Turquia, uma aliada dos jihadistas?

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Alexandre Christie, The Christian Science Monitor.*

Alguns governos ocidentais manifestam crescente preocupação com o aumento dos grupos de jihadistas na Síria, além do crescente recrutamento de voluntários na Europa e nos EUA para lutar em território sírio, que poderão constituir uma ameaça futura se e quando voltarem para casa.

O fato chamou a atenção para a Turquia, país que integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e conduz uma intensa campanha contra o presidente sírio, Bashar Assad. Ancara, que compartilha com a Síria uma fronteira, tornou-se rota crucial e uma zona de aquartelamento para as forças que lutam contra o regime sírio, incluindo os militantes ligados à Al-Qaeda. Apesar da intensificação das pressões do Ocidente, pairam dúvidas quanto à disposição da Turquia de reprimir esses grupos.

O ministro do Interior da Bélgica disse a repórteres numa recente cúpula sobre segurança, realizada em Bruxelas, que cerca de 2 mil cidadãos europeus já lutaram na Síria. Os relatórios da inteligência americana sugerem que entre 10 e 60 cidadãos americanos também combateram no país. Na Europa e em Washington, alguns funcionários de alto escalão manifestaram temor pelas consequências perigosas de um avanço dos jihadistas.

No último fim de semana, a BBC noticiou que combatentes estrangeiros usam abrigos secretos na cidade fronteiriça de Reyhanli como base para entrarem na Síria, citando entrevistas com um jihadista francês e com um homem que administrava um desses abrigos.

Um diplomata ocidental disse duvidar que o governo turco esteja cooperando plenamente com os esforços ocidentais para interromper o fluxo de combatentes. “Nós ainda enfrentamos dificuldades operacionais, embora existam sinais de que a situação esteja melhorando. Quanto à possibilidade de ter ocorrido uma ‘mudança’, é uma questão que permanece em aberto”, disse o diplomata.

Analistas e jornalistas afirmam que a Turquia há muito vem facilitando o envio de armas e de outras formas de auxílio a esses grupos, no âmbito de uma política de assistência indiscriminada aos rebeldes que lutam na guerra civil síria, independentemente de sua ideologia. O governo de Ancara, um dos adversários mais ferrenhos do regime de Assad, insistiu nas últimas semanas que avalia a questão com seriedade.

“Está fora de cogitação que organizações como a Al-Qaeda ou a Al-Nusra (um grupo ligado à Al-Qaeda) possam se abrigar no nosso país”, declarou o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, a repórteres na Suécia, no mês passado. “Ao contrário, adotamos as medidas necessárias contra eles e continuaremos a fazê-lo.”

Um dos motivos pelos quais as autoridades turcas insistem tanto nesse ponto é que elas também temem esse efeito funesto. Os jornais locais sugeriram que esses grupos estão voltando suas atenções para a Turquia, uma democracia de maioria muçulmana que está às voltas com as próprias divisões sociais e culturais.

No fim do mês passado, um relatório divulgado pelo Ministério do Interior do país, que acabou sendo divulgado pela imprensa, afirmava que 3 mil estrangeiros procuravam participar da jihad na Síria, mas foram impedidos de entrar na Turquia. No dia 6 de novembro, a polícia antiterrorista turca deteve 16 suspeitos de pertencerem à Al-Qaeda em incursões em quatro províncias.

Relatórios das agências de inteligência turcas sugeriram, no mês passado, que grupos ligados à Al-Qaeda planejam ataques com carros-bomba na Turquia. Um documento do departamento de inteligência da polícia responsável pela segurança nas áreas rurais afirmou que 300 automóveis roubados na Turquia e contrabandeados pela fronteira para a Síria poderiam ser usados para essa finalidade.

Mudança de rumo.

“Quando os protestos contra o governo sírio eclodiram, no início de 2011, a Turquia aderiu à revolta. Sua política de abertura das fronteiras baseou-se no pressuposto de que o regime de Assad cairia rapidamente e, quando isso não ocorreu, Ancara passou a prever que os EUA fariam uma intervenção para destituir a ditadura síria”, afirma Aaron Stein, pesquisador do Royal Institute United Service, de Londres.

“Isso fez com que as autoridades turcas tomassem várias decisões míopes visando pressionar o regime na medida do possível, incluindo com a abertura da fronteira. Quando o problema dos combatentes estrangeiros tornou-se mais agudo, elas nada fizeram para impedi-lo e contribuíram ativamente para o repasse de armas e recursos a grupos rebeldes”, afirma Stein.

Soli Ozel, professor de relações internacionais da Universidade Kadir Has, de Istambul, acredita que alguns funcionários do governo turco não concordam com essa política. “Acho que há muitas pessoas em Ancara convencidas de que o país criou um grave problema para si com esses jihadistas, mas também há outras que acham que essas são as ovelhas negras da família, e, mesmo assim, fazem parte da família”, afirmou.

Fehim Tastekin, jornalista turco que escreve sobre política externa da Turquia, afirma que, embora haja sinais de que Ancara esteja endurecendo o cerco a militantes, ainda falta a vontade política. “Esses sujeitos continuam usando casas nas áreas de fronteira e recebem ajuda, particularmente não letal, de instituições de caridade na Turquia”, afirmou.

Embora Ancara negue estar facilitando as operações de grupos rebeldes na Síria, ativistas, combatentes e jornalistas na região pintam um quadro completamente diferente. Um jihadista britânico que luta na Síria descreveu num blog o encontro com soldados turcos enquanto cruzava a fronteira para entrar no país, cerca de um mês atrás. Não foi possível uma verificação independente para saber se a postagem, escrita em inglês britânico, era fato ou ficção.

À pergunta se estavam lutando com o Exército Sírio Livre, que tem o apoio do Ocidente, eles disseram: “Não, estamos aqui para realizar obras de caridade e não estávamos mentindo porque não tínhamos intenção de ter algo a ver com o Exército Sírio Livre, porque muitos entre eles são apóstatas.” “O comandante ficou discutindo se deveria nos mandar de volta ou deixar que atravessássemos a fronteira, mas, assim que o nosso motorista disse que éramos britânicos, eles sorriram e ficaram encantados com a nossa presença. Depois de vasculhar nossa bagagem e de levar um par das nossas luvas de presente, permitiram que seguíssemos caminho.”

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA. É CORRESPONDENTE NA TURQUIA- PUBLICADO NO ESTADO DE SÃO PAULO.

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