forma, eles estão falando sobre isso e estão tentando assustar sua população com uma ameaça russa imaginária. Esse é um fato óbvio. E as pessoas que pensam, não as pessoas comuns, mas pessoas que pensam, analistas, pessoas envolvidas na política real, pessoas inteligentes, entendem perfeitamente bem que isso é falso. A ameaça russa está sendo exagerada.

T. Carlson: Você se refere à ameaça de uma invasão russa, por exemplo, na Polônia ou na Letônia? Consegue imaginar um cenário em que as tropas russas sejam enviadas para a Polônia?

V. Putin: Somente em um caso: se houver um ataque da Polônia contra a Rússia. Por quê? Porque não temos nenhum interesse na Polônia ou na Letônia, em lugar nenhum. Por que faríamos isso? Simplesmente não temos nenhum interesse. Apenas ameaças.

T. Carlson: O argumento, acho que você sabe muito bem, é o seguinte: sim, vejam, ele invadiu a Ucrânia, ele tem reivindicações territoriais em todo o continente. Você está dizendo inequivocamente que não tem tais reivindicações territoriais?

V. Putin: Isso está totalmente excluído. Não é preciso ser nenhum tipo de analista – é contrário ao senso comum envolver-se em algum tipo de guerra global. E uma guerra global levaria toda a humanidade à beira da destruição. Isso é óbvio.

Existem, é claro, meios de dissuasão. Estão sempre nos assustando a toda a hora: amanhã a Rússia usará armas nucleares táticas, amanhã usará esta, não, depois de amanhã. E daí? Isso é apenas alarmismo para as pessoas comuns, a fim de extrair mais dinheiro dos contribuintes dos EUA e dos contribuintes europeus no confronto com a Rússia no teatro de guerra ucraniano. O objetivo é enfraquecer a Rússia o máximo possível.

T. Carlson: Um dos senadores sêniores, Chuck Schumer, eu acho, disse ontem: precisamos continuar financiando a Ucrânia ou, finalmente, os soldados americanos terão de lutar na Ucrânia, em vez da Ucrânia. Como você avalia essa declaração?

V. Putin: Isso é uma provocação, e uma provocação barata. Não entendo por que os soldados americanos têm de lutar na Ucrânia. Há mercenários dos Estados Unidos lá. A maioria dos mercenários é da Polônia, o segundo lugar é ocupado por mercenários dos EUA, e o terceiro lugar é ocupado por mercenários da Geórgia. Se alguém tiver o desejo de enviar tropas regulares, isso certamente levará a humanidade à beira de um conflito global muito sério. Isso é óbvio.

Os Estados Unidos precisam disso? Por quê? A milhares de quilômetros de distância do território nacional! Vocês não têm nada melhor para fazer? Vocês têm problemas na fronteira, problemas com a migração, problemas com a dívida nacional, mais de 33 trilhões de dólares. Se vocês não têm nada para fazer, precisam entrar em guerra na Ucrânia?

Não seria melhor chegar a um entendimento com a Rússia? Chegar a um acordo, já entendendo a situação atual, entendendo que a Rússia lutará por seus interesses até o fim e, entendendo isso, voltar ao bom senso, começar a tratar nosso país e seus interesses com respeito e buscar algumas soluções? Parece-me que isso é muito mais inteligente e racional.

T. Carlson: Quem explodiu o Nord Stream?

V. Putin: Vocês, é claro. (Risos).

T. Carlson: Eu estava ocupado naquele dia. Eu não explodi o Nord Stream.

V. Putin: O senhor, pessoalmente, pode ter um álibi, mas a CIA não tem esse álibi.

T. Carlson: Você tem provas de que a OTAN ou a CIA fizeram isso?

V. Putin: Sabe, não vou entrar em detalhes, mas sempre se diz nesses casos: procure alguém que esteja interessado. Mas, nesse caso, não devemos procurar apenas alguém que esteja interessado, mas também alguém que possa fazer isso. Porque pode haver muitas pessoas interessadas, mas nem todas podem chegar até o fundo do mar Báltico e realizar essa explosão. Esses dois componentes devem estar ligados: quem está interessado e quem pode fazer isso.

T. Carlson: Mas não estou entendendo muito bem. Esse é o maior ato de terrorismo industrial da história e, além disso, a maior liberação de CO2 na atmosfera. Mas já que vocês têm provas e suas agências de inteligência, por que não apresentam essas provas e vencem essa guerra de propaganda?

V. Putin: Na guerra da propaganda é muito difícil derrotar os Estados Unidos, porque os Estados Unidos controlam toda a mídia mundial e muita mídia europeia. Os beneficiários finais dos maiores veículos de imprensa europeus são fundos americanos. Você não sabe disso? Então é possível se envolver nesse trabalho, mas é, como dizem, caro demais. Podemos simplesmente expor nossas fontes de informação e não obteremos resultados. Está claro para o mundo todo o que aconteceu, e até mesmo os analistas americanos estão falando diretamente sobre isso. É verdade.

T. Carlson: Sim, mas eis a questão – você trabalhou na Alemanha, isso é bem conhecido, e os alemães entendem claramente que seus parceiros da OTAN fizeram isso, é claro que isso afetou a economia alemã – então por que os alemães não estão dizendo nada? Isso me confunde: por que os alemães não disseram nada sobre esse assunto?

V. Putin: Isso também me surpreende, mas a liderança alemã de hoje não é guiada por interesses nacionais, mas pelos interesses do Ocidente coletivo. Caso contrário, é difícil explicar a lógica de suas ações ou inação. Afinal de contas, não se trata apenas do Nord Stream 1, que foi explodido. O Nord Stream 2 foi danificado, mas um tubo está vivo e são e pode ser usado para fornecer gás à Europa, mas a Alemanha não o está abrindo. Estamos prontos, sem problemas.

Há outra rota que passa pela Polônia, chamada Yamal-Europa, que também permite um grande fluxo. A Polônia a fechou, mas a Polônia recebe dinheiro dos alemães, recebe dinheiro de fundos pan-europeus, e a Alemanha é a principal doadora desses fundos pan-europeus. A Alemanha alimenta a Polônia até certo ponto, e eles fecharam a rota para a Alemanha. Por quê? Eu não entendo.

Ucrânia, para onde os alemães fornecem armas e dinheiro. O segundo patrocinador depois dos Estados Unidos em termos de ajuda financeira à Ucrânia é a Alemanha. Há duas rotas de gás que passam pela Ucrânia. Eles, ucranianos, simplesmente fecharam uma rota. Abram a segunda rota e, por favor, obtenham gás da Rússia. Eles não a abrem.

Por que os alemães não dizem:

“Ouçam, pessoal, nós lhes damos dinheiro e armas. Abram a válvula, por favor, deixem o gás vir da Rússia para nós. Estamos comprando gás liquefeito na Europa a preços muito altos, o que reduz nossa competitividade e a economia como um todo a zero. Vocês querem que nós lhes demos dinheiro? Deixem-nos existir normalmente, deixem nossa economia ganhar dinheiro, é de lá que nós lhe damos dinheiro”.

Não, eles não fazem isso. Por que não? Pergunte a eles. (Bate na mesa.) O que está aqui e o que está em suas cabeças é o mesmo. As pessoas de lá são muito incompetentes.

T. Carlson: Talvez o mundo esteja agora se dividindo em dois hemisférios: um hemisfério com energia barata e o outro hemisfério sem ela.

Gostaria de fazer uma pergunta: o mundo agora é multipolar – o senhor pode descrever as alianças, os blocos, quem está do lado de quem, na sua opinião?

V. Putin: Veja, você disse que o mundo está dividido em dois hemisférios. A cabeça está dividida em dois hemisférios: um é responsável por uma esfera de atividade, o outro é mais criativo, e assim por diante. Mas ainda é uma só cabeça. É necessário que o mundo esteja unido, que a segurança seja comum, e não projetada para o “bilhão de ouro”. Nesse caso, somente nesse caso, o mundo será estável, sustentável e previsível. Até lá, enquanto a cabeça estiver dividida em duas partes, isso é uma doença, uma doença grave. O mundo está passando por esse período de doença grave.

Mas me parece que graças ao jornalismo honesto – eles [jornalistas] trabalham como médicos – talvez seja possível unir tudo isso de alguma forma.

T. Carlson: Vou lhe dar um exemplo. Em grande medida, o dólar americano uniu o mundo inteiro. Você acha que o dólar deixará de ser uma moeda de reserva? De que maneira as sanções mudaram o papel do dólar no mundo?

V. Putin: Esse é um dos erros estratégicos mais graves da liderança política dos Estados Unidos – usar o dólar como instrumento de luta na política externa. O dólar é a principal base do poder dos EUA. Acho que todos entendem isso muito bem: não importa quantos dólares você emite, eles circulam por todo o mundo. A inflação nos EUA é mínima: acho que é de 3%, cerca de 3,4%, o que é absolutamente aceitável para os EUA. E eles emitem dólares sem parar, é claro. O que significa a dívida de 33 trilhões? Significa a emissão.

No entanto, essa é a principal forma de manter o domínio dos EUA no mundo. Assim que a liderança política decidiu usar o dólar como um instrumento de luta política, eles deram um golpe nesse poder americano. Não quero usar expressões incorretas, mas isso é uma estupidez e um grande erro.

Confira o que está acontecendo no mundo. Mesmo os aliados dos EUA estão cortando as reservas em dólares neste momento. Todos estão observando o que está acontecendo e procurando maneiras de se proteger. Porém, se os EUA aplicarem medidas restritivas a alguns países, como limitação de pagamentos, congelamento de reservas e assim por diante, isso será um grande alarme e um sinal para o mundo inteiro.

O que aconteceu conosco? Até 2022, cerca de 80% dos acordos de comércio exterior da Rússia eram em dólares e euros. Ao mesmo tempo, cerca de 50% de nossos acordos com países terceiros eram em dólares, e agora, acho que restam apenas 13%. Mas não proibimos o uso do dólar; não procuramos fazer isso. Os EUA decidiram limitar nossos pagamentos em dólares. Acho que é uma estupidez total, sabe, do ponto de vista dos próprios Estados Unidos, dos contribuintes norte-americanos. Porque é um golpe na economia dos EUA e enfraquece o papel dos Estados Unidos no mundo.

A propósito, as transações em yuan eram de cerca de 3%. Agora, liquidamos 34% em rublos e aproximadamente a mesma quantia, um pouco mais de 34%, em yuans.

Por que os Estados Unidos fizeram isso? Só posso explicar isso pela arrogância. Eles provavelmente pensaram que tudo entraria em colapso, mas nada disso aconteceu. Além disso, olhe, outros países, inclusive países produtores de petróleo, estão começando a negociar e a agir, estão pagando pelas compras de petróleo em yuan.

Vocês percebem que isso está acontecendo ou não? Alguém se dá conta disso nos Estados Unidos? O que estão fazendo? Vocês estão se isolando… Pergunte a todos os especialistas, a qualquer pessoa inteligente e pensante nos Estados Unidos: o que é o dólar para os Estados Unidos? Vocês mesmos estão acabando com ele.

T. Carlson: Acho que essa é uma avaliação muito justa. Próxima pergunta: será que vocês trocaram uma potência colonial por outra, mas uma que é mais gentil? Será que o BRICS hoje tem o risco de ser dominado por uma potência colonial mais gentil, a China? Em sua opinião, isso é bom para a soberania? O senhor está preocupado com isso?

V. Putin: Conhecemos bem essas histórias assustadoras. Essa é uma história assustadora. Somos vizinhos da China. Os vizinhos, assim como parentes mais próximos, não se escolhem. Compartilhamos uma fronteira de milhares de quilômetros com eles. Em primeiro lugar.

Em segundo lugar, estamos acostumados a viver juntos há séculos. Em terceiro lugar, a filosofia da política externa da China não é agressiva, o conceito de política externa chinesa está sempre em busca de compromisso, e vemos isso. O outro ponto é o seguinte. Sempre nos dizem, e agora o senhor tentou colocar essa história assustadora de uma forma mais branda, mas ainda assim é o mesmo: o volume de cooperação com a China está aumentando.

A taxa de crescimento da cooperação da China com a Europa é maior e mais alta do que a da Federação da Rússia com a China. Pergunte aos europeus: eles não estão com medo? Talvez tenham medo, não sei, mas eles estão procurando entrar no mercado chinês a todo o custo, especialmente quando estão enfrentando problemas econômicos. E as empresas chinesas estão explorando o mercado europeu.

Será que há uma pequena presença de empresas chinesas nos EUA? Sim, as decisões políticas são tomadas de tal forma que eles estão tentando limitar a cooperação com a China. Senhor Tucker, o senhor está fazendo isso em seu próprio detrimento: ao limitar a cooperação com a China, vocês estão se prejudicando. Essa é uma área sensível, e não há soluções lineares simples, bem como no caso do dólar.

Portanto, antes de impor quaisquer sanções ilegítimas – ilegítimas do ponto de vista da Carta das Nações Unidas – precisamos pensar cuidadosamente. Acho que esse é um problema para os que tomam decisões.

T. Carlson: Você disse há pouco que o mundo seria um lugar muito melhor se não houvesse duas alianças concorrentes – alianças que competem entre si. Talvez o governo americano atual, como o senhor diz, como o senhor acredita, esteja contra o senhor, mas talvez o próximo governo dos Estados Unidos, o governo depois de Joe Biden, queira entrar em contato com o senhor e o senhor queira entrar em contato com eles? Ou isso não desempenha um papel importante?

V. Putin: Vou responder agora.

Mas para terminar a pergunta anterior. Temos US$ 200 bilhões, estabelecemos uma meta com meu homólogo, meu amigo, o presidente Xi Jinping de que este ano deveríamos atingir US$ 200 bilhões no comércio com a China. E já ultrapassamos essa meta. De acordo com nossos dados, já são 230 bilhões de dólares e, de acordo com as estatísticas chinesas, são 240 bilhões de dólares, se contarmos tudo em dólares, temos um volume de comércio com a China.

E uma coisa muito importante: temos um comércio equilibrado, que se complementa na esfera da alta tecnologia, no setor de energia e na pesquisa científica. É muito equilibrado.

E quanto ao BRICS como um todo – a Rússia é a presidente do BRICS desde este ano, os países do BRICS estão se desenvolvendo muito rapidamente. Veja, se não me engano, mas em 1992, acho que a cota-parte dos países do G7 na economia mundial era de 47%, mas em 2022 ela caiu para cerca de 30%, eu acho. A cota-parte dos países do BRICS em 1992 era de apenas 16%, e agora está acima do nível do G7. E isso não está relacionado a nenhum acontecimento na Ucrânia. As tendências de desenvolvimento mundial e da economia mundial são como acabei de dizer, e isso é inevitável.

Isso continuará a ocorrer: assim como o Sol nasce, não é possível evitá-lo, é preciso se adaptar a isso. Como os Estados Unidos se adaptam? Por meio da força: sanções, pressão, bombardeios, uso de Forças Armadas. Isso tem a ver com arrogância. A elite política dos Estados Unidos não entende que o mundo está mudando de acordo com circunstâncias objetivas e que é necessário tomar as decisões certas na hora certa, para manter seu nível, mesmo que alguém queira, me desculpe, o nível de domínio. Essas ações grosseiras, inclusive em relação à Rússia, digamos, a outros países, levam ao resultado oposto. Esse é um fato óbvio, que já se tornou óbvio hoje.

O senhor me perguntou: será que outro líder virá e mudará alguma coisa? Não se trata do líder, não se trata da personalidade de uma pessoa específica. Eu tinha um relacionamento muito bom com, digamos, Bush. Sei que nos Estados Unidos ele era visto como uma espécie de garoto do campo que não sabe muito sobre nada. Garanto, não é o caso. Acho que ele também cometeu muitos erros quanto à Rússia. Eu falei a você sobre 2008 e a decisão em Bucareste de abrir a porta da OTAN para a Ucrânia e assim por diante. Isso foi durante seu mandato, ele pressionou os europeus.

Mas, em geral, na relação pessoal, eu tinha um relacionamento muito bom e gentil com ele. Ele não era mais estúpido do que qualquer outro político americano, russo ou europeu. Garanto que ele entendia o que estava fazendo tão bem quanto os outros. Eu também tinha um relacionamento pessoal com Trump.

Não tem a ver com a personalidade do líder, mas sim do estado de disposição das elites. Se a sociedade americana for dominada pela ideia de dominação a qualquer custo e pela força, nada mudará – só piorará. Mas se, no final das contas, perceberem que o mundo está mudando devido a circunstâncias objetivas e que precisamos nos adaptar a elas a tempo, usando as vantagens que os EUA ainda têm hoje, então talvez algo possa mudar.

Veja, a economia da China se tornou a primeira economia do mundo em termos de paridade de poder de compra, em termos de volume, ela ultrapassou os EUA há muito tempo. Em seguida estão os EUA e a Índia – um bilhão e meio de pessoas, seguidos pelo Japão, com a Rússia em quinto lugar. A Rússia se tornou a primeira economia da Europa no ano passado, apesar de todas as sanções e restrições.

Isso é normal, do seu ponto de vista? Sanções, restrições, impossibilidade de pagamentos em dólares, corte do SWIFT, sanções contra nossos navios que transportam petróleo, sanções contra aeronaves – sanções em tudo, em todos os campos. O maior número de sanções aplicadas no mundo é aplicado contra a Rússia. E nós nos tornamos a primeira economia da Europa durante esse período.

Os instrumentos usados pelos EUA não funcionam. Bem, é preciso pensar no que fazer. Se essa percepção chegar às elites governantes, então sim, a primeira figura do Estado agirá em antecipação ao que os eleitores e os que tomam decisões em vários níveis esperam dela. Então, talvez algo mude.

T. Carlson: O senhor descreve dois sistemas diferentes, diz que um líder age de acordo com os interesses dos eleitores, mas, ao mesmo tempo, algumas decisões são tomadas pelas classes dominantes. O senhor lidera o país há muitos anos. Na sua opinião, com tanta experiência, quem toma as decisões nos Estados Unidos?

V. Putin: Não sei. Os Estados Unidos são um país complexo, muito conservador por um lado e de mudanças rápidas, por outro. Não é fácil para nós entendermos isso.

Quem faz a escolha nas eleições? Como podemos entender, quando cada estado tem sua própria legislação, cada estado se regula a si mesmo, alguém pode ser excluído das eleições ao nível estadual. É um sistema eleitoral de dois níveis, e é muito difícil para nós entendermos isso. É claro que há dois partidos dominantes: os republicanos e os democratas. E dentro desse sistema partidário existem núcleos que tomam decisões, que preparam decisões.

Então, veja, por que, na minha opinião, após o colapso da União Soviética, foi adotada uma política de pressão tão errada, grosseira e completamente injustificada contra a Rússia? Afinal de contas, essa é uma política de pressão. A expansão da OTAN, o apoio aos separatistas no Cáucaso, a criação de um sistema de defesa antimísseis – todos esses são elementos de pressão. Pressão, pressão, pressão… Depois, a Ucrânia foi arrastada para a OTAN. Tudo isso é pressão, pressão, pressão. Por quê?

Acho que, entre outras coisas, foi também porque, falando condicionalmente, tinha sido criada uma “excessiva capacidade produtiva”. Durante a luta contra a União Soviética, havia muitos centros e especialistas em assuntos da União Soviética que, após o fim da URSS, não sabiam fazer outra coisa. Parecia-lhes, eles persuadiram a liderança política: era necessário continuar atacando a Rússia, tentar desmembrá-la, criar nesse território várias formações quase estatais e dominá-las separadamente, para usar seu potencial agregado na futura luta com a China.

Isso foi um erro, inclusive manter o potencial excessivo daqueles que trabalharam para o confronto com a União Soviética. É necessário que o país se livre disso – deve haver forças novas e frescas, pessoas que olhem para o futuro e entendam o que está acontecendo no mundo. Observe como a Indonésia está se desenvolvendo! 600 milhões de pessoas. Como você pode escapar disso? Não é possível. Temos que presumir que a Indonésia entrará para o clube das principais economias do mundo, quer algumas pessoas gostem ou não.

Sim, entendemos e compreendemos que os Estados Unidos, apesar de todos os problemas econômicos, ainda têm um estado normal e um crescimento econômico decente – 2,5% de crescimento do PIB, eu acho. Mas, se quisermos garantir o futuro, precisamos mudar nossa abordagem em relação ao que está mudando. Como eu disse, o mundo seguirá mudando, independentemente do desfecho dos acontecimentos na Ucrânia.

O mundo está mudando. Os próprios especialistas dos EUA estão escrevendo que os Estados Unidos estão mudando gradualmente sua posição no mundo – seus próprios especialistas estão escrevendo, eu os leio. A única questão é como isso ocorrerá: de forma dolorosa e rápida ou suave e gradual? E isso é escrito por pessoas que não são antiamericanas – elas apenas observam as tendências de desenvolvimento no mundo. Isso é tudo. Para avaliar, para mudar a política, precisamos de pessoas que pensem, que olhem para o futuro, que possam analisar e recomendar algumas decisões à liderança política.

T. Carlson: Tenho que perguntar: o senhor disse claramente que a expansão da OTAN foi uma quebra de promessa e é uma ameaça ao seu país. Mas antes de enviar tropas para a Ucrânia, em uma conferência de segurança, o vice-presidente dos Estados Unidos apoiou as aspirações do presidente da Ucrânia de ingressar na OTAN. Você acha que foi isso, entre outras coisas, que provocou uma ação militar?

V. Putin: Repito mais uma vez: nós sugerimos repetidamente, repetidamente, que buscássemos uma solução para os problemas que surgiram na Ucrânia após o golpe de Estado de 2014 por meios pacíficos. Mas ninguém nos ouviu. E mais, a liderança ucraniana, que estava sob o controle total dos EUA, de repente declarou que não cumpriria os acordos de Minsk – eles não gostam de nada nesses acordos – e continuou a atividade militar nesse território. Paralelamente, as estruturas militares da OTAN estavam desenvolvendo ações na Ucrânia sob o pretexto de vários centros de treinamento e retreinamento. Basicamente, eles começaram a estabelecer bases lá. E é tudo.

Na Ucrânia, eles declararam que os russos são – eles aprovaram uma lei – um grupo étnico, uma nação, não-titular e, ao mesmo tempo, aprovaram leis que restringem os direitos das nações não-titulares na Ucrânia. A Ucrânia, tendo recebido todos esses territórios do Sudeste como um presente do povo russo, de repente anunciou que os russos nesse território são uma nação não-titular. Isso é normal? Tudo isso em conjunto causou a decisão de interromper a guerra que os neonazistas desencadearam na Ucrânia em 2014 por meios militares.

T. Carlson: O senhor acha que [Vladimir] Zelensky tem liberdade de negociar uma solução para esse conflito?

V. Putin: Não sei. Há detalhes, é difícil para mim julgar, é claro. Mas acho que, pelo menos, havia. Seu pai combateu os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, e uma vez falei com ele sobre isso. Eu disse:

“Volodya, o que você está fazendo? Por que está apoiando os neonazistas na Ucrânia hoje, quando seu pai lutou contra o fascismo? Seu pai era um soldado do front.”

Não vou dizer o que ele respondeu, pois é um outro assunto, e acho que é incorreto falar sobre isso. Mas, quanto à liberdade de escolha, por que não? Ele chegou ao poder com base nas expectativas da população ucraniana de que traria a paz à Ucrânia. Era sobre isso que ele estava falando – ele venceu as eleições com uma grande vantagem devido a isso.

Mas depois, quando chegou ao poder, na minha opinião, ele percebeu duas coisas. Em primeiro lugar, é melhor não brigar com os neonazistas e nacionalistas, porque eles são agressivos e muito ativos – você pode esperar qualquer coisa deles. E, em segundo lugar, o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, os apoia e sempre apoiará aqueles que lutam contra a Rússia – isso é lucrativo e seguro. Portanto, ele tomou a atitude correspondente, apesar da promessa que fez ao seu povo de acabar com a guerra na Ucrânia. Ele enganou seu eleitorado.

T. Carlson: O senhor acha que agora, em fevereiro de 2024, ele tem a liberdade de conversar com o seu governo e tentar ajudar o país dele de alguma forma? Será que ele pode fazer isso?

V. Putin: Por que não? Ele se considera o chefe de Estado, ele ganhou as eleições. Embora nós, na Rússia, acreditemos que tudo o que aconteceu depois de 2014 foi um golpe de Estado e, nesse sentido, até mesmo o governo atual é limitado. Mas ele se considera presidente e, portanto, é reconhecido pelos Estados Unidos, pelo resto da Europa e praticamente pelo resto do mundo. Por que não? Ele pode. Nós fizemos negociações com a Ucrânia em Istambul, chegamos a um acordo, ele sabia disso. Além disso, o chefe do grupo de negociação, o senhor [David] Arakhamiya, acho que é o sobrenome dele, continua chefiando a bancada do partido governista, o partido do presidente na [Suprema] Rada.

Ele também ainda lidera a bancada do presidente na Rada, no parlamento do país, ainda está lá. Ele até assinou esse documento, sobre o qual estou lhes falando. Mas, depois, ele disse publicamente para o mundo todo:

“Estávamos prontos para assinar esse documento, mas o senhor [Boris] Johnson, então primeiro-ministro do Reino Unido, veio e nos convenceu a não o fazer e disse que era melhor entrar em guerra com a Rússia. Eles nos forneceriam tudo o que precisávamos para recuperar o que havíamos perdido na luta contra a Rússia. E nós concordamos com essa proposta.”

Veja, sua declaração foi publicada. Ele disse isso em público. Eles podem voltar a isso ou não? Essa é a questão: eles querem ou não? Depois disso, o presidente da Ucrânia emitiu um decreto proibindo negociações conosco. Que ele cancele esse decreto, é tudo. Nunca nos recusamos a negociar. Ouvimos o tempo todo: a Rússia está pronta, a Rússia está pronta? Nós nunca nos recusamos! Eles se recusaram publicamente. Bem, que eles cancelem seu decreto e negociem. Nós nunca nos recusamos.

O fato de terem se submetido à exigência ou à persuasão do ex-primeiro-ministro britânico Johnson é ridículo e muito, como devo dizer, triste. Porque, como disse o senhor Arakhamiya, “poderíamos ter interrompido essas hostilidades, interrompido essa guerra há 18 meses, mas fomos persuadidos pelos britânicos e nos recusamos a fazê-lo”. Onde está o senhor Johnson agora? E a guerra continua.

T. Carlson: Essa é uma boa pergunta. Por que ele fez isso?

V. Putin: Quem sabe? Eu mesmo não entendo. Havia uma orientação geral. Por alguma razão, todos tinham a ilusão de que a Rússia poderia ser derrotada no campo de batalha – por arrogância, por um coração puro, mas não por uma grande inteligência.

T. Carlson: O senhor descreveu a ligação entre a Rússia e a Ucrânia, descreveu a Rússia, que é um país ortodoxo, falou sobre isso. E o que isso significa para o senhor? O senhor é o líder de um país cristão, como o senhor mesmo descreve. Que efeito isso tem sobre o senhor?

V. Putin: Como já disse, em 988, o príncipe Vladimir batizou, ele mesmo foi batizado seguindo o exemplo de sua avó, a princesa Olga, e depois batizou seus vigilantes e, gradualmente, ao longo de vários anos, batizou toda a Rússia. Foi um processo duradouro – de pagãos a cristãos, foram muitos anos. Mas, no final, a ortodoxia, o cristianismo oriental, estava profundamente enraizado na consciência do povo russo.

Quando a Rússia se expandiu e anexou outras nações do Islã, do budismo e do judaísmo, ela sempre foi muito leal a essas nações de outras religiões. Essa é sua força. Isso é absolutamente claro.

E o assunto é que todas as religiões do mundo, que acabei de mencionar e que são religiões tradicionais da Federação da Rússia, de fato, as teses básicas, os valores básicos são muito semelhantes, se não iguais. E as autoridades russas sempre trataram com muito cuidado a cultura e a religião dos povos que faziam parte do Império Russo. Isso, na minha opinião, é a base para a segurança e a estabilidade do Estado russo. Porque todos os povos que moram na Rússia basicamente a consideram sua terra natal.

Se as pessoas se mudarem para seu país, digamos, da América Latina, ou para a Europa – um exemplo ainda mais claro e compreensível – as pessoas vêm, mas elas vieram de sua terra natal histórica até você ou para os países europeus. E as pessoas que professam religiões diferentes na Rússia, eles consideram a Rússia sua pátria – eles não têm outra pátria. Estamos juntos, somos uma grande família.

E nossos valores tradicionais são muito semelhantes. Quando eu disse “é uma grande família”, todo mundo tem sua própria família, e essa é a base de nossa sociedade. E se dissermos que a pátria e a família estão muito ligadas, então é isso mesmo. Porque é impossível garantir um futuro digno para nossos filhos e para nossa família se não garantirmos um futuro digno e sustentável para todo o país, para a pátria. É por isso que o patriotismo é tão desenvolvido na Rússia.

T. Carlson: Se me permite, as religiões são diferentes. O fato é que o cristianismo é uma religião não violenta, Cristo diz: “Dar a outra face”, “Não matarás” e assim por diante. Mas como um líder pode ser cristão se tiver de matar outra pessoa? Como você pode conciliar isso em si mesmo?

V. Putin: É muito fácil quando se trata de defender a si mesmo e sua família, sua Pátria. Não estamos atacando ninguém. Como começaram os eventos na Ucrânia? Com o golpe de Estado e o início das hostilidades em Donbass, foi aí. E estamos defendendo nosso povo, nós mesmos, nossa Pátria e nosso futuro.

Quanto à religião em geral, você sabe, ela não está nas manifestações externas, não está em ir à igreja todos os dias ou bater com a cabeça no chão. Ela está no coração. E nós temos uma cultura centrada no ser humano. [Fiódor] Dostoiévski, que é muito famoso no Ocidente como um gênio da cultura russa, da literatura russa, falou muito sobre isso, sobre a alma russa.

Mas a sociedade ocidental é mais pragmática. Uma pessoa russa, uma pessoa da Rússia pensa mais no eterno, pensa mais em valores morais. Não sei, talvez você não concorde comigo, mas a cultura ocidental é mais pragmática.

Não estou dizendo que isso seja algo ruim, pois permite que o “bilhão de ouro” de hoje obtenha bons sucessos na produção, até mesmo na ciência e assim por diante. Não há nada de errado nisso, estou apenas dizendo que temos a mesma aparência, mas nossa consciência é ligeiramente diferente.

T. Carlson: Então você acha que há algo sobrenatural funcionando aqui? Quando você olha para o que está acontecendo no mundo, você vê as obras de Deus? Você diz para si mesmo que vejo algumas forças sobre-humanas agindo aqui?

V. Putin Não, sinceramente, não acho que seja assim. Acho que a comunidade mundial se desenvolve de acordo com suas próprias leis internas, e elas são o que são. Não há como escapar disso, sempre foi assim na história da humanidade.

Algumas nações e países cresceram, se multiplicaram, se fortaleceram e depois se retiraram da arena internacional na capacidade a que estavam acostumados.

Provavelmente não preciso dar esses exemplos: começando com esses mesmos conquistadores da Horda, com Gengis Khan, depois com a Horda Dourada, e terminando com o grande Império Romano. Na história da humanidade parece que não houve nada como o grande Império Romano.

No entanto, o potencial dos bárbaros foi se acumulando, se acumulando, e sob seus golpes o Império Romano entrou em colapso, porque os bárbaros se tornaram mais numerosos, começaram em geral a se desenvolver bem, como dizemos agora, economicamente, começaram a se fortalecer.

E esse regime, que foi imposto ao mundo pelo grande Império Romano, entrou em colapso. Contudo, levou muito tempo para entrar em colapso – 500 anos, esse processo de decomposição do grande Império Romano durou 500 anos. A diferença em relação à situação atual é que os processos de mudança hoje são muito mais rápidos do que na época do grande Império Romano.

T. Carlson: Mas quando começa o império da IA, inteligência artificial?

V. Putin: Está me metendo em coisas cada vez mais complicadas. Para responder a isso, você tem que ser um especialista em grandes números, é claro, nessa inteligência artificial. A humanidade tem muitas ameaças: pesquisa no campo da genética, que pode criar um sobre-humano, um homem especial, um guerreiro, um homem-cientista, um homem-atleta. Agora eles estão dizendo que nos EUA, Elon Musk já implantou um chip no cérebro de um homem.

T. Carlson: O que você acha sobre isso?

V. Putin: Eu acho que [Elon] Musk não pode ser parado, ele ainda vai fazer o que ele acha que é certo. Mas nós temos que lidar com ele de alguma forma, encontrar alguma maneira de convencê-lo. Eu acho que ele é um homem inteligente, então eu tenho certeza que ele é um homem inteligente. É necessário de alguma forma concordar com ele que este processo deve ser canonizado, para obedecer a algumas regras. A humanidade, é claro, deve pensar sobre o que acontecerá com ela em conexão com o desenvolvimento desta última pesquisa e tecnologia.

A humanidade, é claro, deve pensar no que acontecerá com ela em relação ao desenvolvimento dessas últimas pesquisas e tecnologias em genética ou inteligência artificial. É possível prever aproximadamente o que acontecerá. Portanto, quando a humanidade se sentiu ameaçada pelas armas nucleares, todos os possuidores de armas nucleares começaram a negociar entre si, pois perceberam que seu uso descuidado poderia levar à destruição total e plena.

Quando houver a compreensão de que o desenvolvimento ilimitado e descontrolado da inteligência artificial, da genética ou de outras direções modernas, que não podem ser interrompidas, essas pesquisas ainda existirão, assim como foi impossível esconder da humanidade o que é a pólvora, e é impossível interromper a pesquisa nessa ou naquela área, essa pesquisa continuará existindo, mas quando a humanidade sentir a ameaça para si mesma, para a humanidade como um todo, então, creio eu, haverá um período para se chegar a um acordo em nível interestadual sobre como regulamentá-la.

T. Carlson: Muito obrigado por seu tempo. Quero fazer mais uma pergunta.

Evan Gershkovich, ele tem 32 anos, é um jornalista americano, está preso há mais de um ano, é uma grande história nos EUA. Gostaria de lhe perguntar: você estaria disposto a libertá-lo como um gesto de boa vontade para que o levássemos para os EUA?

V. Putin: Fizemos tantos gestos de boa vontade que acho que já esgotamos todos os limites. Ninguém jamais respondeu aos nossos gestos de boa vontade com gestos semelhantes. Mas, em princípio, estamos prontos para falar sobre o fato de que não descartamos a possibilidade de fazer isso se houver um movimento nessa direção de nossos parceiros.

E quando digo “parceiros”, refiro-me, em primeiro lugar, aos representantes dos serviços secretos. Eles estão em contato uns com os outros e estão discutindo esse assunto. Não temos nenhum tabu para não resolver esse problema. Estamos prontos para resolvê-lo, mas há certas condições que são discutidas por meio de canais de parceria entre os serviços secretos. Parece-me que é possível chegar a um acordo sobre isso.

É claro que tudo isso vem acontecendo há séculos – um país captura um espião, o detém e depois o troca por outra pessoa. É claro que isso não é da minha conta, mas o que torna essa situação diferente é que essa pessoa definitivamente não é um espião, é apenas uma criança. E ele certamente pode ter violado suas leis, mas não é um espião e não esteve espionando. Talvez ele esteja em uma categoria diferente, afinal de contas? Talvez seja injusto pedir outra pessoa em troca dele?

Sabe, pode se falar de muitas maneiras sobre o que é um espião e o que não é um espião, mas há certas coisas estipuladas por lei. Se uma pessoa obtém informações secretas e o faz em uma base conspiratória, isso é chamado de espionagem. Era exatamente isso que ele estava fazendo: estava recebendo informações confidenciais e secretas, e estava fazendo isso de modo conspirativo.

Não sei, talvez ele tenha sido arrastado para isso, alguém poderia tê-lo arrastado para isso, talvez ele tenha feito tudo de forma imprudente, por iniciativa própria. Mas objetivamente isso se chama espionagem. E tudo está provado, porque ele foi pego em flagrante quando recebia essas informações. Se isso fosse algo rebuscado, inventado, não comprovado, isso seria outra história. Ele foi pego em flagrante quando recebia informações secretas com base em conspiração. O que é isso?

T. Carlson: Você está dizendo que ele estava trabalhando para o governo americano, para a OTAN, ou era apenas um jornalista que obteve informações que não deveriam estar em suas mãos? Acho mesmo assim que há uma diferença entre as duas categorias.

V. Putin: Não sei para quem ele estava trabalhando. Mas repito mais uma vez: a obtenção de informações secretas em uma base conspiratória é chamada de espionagem, e ele estava trabalhando no interesse dos serviços de inteligência americanos ou de outras estruturas.

Não acho que ele estivesse trabalhando para Mônaco, é improvável que Mônaco estivesse interessado em obter essas informações. São os serviços secretos que precisam chegar a um acordo entre si, sabe? Há certos desenvolvimentos lá, há pessoas que, em nossa opinião, não estão ligadas aos serviços de segurança.

Olha, deixe-me dizer uma coisa: há um homem preso em um país, um país aliado dos EUA, que, por motivos patrióticos, liquidou um bandido em uma das capitais europeias.

Durante os eventos no Cáucaso, você sabe o que ele [o bandido] fazia? Não quero dizer, mas mesmo assim direi: ele deitava nossos soldados feitos prisioneiros na estrada e depois passava com um carro sobre suas cabeças. Que tipo de homem é esse e será mesmo um homem? Mas houve um patriota que o liquidou em uma das capitais europeias. Se ele fez isso por iniciativa própria ou não, é outra questão.

T. Carlson: Evan Gershkovich não fazia nada disso, é uma história completamente diferente.

V. Putin: Ele estava fazendo outra coisa.

T. Carlson: Ele é apenas um jornalista.

V. Putin: Ele não é apenas um jornalista, repito novamente. Ele é um jornalista que obtinha informações confidenciais em uma base conspiratória. Sim, bem, essa é uma história bem diferente.

Estou falando apenas das pessoas que estão essencialmente sob o controle das autoridades dos EUA, onde quer que estejam na prisão, e há um diálogo entre os serviços de inteligência. Isso deve ser tratado com calma, tranquilidade e profissionalismo. Existem contatos, deixe-os trabalhar.

Não excluo a possibilidade de que a pessoa que você mencionou, o senhor Gershkovich, possa regressar ao seu país. Por que não? Não faz sentido mantê-lo mais ou menos preso na Rússia. Mas que os colegas de nossos agentes de inteligência do lado americano também pensem em como resolver os problemas que nossos serviços de inteligência estão enfrentando. Não estamos fechados a negociações. Além disso, essas negociações estão em andamento, e houve muitos casos em que chegamos a um acordo. Ainda podemos chegar a um acordo, mas só precisamos negociar.

T. Carlson: Espero que o liberem. Muito obrigado, senhor presidente.

V. Putin: Eu também gostaria que ele voltasse para casa. Digo isso com sinceridade. Mas, novamente, há um diálogo em andamento. Quanto mais divulgamos coisas como essa, mais difícil é resolvê-las. Tudo deve ser feito com calma.

T. Carlson: Sinceramente, com a guerra, não sei se funciona ou não. Se eu puder fazer mais uma pergunta. Talvez você não queira responder por motivos estratégicos, mas não está preocupado que o que está acontecendo na Ucrânia possa levar a algo muito maior e muito pior? E o quanto você está pronto, o quanto está motivado para ligar, por exemplo, para os EUA e dizer: vamos negociar?

V. Putin: Veja, eu já disse: não nos recusamos a negociar. Não estamos nos recusando, isso é o lado ocidental, e a Ucrânia é certamente um satélite dos EUA hoje. Isso é óbvio. Sinceramente, não quero que isso soe como um tipo de palavrão ou insulto a alguém, mas nós certamente entendemos o que está acontecendo?

Foi dado apoio financeiro, US$ 72 bilhões, a Alemanha está em segundo lugar, outros países europeus, dezenas de bilhões de dólares estão indo para a Ucrânia. Há um enorme fluxo de armas.

Diga à atual liderança ucraniana: ouçam, vamos nos sentar, negociar, cancelem sua lei ou decreto estúpido e se sentem e negociem. Nós não nos recusamos.

Sim, você já disse isso. Estou bem ciente, é claro, de que não se trata de um palavrão. Na verdade, foi relatado que a Ucrânia foi impedida de assinar a paz por indicação do ex-primeiro-ministro britânico, que estava agindo sob ordens de Washington. É por isso que pergunto: por que o senhor não aborda essas questões diretamente com o governo de Biden, que controla o governo de Zelensky na Ucrânia?

Se o governo de Zelensky na Ucrânia se recusou a negociar, presumo que o tenha feito por instruções de Washington. Se eles perceberem em Washington que essa foi a decisão errada, que a abandonem, encontrem um pretexto sutil e não ofensivo para ninguém e encontrem uma solução. Não fomos nós que tomamos essas decisões, eles tomaram a decisão lá, eles que desistam dela. É isso.

Mas eles tomaram uma decisão errada, e agora temos que procurar uma maneira de sair dessa decisão errada, agradar, corrigir seus erros? Eles cometeram um erro, que o corrijam. Nós somos a favor.

T. Carlson: Quero ter certeza de que o entendi corretamente. Então você quer chegar a uma solução negociada do que está acontecendo na Ucrânia agora, certo?

V. Putin: Certo. Mas conseguimos isso, criamos um grande documento em Istambul, que foi rubricado pelo chefe da delegação ucraniana. Sua assinatura está no resumo desse tratado, não no documento inteiro, mas no resumo.

Ele colocou sua assinatura e depois disse: “Estávamos prontos para assinar, e a guerra teria terminado há muito tempo, há um ano e meio. Mas o senhor [Boris] Johnson veio e nos convenceu a não o fazer, e perdemos essa chance”. Bem, eles perderam a chance, cometeram um erro que regressem a isso, só isso. Mas por que deveríamos fazer um estardalhaço e corrigir os erros de outras pessoas?

Entendo, você poderia dizer que foi um erro nosso, que intensificamos as ações e que decidimos com a ajuda das armas interromper essa guerra, como eu disse, iniciada em 2014 em Donbass.

Mas vou levá-lo ainda mais longe, já falei sobre isso, você e eu acabamos de falar sobre isso. Então, voltemos a 1991, quando nos prometeram não expandir a OTAN, voltemos a 2008, quando os portões da OTAN foram abertos, voltemos à Declaração de Independência da Ucrânia, quando ela se declarou um Estado neutro.

Vamos voltar ao fato de que as bases da OTAN, bases americanas e bases britânicas, começaram a aparecer no território da Ucrânia, criando essas ameaças para nós. Voltemos ao fato de que um golpe de Estado foi realizado na Ucrânia em 2014. É inútil, não é? Podemos rolar essa bola para frente e para trás sem parar. Mas eles pararam de negociar. Foi um erro? Sim. Conserte-o. Estamos prontos. Mais alguma coisa?

T. Carlson: Você não acha que seria humilhante demais para a OTAN reconhecer agora o controle da Rússia sobre o que era território ucraniano há dois anos?

V. Putin: E eu já disse: eles que pensem em como fazer isso de forma digna. Há opções, mas se houver vontade.

Até agora, eles têm estado fazendo barulho, gritando: precisamos conseguir uma derrota estratégica da Rússia, uma derrota no campo de batalha. Mas agora, aparentemente, percebem que isso não é fácil de fazer, se é que é possível. Na minha opinião, isso é impossível por definição, nunca acontecerá. Parece-me que agora essa percepção também chegou àqueles que controlam o poder no Ocidente. Mas se isso for verdade e se essa percepção tiver chegado, pensem agora no que fazer em seguida. Estamos prontos para esse diálogo.

T. Carlson: Você está pronto para dizer, por exemplo, à OTAN: parabéns, vocês venceram, vamos manter a situação como está agora?

V. Putin: Você sabe, esse é um tema de negociações que ninguém quer negociar conosco ou, para ser mais preciso, eles querem, mas não sabem como. Eu sei que eles querem, eu não apenas vejo isso, mas sei que eles querem, mas não conseguem descobrir como fazê-lo. Nós pensamos nisso e o trouxemos para a situação em que nos encontramos. Não fomos nós que a provocamos, mas nossos “parceiros”, nossos oponentes, que a provocaram. Bem, agora eles que pensem em como reverter a situação. Nós não estamos dizendo não.

Seria engraçado se não fosse tão triste. Essa mobilização interminável na Ucrânia, a histeria, os problemas internos, tudo isso. Mais cedo ou mais tarde, chegaremos a um acordo. E sabe de uma coisa? Pode até parecer estranho na situação atual: as relações entre os povos serão restauradas de qualquer maneira. Levará muito tempo, mas serão restabelecidas.

Vou dar alguns exemplos incomuns. No campo de batalha, há um confronto, um exemplo concreto: os soldados ucranianos estão cercados – esse é um exemplo concreto da vida, das operações de combate – nossos soldados gritam para eles:

“Não há chance, rendam-se! Saiam, vocês estarão vivos, rendam-se!”

E de repente, de lá, em russo, em um bom idioma russo, eles gritaram “Os russos não se rendem!”, e todos morreram. Eles ainda se sentem russos até hoje.

Nesse sentido, o que está acontecendo é, até certo ponto, um elemento de guerra civil. E todo mundo pensa no Ocidente que a luta separou permanentemente uma parte do povo russo da outra. Não. Não. A reunião está acontecendo. Não vai a lugar nenhum.

Por que as autoridades ucranianas estão desmembrando a Igreja Ortodoxa Ucraniana? Porque ela une não territórios, mas sim a alma. E ninguém conseguirá a desmembrar.

V. Putin: Vamos acabar ou há outra coisa a perguntar?

T. Carlson: Então, terminei. Muito obrigado, senhor presidente.

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