9/5/2018, Brett Redmayne-Titley, Unz Review
No que se deve descrever como descomunal derrota da influência ocidental no Líbano, o Hizbullah dobrou o número de assentos com votos no novo Parlamento libanês, resultado da primeira eleição em nove anos e da decisão dos libaneses de comandarem os próprios feitos eleitorais.
O desespero dos apoiadores ocidentais de Saad Hariri ficou patente no gigantismo de sua propaganda eleitoral, com imagens suas por toda a cidade, no esforço para fazer sumir os demais candidatos com os quais ele imaginava contar para constituir sua própria nova coalizão, que teria resultado em mais poder para ele mesmo e para os apoiadores ocidentais com os quais se reuniu há duas semanas em Paris. O mesmo desespero também apareceu muito visível, no escândalo da compra de votos – que a mídia-empresa ocidental ignorou –, outro expediente que visava a impedir a ascensão do Hezbollah.
Movimento de importância geopolítica, contudo, nos últimos dias de campanha da eleição para o Parlamento realizada domingo retrasado, essa acusação de compra de votos estava muito presente na mente dos libaneses (foram oferecidos $2000 por voto) que chegavam às urnas. O descontentamento dos eleitores ante essa tentativa para fraudar a primeira eleição depois de quase uma década, resultou numa derrota que condenou Hariri à lata do lixo político, depois de o seu grupo perder mais de 1/3 dos assentos que ocupavam no Parlamento; ao mesmo tempo, o Hezbollah dobrou o número de assentos com votos que tinha, chegando a 24 votos; e vários candidatos e grupos da mesma coalizão também obtiveram vantagens expressivas. Implica dizer que, como previsto, a coalizão do Hezbollah não será apenas uma barreira contra a influência ocidental que ainda resta no Parlamento libanês: a coalizão do “Partido de Deus” passa agora a ditar a agenda e, com a nova maioria, tem capacidade para influenciar fortemente a eleição dos três líderes mais importantes do país: o presidente, o presidente do Parlamento e o primeiro-ministro – cargo no qual é pouco provável que Hariri consiga permanecer.
Os problemas para Hariri começaram logo cedo, na manhã das eleições, quando, às 14h, o comparecimento dos eleitores às urnas mal chegava aos 24,7%, muito abaixo das expectativas. O atual presidente Michel Aoun foi para a TV para pedir que o Líbano se levantasse e fosse votar. Num tuíto logo depois, Aoun escreveu: “Reitero a convocação. Se o que vocês querem é mudança e nova abordagem, é indispensável que exerçam o direito de votar. Não percam a oportunidade que a nova lei oferece, de todos poderem ser eleitos ao Parlamento.”
Depois disso, começaram a surgir carros adornados com bandeiras dos partidos políticos pelas ruas, com alto-falantes conclamando os eleitores a ir votar. Carros de som faziam ouvir discursos dos candidatos pedinto votos também em frente às cabines eleitorais – o que configura infração à Regra 78 das leis eleitorais. Sami Gemayel, líder do Partido Kataeb e deputado, depois de votar em Metn, disse a repórteres que estava chocado com “tantos candidatos desrespeitando a lei de blecaute de todas as mídias no dia das eleições”. O presidente da Comissão de Observação das Eleições, juiz Nadim Abdel Malek, distribuiu comunicado alertando que veículos que tivessem infringido a lei do silêncio no dia das eleições seriam denunciados à Corte competente.
Como fez sempre, desde o início da campanha, o Hezbollah manteve-se estritamente nos limites do que manda a lei. Os eleitores do Hezbollah são empenhados, muito bem organizados, pró-Líbano até o âmago e muito bem informados. Sabiam da importância daquela eleição e foram em massa às urnas. O baixo comparecimento às urnas dos demais candidatos favoreceu o sucesso do partido, porque os adversários desistiram das eleições. Além do mais, o Hezbollah não se envolveu nos golpes e falcatruas eleitorais, o que é consistente com o que o Partido de Nasrallah faz sempre, nos seus 18 anos de ascensão ao poder. Dentre outros fatores, o Hezbollah foi beneficiado pela fidelidade inalterada e reconhecida, à legalidade e à ética, exigência consistente com a doutrina xiita e o horror que a corrupção inspira aos xiitas.
A doutrina xiita aparece como o perfeito oposto da corrupção flagrante e escandalosa e do divisionismo de Hariri e de outros partidos não xiitas. Depois do grande escândalo da compra de votos, só restaram aos eleitores duas escolhas: não votar, ou votar contra mais e mais corrupção. Nenhuma dessas vias favorecia Hariri, a escolha estreita reduziu o comparecimento dos seus eleitores às urnas, e o Partido do Movimento Futuro, de Hariri, sofreu derrota fragorosa.
Não se registraram incidentes sérios e os únicos problemas foram as longas filas, urnas trocadas por acidente, falta de privacidade na cabine eleitoral, acesso difícil para os portadores de necessidades especiais e para os mais velhos, reclamações de que as cédulas eleitorais eram grandes demais e acusações contra vários políticos, por violarem a Regra 78. Myriam Skaff líder do Bloco Popular disse, em conferência com jornalistas, que o Partido Forças Libaneses haviam atacado o carro dela com porretes, e criticou as Forças da Segurança Interna por não ter impedido o ataque ao carro no qual ela viajava, até que, afinal, o exército libanês espantou os agressores. A rede Al-Jadeed TV noticiou que o Exército Libanês deteve um homem que tentava furar, com seu carro, um bloqueio de estrada em Choueifat.
A chefe da Missão de Observação das Eleições enviada pela União Europeia, Elena Valenciano disse que os 131 observadores, distribuídos por todo o território libanês, tiveram impressão “muito positiva” do processo eleitoral, em 98% dos casos observados. “A gestão do processo de votação prossegue normalmente, com alto profissionalismo” – disse Valenciano. Valenciano evidentemente excluiu de suas ‘observações’ a fraude eleitoral que estava na cabeça de todos. O líder do Movimento Livre Patriótico, candidato ao Parlamento e atual ministro de Relações Exteriores Gebran Bassil tratou com mais precisão o problema. Falou de uma “brutalidade financeira” focada em comprar votos e a consciência dos cidadãos, o que é sempre perigoso”. Bassil disse que seu partido está “limpo”.
(…) Às 22h32, o Ministério do Interior do Líbano corrigiu a contagem inicial de comparecimento às urnas, para 46,88%. É comparecimento frustrante, depois de nove anos de espera, inferior aos 55% da eleição anterior.
O que a eleição significa para o Líbano
Na 2ª-feira, o líder do partido vencedor Hassan Nasrallah falou de uma grande vitória política e eleitoral para a “Resistência”. Disse que o Hezbollah comprovou que todos os que duvidaram do apoio que as bases garantiriam aos seus candidatos erraram.
O grupo bloco só de candidatos xiitas emergiu mais forte do que antes. Xiitas contrários ao Hezbollah e seus aliados no Movimento Amal no sul são tão poucos, que suas listas eleitorais nem ultrapassaram a cláusula de número mínimo de eleitores para apresentar candidatos.
Além de ampliar a representação dos xiitas em geral, o Hezbollah conseguiu ampliar sua base parlamentar, tomando assentos de sunitas e católicos aliados em Beirute e no Vale do Beqaa Ocidental.
“O Hezbollah é o grande vencedor nessa eleição” – disse a Middle East Eye Kassem Kassir, autor do livro Hezbollah between 1982 and 2016. Acrescentou que o partido e seus aliados diretos terão um bloco de 50 deputados dos 128, sem contar a antiga coalizão sua aliada, do presidente Michel Aoun.
O Movimento Futuro do primeiro-ministro Saad Hariri perdeu cadeiras em vários distritos nos quais sempre reinou sem força que o ameaçasse. Seu partido perdeu 1/3 do total de assentos que tinha no Palamento, para os atuais 29 deputados.Em Trípoli, o Movimento Futuro perdeu cinco dos 11 assentos que tinha na Assembleia Distrital para rivais sunitas, e o ex-primeiro-ministro Najib Mikati obteve quatro, enquanto Faisal Karameh, ex-primeiro-ministro e herdeiro de uma dinastia política no norte, chegou afinal ao Parlamento.
Enquanto isso, o ex-ministro da Justiça Ashraf Rifi amargou dura derrota em sua cidade natal Tripoli, o que pôs fim à tentativa para substituir Hariri na liderança sunita.
O grupo cristão Forças Libanesas, de direita, deve ampliar a própria presenta no Parlamento, de oito para 15 deputados, o que fará dele a maior força política cristã no Líbano. FL opõe-se furiosamente ao Hezbollah e diz que as armas do Partido de Deus são ilegais – o que não passa de hipocrisia política, dado que o grupo comandou uma milícia terrorista brutal na guerra civil de 1975-1990, e foi banido da vida política durante os anos em que a Síria controlou o Líbano até 2005.
Com Aoun no palácio presidencial, seu Partido Patriótico Livre procurou pelo menos manter seu grande bloco parlamentar de apoio ao presidente. Mas o PPL deve perder alguns de seus 27 assentos com voto. Gebran Bassil, ministro de Relações Exteriores, genro de Aoun e presidente do PPL, chegou afinal ao Parlamento, depois de duas tentativas fracassadas em 2005 e 2009. Mesmo assim o PPL perdeu votos parlamentares em Monte Líbano e no norte, principalmente por efeito da representação proporcional, e agora tem de enfrentar oposição ainda mais forte de Geagea, que concorria, ele mesmo, à presidência. (…)
Depois de fechadas as sessões eleitorais e de já se conhecerem os resultados, na 2ª-feira o ministro Machnouk do Interior elogiou as eleições como “um festival democrático”.
(…) O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, também elogiou a eleição como “um sucesso”, e cumprimentou o governo e o presidente Aoun pelo sucesso do pleito eleitoral.
O futuro do Líbano está agora firmemente nas mãos desses novos parlamentares que são sinceros no desejo de ver o Líbano prosperar e chegar a um novo tipo de futuro, que seja de inclusão e de paz.
Agora que o Líbano começa a se organizar para mudar o próprio país, a eleição que acaba de ser concluída não deixará que a ‘troika’ europeia esqueça a lição – que é sinal do que está por vir em outras eleições em todo o mundo: trapaceiros enganam muita gente, mas não enganam sempre, nem enganam todos.
Traduzido por Vila Vudu