Três datas entrelaçadas a ocorrerem em futuro próximo não poderiam ser de importância mais crucial para a próxima configuração do tabuleiro geopolítico

Xi Jinping (à esq.) e Vladimir Putin (Foto: Alexander Zemlianichenko/Pool via Reuters)
1. 31 de agosto/1º de setembro em Tianjin – a meia hora por trem de alta velocidade (120 km, cerca de 8 dólares) de Pequim. A cúpula anual da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), com os dez estados-membros, dois observadores (Afeganistão e Mongólia) e 14 parceiros de diálogo (muitos do Sudeste Asiático). E o que é de importância máxima: Putin, Xi e Modi (em sua primeira visita à China em sete anos) estarão sentados à mesma mesa, onde estará também Pezeshkian, do Irã. O que representará um espetáculo de peso pesados composto pelos BRICS e pela OCX. Essa cúpula pode vir a se revelar um ponto de virada para a OCX, tanto quanto a cúpula de Kazan do ano passado foi para os BRICS.
2. 3 de setembro. A Parada do Dia da Vitória na Praça de Tian’anmen, celebrando oficialmente o 80º aniversário da “Vitória do Povo Chinês na Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa e contra a Guerra Mundial Antifascista”. Nada menos que 26 chefes de estado estarão presentes, inclusive Putin (em uma visita oficial de quatro dias). Eles vêm de todo o Sul Global, mas nenhum do Norte Global.
3. 3 de setembro. Vladivostok. O início do 10º Fórum Econômico do Oriente (FEO), um evento de importância essencial para entendermos os pontos mais sutis da prioridade estratégica nacional russa de desenvolver o Ártico e o Extremo Oriente russos, incluindo vastos trechos da Sibéria. Essa política reflete iniciativa chinesa de “Rumo ao Oeste”, visando ao desenvolvimento do Tibé e de Xinjiang. Um “quem é quem” dos círculos empresariais e comerciais de todas as latitudes eurasianas que estarão presentes em Vladivostok. Putin falará à sessão plenária logo após seu retorno da China.
Tomados em conjunto, essas três datas abrangem todo o espectro da parceria estratégica Rússia-China, dos cada vez mais entrelaçados aspectos geopolíticos e geoeconômicos da integração eurasiana, da solidariedade interna ao Sul Global e da iniciativa conjunta dos atores eurasianos de acelerar a criação de um sistema de relações internacionais multinodais e equânimes.
É impossível superestimar a importância da parada do Dia da Vitória para a República Popular da China. Os chineses, nem daqui a mil anos irão aceitar o revisionismo americano sobre a Segunda Guerra Mundial, que afirma que “há oitenta anos, os Estados Unidos e o Japão, conjuntamente, terminaram uma guerra”. E muito menos aceitarão o revisionismo europeu: as “comemorações europeias do Desembarque na Normandia também envolveram uma chocante reescrita da história do Front Oriental. Temos que nos lembrar que a lista de convidados para a parada militar do dia 3 de setembro converte-se em um critério para identificar quais países mantêm-se firmes em sua postura antifascista”.
Putin em Pequim no Dia da Vitória Chinesa, portanto, é a imagem especular de Xi na Praça Vermelha em 9 de maio, quando a Rússia celebrou oficialmente o 80º aniversário da vitória da União Soviética na Grande Guerra Patriótica.
Não é de admirar que a Chancelaria chinesa seja peremptória: a vitória histórica na Segunda Guerra Mundial não pode ser distorcida. E essa lembrança história compartilhada – veementemente contrária ao nazifascismo e a seu ressurgimento no Ocidente – é uma luz que guia a coordenação multilateral, multipolar e multinodal Rússia-China, tanto na ONU – que infelizmente resvala para a irrelevância – quanto nos dinâmicos BRICS e OCX.
Modi conversando diretamente com Xi no domingo, nos bastidores da cúpula da OCX, sela o triste destino da guerra tarifária contra a Índia – parte integrante da Guerra Híbrida do Império do Caos contra os BRICS e, por sinal, contra grande parte da Maioria Global.
O último mantra inventado pelos círculos do Trump 2.0 é que Nova Delhi vem dando apoio a Moscou na guerra contra a Ucrânia ao comprar petróleo russo, ajudando assim Putin a enriquecer ainda mais.
Resultado: o RIC original (Rússia-Índia-China), todas elas sancionadas e tarifadas, unidas em um forte abraço.
O som do Heartland eurasiano
Vladivostok pode trazer algumas surpresas – mas no front empresarial Estados Unidos-Rússia.
Primeiramente, correm soltas especulações quanto a se Trump teria decidido virar de ponta-cabeça o plano da União Europeia de roubar os ativos externos russos e, em vez disso, forçar que esse dinheiro seja investido na economia americana. Se for esse o caso – afinal, o próprio Trump proclama que “eu posso fazer o que quiser e bem entender” – não há absolutamente nada que a Eurocracia chihuahua possa fazer para evitar que isso aconteça.
Há também a sedutora possibilidade de acordos Estados Unidos-Rússia estarem em discussão. Uma opção seria o retorno da ExxonMobil ao megaprojeto de gás Sakhalin-1. Há também o imenso interesse do setor petrolífero americano na retomada da venda de equipamentos para projetos de GNL, inclusive o Arctic LNG-2, e de os Estados Unidos comprarem quebra-gelos nucleares da Rússia.
Isso seria para lá de revolucionário, por diversas razões – porque capacitaria os Estados Unidos a competirem diretamente com a Rota do Mar do Norte (ou Rota da Seda Ártica, na terminologia chinesa, que vem sendo construída pela Rússia como uma alternativa ao Canal de Suez.
É isso que permeia tudo, desde a Iniciativa de Assistência à Segurança da Ucrânia (USAI) e a Autoridade de Retiradas Presidenciais do Pentágono (PDA) até o Pacote de Assistência Ampla da OTAN (CAP), lançado há nove anos e no comando de fato da coluna dorsal militar da armada OTAN/Kiev. Acrescente-se a isso aviões de espionagem P-8 Poseidon da Marinha dos Estados Unidos voando em círculos sobre o Mar Negro todos os dias – assistindo a tudo o que acontece nas águas, de Novorossiysk até Sevastopol.
Por mais que, na crucial próxima semana, venhamos a assistir novas jogadas no tabuleiro, ao final iremos voltar para o tão mackinderiano “O Grande Tabuleiro de Xadrez”, tal como esboçado pelo falecido Brzezinski.
Antes do final do milênio, o medo era o de que uma aliança entre Rússia, China – e Europa, antes da consolidação da União Europeia – acabasse por controlar a Eurásia e, portanto, o mundo, segundo Mackinder.
Mesmo no governo anterior dos Estados Unidos, quando a caneta automática autorizou o bombardeio dos gasodutos da Nord Stream – para garantir que a Europa dependeria do caro gás natural dos Estados Unidos, e não do gás russo – não alterou substancialmente o tabuleiro.
Além do fato de a Europa estar cometendo harakiris em série incentivando sua própria desindustrialização, para todos os fins práticos ela está hoje morta como ator geopolítico. Trata-se agora do Império do Caos contra os BRICS/OCX.
Então, que a próxima semana faça soar sua música: chamemos a isso de o som do Heartland da Eurásia reafirmando sua própria soberania. Com o volume a toda a altura.
Fonte: Brasil 247