
Beirute, (Prensa Latina) Bem distantes dos infaustos anos de beligerância (1980-1988), Iraque e Irã, baluartes do Islã xiita no Oriente Médio, apostam por cicatrizar feridas ainda abertas no Golfo Pérsico com a mão tendida a Arábia Saudita.
Como costuma ocorrer na alta política, a primeira visita oficial a Teerã do premiê iraquiano, Haider Al-Abadi, não teve nenhum elemento de improviso ou casualidade, e tanto os temas discutidos como as declarações públicas desocuparam qualquer dúvida da solidez dos laços.
Al-Abadi, a quem muitos empenharam-se em ver como uma espécie de rebelde frente à indiscutível influência iraniana, seguiu uma filosofia muito similar a de seu antecessor, o também xiita Nouri Al-Maliki, e descartou que, sob seu gerenciamento, o Iraque seja usado de “trampolim” para agredir seu vizinho estratégico.
Em uma mesma linha, ainda que sem lastimar suscetibilidades dos Estados Unidos e dos aliados ocidentais e árabes, o chefe de governo ponderou a decisiva capacidade de Teerã para contribuir com a derrota dos grupos extremistas sunitas que Bagdá afirma serem financiados por Riad.
“O Iraque não está combatendo somente o terrorismo. Esta é uma guerra extensiva com todos esses grupos, é uma ameaça à região e esses grupos terroristas tratam de criar uma divisão entre xiitas e sunitas”, alertou Al-Abadi durante suas reuniões com autoridades persas e depois delas.
O premiê iraquiano considerou fundamental a participação iraniana na luta contra os mercenários “takfiristas” (terroristas sunitas) da Frente Al-Nusra, um braço da Al-Qaeda na Síria, e do Estado Islâmico (EI), que mantém em xeque seu país desde a ofensiva de junho.
O país persa e a nação mesopotâmica, dois vizinhos com predomínio de população muçulmana xiita, registram uma aproximação progressiva e inigualável desde que as tropas invasoras norte-americanas derrubaram em 2003 o presidente Saddam Hussein, de confissão sunita.
Os vínculos se fortaleceram mais no âmbito militar em razão das ações armadas do DAESH, acrônimo árabe do EI, e outras milícias radicais que estenderam suas operações da Síria ao Iraque, como parte de uma ofensiva com fins extrarregionais cuja meta aponta também para o Irã.
No aspecto protocolar, um sinal inequívoco da prioridade representada por Bagdá para Teerã é o nível de recebimento dado ao visitante e sua delegação, inclusive pelo líder supremo da Revolução Islâmica, aiatolá Ali Khamenei, e o presidente Hassan Rouhani.
Al-Abadi encontrou-se, ademais, com o primeiro vice-presidente Eshaq Jahangiri, quem da mesma forma que Khamenei e Rouhani, preferiu atribuir às tropas iraquianas o protagonismo e a capacidade para derrotar o jihadismo sunita, sem interferências que atinjam a soberania e a integridade territorial.
O chefe de estado iraniano prometeu, no entanto, não poupar esforços em ajudar aos iraquianos em sua cruzada anti-DAESH, e convocou os governos da região a conter ao terrorismo de forma “coordenada e integrada” para atingir a raiz desse fenômeno.
Mas a visita de Al-Abadi, de apenas um dia, deixou outras leituras, sendo avaliada por analistas como parte de uma abertura para uma política exterior bem mais visionária e pragmática que se acopla à próxima viagem do presidente iraquiano, Fouad Masum, a Arábia Saudita.
Depois da formação do gabinete em Bagdá e, sobretudo, depois que nesta semana o parlamento aprovou os ministros do Interior e de Defesa, o Iraque está em melhores condições para procurar um entendimento com o reino wahabita, a principal potência sunita da região e, portanto, sua grande rival.
Para alguns políticos iraquianos, as recentes viagens do chanceler, Ibrahim Al-Jaafari, para participar em conferências internacionais também deixaram resultados favoráveis aos interesses do país, urgido a cortar as fontes de financiamento e de fornecimento de armas aos terroristas.
A clara abertura da diplomacia para países da região parece ser o segredo do sucesso da atual administração iraquiana, da qual se espera passos compatíveis com suas pretensões em política exterior, pois também foram numerosas as visitas a Bagdá de personalidades estrangeiras.
Alguns especulam que a missão realizada no fim de semana passado à capital iraquiana por uma delegação do Kuwait, Mauritânia e o secretário geral da Liga Árabe, Nabil Al-Arabi, foi outra evidência de inegáveis metamorfoses em chancelarias e cortes palacianas do Golfo Pérsico.