Ali Al-Khatib: um agente cultural

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Em sua entrevista, o sociólogo profissional Ali El-Khatib que atuou por muitos anos no SESC e segue hoje como produtor e diretor cultural na cidade de Campinas e em outras no Brasil e no exterior. Ali é ainda pesquisador sobre Oriente Médio e ativo militante da solidariedade com o povo palestino.

Entrevista com Ali El-Khatib

Uma das áreas onde os sociólogos (as) atuam é a da cultura. E nesse setor, um dos nossos maiores empregadores tem sido historicamente o SESC. A Administração Regional do SESC no Estado de São Paulo em particular tem dezenas de colegas que lá atuam e seu diretor, Danilo dos Santos Miranda é sociólogo e já foi entrevistado nesta coluna. Na entrevista desta edição falamos com o sociólogo profissional Ali El-Khatib que atuou por muitos anos no SESC e segue hoje como produtor e diretor cultural na cidade de Campinas e em outras no Brasil e no exterior. Ali é ainda pesquisador sobre Oriente Médio e ativo militante da solidariedade com o povo palestino.

Sociólogo Ali El-Khatib

Formado em ciências econômicas, Ali El Khatib é sociólogo profissional desde 1974, direito esse adquirido em função de atuar como sociólogo na área sócio cultural junto ao SESC de São Paulo. Há mais de 40 anos vem se destacando ainda nos estudos, pesquisas e apoio militante sobre a causa palestina, tendo sido adido cultura da embaixada da Palestina no Brasil por muitos anos. É organizador de eventos culturais árabes em Campinas e outras cidades brasileiras há 32 anos. Preside hoje o Instituto Jerusalém do Brasil, que é também um Ponto de Cultura Árabe e nessa condição esteve na Palestina ocupada por dez vezes. Por fim, Ali foi o idealizador e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Árabes da FACAMP de 2006 a 2012.

Fale-nos de sua trajetória como agente cultural. Conte-nos da experiência dos seus anos no SESC e como atuam os sociólogos da cultura nessa instituição.

Quando fazia o curso de economia na PUC de Campinas tive estreito relacionamento com os companheiros do curso de Ciências Sociais e isto me deu uma visão mais ampla da Sociologia principalmente no momento em que estávamos vivendo a difícil e truculenta repressão da ditadura militar. Devo ainda a meu pai Ahmad Abdallah El-Khatib a sua contribuição sobre a política internacional e a nossa identidade árabe-brasileira. Alguns professores como Pedro Cali Padis da PUCC e Guiné Fernandes Garcia do Colégio Estadual de Jandaia do Sul fortaleceram todos os princípios que já vinham sendo formados.

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Foi esta formação que me deu bases para atuar no SESC depois de passar por intenso processo seletivo. O SESC tinha um programa de educação não formal e continuada que era realizado no interior do Estado onde não existiam unidades fixas chamado UNIMOS Unidade Móvel de Orientação Social. Marco não só nas ações do SESC/SP, que passavam a atender as cidades do interior paulista que não possuíam unidades fixas, mas também em todo País. As UNIMOS desempenhavam nas cidades em que atuavam um amplo relacionamento e mobilização de entidades dos comerciários, comerciantes, autoridades e lideranças locais. Após um breve planejamento realizavam um amplo trabalho socioeducativo com atividades culturais, esportivas e de saúde. Capacitavam voluntários e formavam o Uniclube que se encarregava da continuidade dos projetos. A metodologia de ação comunitária permitia um amplo envolvimento de pessoas, principalmente estudantes. Teatro, cinema, música e fotografia eram áreas de grande interesse. Nesta época em que atuei 1970 – 1977 já iniciávamos alguns projetos de valorização ambiental.

A visão macro da Sociologia permitiu a realização de alguns projetos inovadores como o PROURB – Programa de Animação Urbana da Baixada Santista. Além da valorização e recuperação dos monumentos históricos como a Casa de Câmara e Cadeia, Casa do Trem, Mosteiros de São Bento entre outros o PROURB contribuiu para uma nova leitura do aproveitamento urbano, além das belas praias, que foi a valorização e ocupação do centro histórico.

O PROURB tinha como um dos objetivos criar uma nova consciência popular através de programas sócio educativos, oferecendo momentos de lazer e turismo para a população e visitantes. É nesse movimento comunitário que surge a valorização do Centro Histórico como referência turística que inicialmente parecia uma visão e que hoje se transformou em um ponto indispensável para quem visita a cidade de Santos. Sociólogos como Horácio Ribeiro, Ivan Paulo Giannini, Cláudio Barbosa, Mário Daminelli e Danilo Santos de Miranda tiveram grande importância neste projeto criativo e inovador.

Você vem organizando eventos sobre cultura árabe e palestina na cidade de Campinas desde 1981. Hoje até uma lei municipal trata da semana de cultura área na cidade. Como foram essas experiências.

Em 1980 tinha um projeto com a Secretaria de Cultura do Estado que se chamava São Paulo Sertão que pesquisava as raízes da cultura caipira paulista. Durante a pesquisa junto a algumas universidades e pesquisadores como Carlos Rodrigues Brandão, fui descobrindo a presença árabe nestas raízes caipiras como a música, o teatro, a arquitetura, a gastronomia e até a economia advinda dos mascates.

Foi aí que elaborei o projeto da 1ª Mostra das Culturas Árabe e Islâmica realizada em novembro de 1981. Esta mostra foi um marco que deflagrou um processo crescente do entendimento da presença da cultura árabe em nosso Estado. No decorrer destes projetos foram sendo realizadas várias mostras, festivais de música, dança, gastronomia, apresentações teatrais e seminários com diferentes temas. A Lei Municipal nº 26 de 1996 criou a Semana da Cultura Árabe que permite um bom avanço nestas realizações.

Com sua experiência na militância da causa árabe e palestina, você credenciou-se para propor e organizar o NEAF da FACAMP. Como foi esse processo e relate-nos as linhas de trabalhos, convênios, pesquisas, viagens à Palestina.

Durante a abertura oficial do Encontro Nacional dos Estudantes de Relações Internacionais ENERI, realizada no The Royal Palm Plaza em Campinas, nosso projeto foi apresentado pelo Secretário Municipal de Cooperação Internacional, Dr. Romeu Santi e destacou o de Municipalização das Relações Internacionais. O Secretário Geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, presente na solenidade, gosto da ideia e já convocou um encontro no Itamaraty com prefeitos e secretários de relações internacionais de todo o Brasil para discutir este projeto.

Durante o Encontro fui convidado pelo coordenador do Curso de Relações Internacionais da Facamp, Professor Salvador Raza, para apresentar um projeto que pudesse ser implantado pela Facamp. Dias depois da apresentação o projeto foi aprovado e tive a responsabilidade de aglutinar alunos para o que se chamou de NEAF – Núcleo de Estudos e Pesquisas da Facamp.

Desde a sua criação em 2006, até 2012, o NEAF através de seus alunos/pesquisadores realizou muitas pesquisas sobre a relação do Brasil com o Mundo Árabe nas áreas da história, educação, política, economia e cultura. Além dos estudos acadêmicos em sala de aula, a metodologia do NEAF descrita em sua ementa contemplava vistas e participações técnicas em embaixadas árabes, ministérios, congressos, feiras e entidades voltadas à cooperação com os países árabes.

Um dos temas estudados em toda a sua dimensão foi a Palestina. Como a participação dos alunos era por semestre para dar oportunidades a novos interessados. Alguns alunos como Talita Pinotti, Juliana Maziero, Talita Scarparo, Luiza Passaro Bertazzoli, Victor Bocciardi de Lucca, e Laura Amaral tiveram permissão da diretoria para continuar participando. Victor e Laura estiveram pesquisando na Palestina onde contataram várias universidades como a Universidade Al Quds em Jerusalém, Bir Zeit na cidade do mesmo nome, Universidade de Hebron e An-Najah National University em Nablus. Mantiveram ainda contatos com várias organizações como a NETOURS que desenvolve um amplo trabalho de turismo com o Brasil através do Instituto Jerusalém do Brasil como forma de gerar empregos, riqueza e tributos para os palestinos.

O NEAF realizou vários seminários na Facamp com várias autoridades entre elas o embaixador do Estado da Palestina no Brasil, Dr. Ibrahim Al Zeben, com o Dr. Michel Abdo Alaby, secretário Geral e CEO da Câmara de Comércio Árabe Brasileira e professor Rubens Hannum, vice-presidente da Câmara Árabe e cônsul honorário da Tunísia, entre outros. O NEAF promoveu a vista do prefeito de Jericó em 2012 onde se deu um importante encontro com professores e alunos.

A presença da Causa Árabe na academia trouxe uma visão mais ampla da realidade deste povo de cultura milenar que sofre a opressão do imperialismo e do sionismo internacional.

De 2006 a 2012 sob a minha coordenação foram qualificados 311 estudantes/pesquisadores do Curso de Relações Internacionais, muitos deles já atuando na área de sua escolha e produzidos mais de 50 artigos que em breve serão publicados pelo Instituto Jerusalém do Brasil.

Como profundo conhecedor da cultura árabe, fale-nos um pouco do legado dessa milenar civilização para nosso povo brasileiro e português em geral, em especial na culinária, na literatura, na dança e outras áreas da cultura.

A 1ª Mostra das Culturas Árabe e Islâmica realizada em 1981, a minha participação como diretor cultural do Escritório Diplomático da OLP no Brasil, hoje Embaixada do Estado da Palestina, a experiência acadêmica e as parcerias com o SESC, com a Unicamp, PUC Campinas, Instituto Agronômico de Campinas, prefeituras municipais, alguns ministérios brasileiros e embaixadas árabes permitiram avançar muito nas pesquisas e realização de eventos.

Em 2011 um planejamento do Instituto Jerusalém do Brasil com o Departamento Regional do SESC no Estado de São Paulo, a UNICAMP, a Câmara de Comércio Árabe Brasileira e a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil foi aprovado a realização do projeto O Brasil Árabe – a presença milenar da cultura árabe na construção da identidade cultural brasileira.

Este projeto teve início no SESC Campinas em setembro de 2012 e contou com a presença de ministros de estado do Brasil, embaixadores árabes, especialistas e pesquisadores sobre o Oriente. Médio. Foram realizadas atividades culturais como música, dança, teatro, sarau além da gastronomia com a participação de 5.257 pessoas. Estamos trabalhando para que o projeto O Brasil Árabe, ora consolidado e a ser reeditado em Campinas, se estenda para São Paulo, Santos, Sorocaba e São José do Rio Preto.

O Campinas Café Festival que inclui atividades em toda a cadeia produtiva do café iniciado em 2008 e que entra em 2013 em sua 6ª edição, que acabou consagrando Campinas como a Capital Brasileira da História e Cultura do Café. A Secretaria Municipal de Educação após as pesquisas da ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café, de seus próprios professores e alunos incluiu o café na Merenda Escolar. Lembro que o café faz bem à saúde e é o alimento mais consumido pelos brasileiros, mais do que arroz e feijão, segundo o IBGE.

Por fim, sabemos da intensidade dos conflitos na Palestina em função da ocupação por Israel das terras desse povo há quase 70 anos. De seu ponto de vista, qual a solução para aquele conflito e para termos a paz na região.

Apesar de se tratar de um tema em que o mundo já reconhece o direito do Povo Palestino a ter seu estado livre, democrático e soberano a situação é muito delicada.

Com o reconhecimento pela Assembleia Geral da ONU da Palestina como um Estado observador não membro, elevando o status do Estado palestino perante a organização. Esta importante vitória política para os palestinos onde o Brasil através de sua diplomacia teve um papel significativo. Israel, por sua vez, está na contra mão da história com sua política expansionista e beligerante mantendo uma injusta ocupação através dos checkpoints, muros de separação, massacres e uma limpeza étnica.

Mesmo com a injusta partilha da Palestina em 1948 em que Israel criou o seu estado em 53% de terras palestinas para menos de 700 mil judeus, 46% para mais de 1,5 milhão de palestinos e Jerusalém seria internacionalizada. Com a crescente ocupação, expropriação e destruição de aldeias e cidades palestinas pelo exército israelense, o Estado da Palestina não foi criado.

Hoje a sociedade israelense está enfraquecida, pois se sente insegura com os desmandos de seu governo e com a crise econômica que só aumenta. Na mesma direção os intelectuais e historiadores judeus como Ilan Pappé em A limpeza étnica dos palestinos; Norman Finkelstein, A Indústria do holocausto e Shlomo Sand, A Invenção do povo judeu posicionam-se ao nosso lado na defesa da causa palestina. Não podemos esquecer que Orientalismo de Edward Said é uma referência indispensável. Estes fatores sinalizam que o único caminho para uma paz justa e duradoura é a criação do Estado da Palestina em terras contínuas com capital em Jerusalém Oriental e respeito ao direito de retorno.

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