Trump, Syriza & Brexit [e Dirceu e Lula e Dilma] provam: Votar é só parte (pequena) da luta

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1/10/2017, Neil Clark, RT

Traduzido por Vila Vudu

Trump, Syriza & Brexit prove voting is only small part of the battle


“Se ‘os grandes mal-lavados’ [orig. the ‘great unwashed’] votam ‘errado’, i.e., em Trump, no Syriza, a favor do Brexit ou elegem Hollande ou Horn [ou, como no Brasil-2017, elegem Lula e Dilma (NTs)], aquela gente sinistra sempre encontrará meios para assegurar que, logo depois, tudo volte a operar pelos velhos trilhos de antes.”

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Se votar mudasse tudo, eles já teriam abolido as urnas. Pode soar como frase de falastrão, mas considerem os seguintes eventos recentes.

Em janeiro de 2015, o povo grego, cansado e doente de tanta ‘austeridade’ e dos padrões de vida que não paravam de cair, votou e elegeu o Syriza, partido radical contra a ‘austeridade’. A Coalizão de Esquerda, formada apenas 11 anos antes, obteve 36,3% dos votos e 149 dos 300 assentos com votos do Parlamento Helênico. O povo grego acalentava esperanças razoáveis de que o pesadelo da ‘austeridade’ terminaria. A vitória do Syriza foi saudada por progressistas por toda a Europa.

Mas o que aconteceu?

A “Troika” pressionou a Grécia até que aceitasse termos duríssimos para um novo ‘resgate’. O partido Syriza consultou diretamente o povo em junho de 2015, em referendum nacional, perguntando se o partido devia aceitar aqueles termos.

“No domingo, não estamos decidindo simplesmente permanecer na Europa: decidimos viver com dignidade na Europa,” declarou Alexis Tsipras, líder do Syriza. O povo grego fez o que lhe cabia fazer e deu a Tsipras o mandado que ele pedia, rejeitando os termos do ‘resgate’, com 61,3% gregos votando ‘Não’.

Mesmo assim, apenas duas semanas depois do referendum, o Syriza aceitou o pacote de ‘resgate’ que impôs cortes ainda maiores nas aposentadorias e aumentos nos impostos superiores até aos que haviam sido oferecidos antes do referendum.

Considerando a diferença que fizeram os seus votos, dia 27 de junho o povo grego poderia ter ficado dormindo em casa.

Muitos apoiadores de Donald Trump nos EUA com certeza pensam hoje exatamente a mesma coisa.

Trump venceu as eleições porque arrancou dos Democratas os votos da classe trabalhadora do ‘cinturão da ferrugem’, oferecendo a possibilidade de pôr fim a uma política exterior ‘liberal intervencionista’. E, com apenas nove meses de governo, a crença de que Trump assinalaria ‘claro rompimento’ com o que o antecedera já está reduzida a farrapos. Membros nacionalistas conservadores de sua equipe foram expurgados, e o próprio Trump já se mostrou tão conservador quanto seus antecessores. Em vez de ‘drenar o pântano’, O Donald afundou nele até o pescoço.

Os eventos de 2017 provam sobejamente, como já disse aqui, que os EUA é um regime, não alguma genuína democracia, e que não importa quem seja eleito à Casa Branca será – mais cedo ou mais tarde – forçado a dançar pela música do Partido da Guerra/Wall Street/Estado Profundo, independente do que tenham prometido em campanha.

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— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) 11/1/2013
Vamos sair do Afeganistão. Nossos soldados estão sendo assassinados pelos mesmos afegãos que nós treinamos e desperdiçamos milhões lá. Nonsense! Reconstruir os EUA.
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Os britânicos também aprenderam uma lição sobre o modo como a ‘democracia’ funciona quando o povo não vota como os poderosos dentro do establishment querem que vote. Dia 23/6/2016, certos ou errados, 52% dos britânicos votaram a favor de se separarem da União Europeia. Mas 15 meses depois, a ideia de que a Grã-Bretanha nunca deixará a UE só faz crescer e firmar-se. O governo só acionou o Artigo 50 em março, depois que as cortes decidiram que o Brexit tinha de ser iniciado pelo Parlamento.

Semana passada, a primeira-ministra Theresa May pediu que a UE concorde com um período de ‘transição’ de dois anos, depois de 2019, quando a Grã-Bretanha deve sair. Não é difícil imaginar que o tal período de transição será indefinidamente prorrogado. “Falo desse medo há muito tempo, desde muito antes do discurso da primeira-ministra em Florença, e não vejo coisa alguma que me garanta que o resultado do referendum será respeitado,” diz Peter Hill, ex-editor de Daily Express.

As chances de a Grã-Bretanha ainda estar na UE em 2022 são hoje próximas de 3:1. E só fazem encolher.

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— Bruce Millington (@brucemillington) 23/9/2017
Plantão de notícias: Uber não será banida, Brexit não acontece, Debbie McGee vence Strictly e Palace fica na Liga de cima.
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Mais uma vez: é o que o povo que votou a favor do Brexit em 2016 queria que acontecesse? A questão aqui não é se achamos que seja boa ou má ideia deixar a UE, mas a rapidez com que o referendum não levou ao resultado que o povo esperava.

Não são os únicos exemplos de situação em que o povo vota, mas nem por isso consegue fazer acontecer o que supunha que já estaria feito só com votos. Em 2008, os cidadãos da Irlanda votaram e rejeitaram o Tratado de Lisboa da UE. Como acabou a coisa? Não acabou. Os irlandeses tiveram de votar novamente – um ano depois –, e afinal a UE conseguiu o resultado que queria.

Em maio de 2012, o candidato do Partido Socialista François Hollande obteve vitória decisiva em eleições para a presidência da França. Como o Syriza, também prometeu dar fim à ‘austeridade’.

“Tenho certeza de que em muitos países europeus há alívio e esperança de que afinal se vê que a austeridade já não é inevitável”
– disse ele. Mas adivinhem. Hollande não acabou com a ‘austeridade‘. Apenas um ano depois, lá estava ele a exigir mais uma rodada de cortes.

O que mais uma vez prova a verdade do antigo adágio: “Plus les choses changent, plus elles restent les mêmes” [fr. no original: Quanto mais mudam, mas as coisas permanecem as mesmas].

Nada disso seria surpresa para estudantes franceses de política húngara, porque o mesmo aconteceu na Hungria, em meados dos anos 1990s. Na eleição de 1994, o Partido Socialista de Gyula Horn varreu do poder o Fórum Democrático Húngaro, de direita, prometendo preservar os melhores elementos do velho sistema ‘comunista goulash‘. Horn atacou a privatização da energia e prometeu pôr em primeiro lugar os interesses dos trabalhadores húngaros comuns. Mas as forças do capital ocidental não tinham intenção de permitir a sobrevivência de qualquer vestígio de socialismo nos países do ex-bloco do Leste.

Sob pressão das instituições financeiras ocidentais, Horn deu um espetacular cavalo-de-pau, demitiu todos os ministros genuinamente progressistas e nomeou um neoliberal, professor de Economia, chamado Lajos Bokros, para impor um brutal programa de ‘austeridade’, de longe muito pior do que qualquer governo já houvesse inventando. E apressou muito a ‘privatização’.

Estão vendo o padrão?

Os exemplos acima ilustram que, independente de quem nós elejamos, o pessoal por trás das cortinas – os homens do dinheiro, os burocratas infiltrados, os que não querem o fim da globalização financeira neoliberal, porque lucram tanto dela e com ela – não aceitará o veredito das urnas. Se ‘os grandes sujos’ [orig. the ‘great unwashed’] votam ‘errado’, i.e., em Trump, no Syriza, a favor do Brexit ou elegem Hollande ou Horn [ou, como no Brasil-2017, elegem Lula e Dilma (NTs)], aquela gente sinistra sempre encontrará meios para assegurar que tudo volte a operar pelos velhos trilhos de antes.

Há nisso importantes lições para o Partido Trabalhista Britânico, que pode estar a um passo de chegar ao poder. Como tantos, essa semana, fiquei muitíssimo impressionado pelo discurso à conferência do líder Jeremy Corbyn dos Trabalhistas.

Corbyn prometeu desenvolver “um novo modelo de gestão da economia para substituir os fracassados dogmas do neoliberalismo,” e associou o crescimento do terrorismo às políticas externas intervencionistas dos neoconservadores e neoliberais.

É heresia aos ouvidos das elites neoliberais belicistas.

Pesquisas de opinião mostram que o Partido Trabalhista, que no início desse ano registrou o maior aumento em proporção de votos de todas as eleições britânicas desde 1945, tem considerável diferença à frente dos demais. Os cães de ataque obedientes ao Establishment vêm mordendo os calcanhares de Corbyn desde o primeiro momento, e é ingenuidade grave supor que pararão, caso Corbyn receba as chaves da Rua Downing, 1o. De fato, a guerra contra Corbyn e seus camaradas mais próximo só se intensificará. A boa notícia é que o Partido Trabalhista já se planeja para a fuga de capitais e o ataque à libra, se for eleito. Paul Mason, comentarista pró-Labour, disse que os primeiros seis meses de um governo Corbyn serão como ‘Stalingrado’.

Claro, vocês argumentarão que gente como Trump, Hollande, Horn e Tsipras jamais foram completamente comprometidos com o programa que traziam e que, para serem eleitos, diziam ‘o que o povo esperava ouvir’. Mas ainda que o político seja 100% genuíno como parece ser o veterano ativista pacifista Jeremy Corbyn, ainda assim as pressões sobre ele, para que se curve às forças poderosas por trás das cortinas, serão imensas, principalmente se insistir em políticas que as elites não apreciem.

É bem claro na história recente que nas modernas ‘democracias’ ocidentais votar, como tal, absolutamente não garante coisa alguma. O que realmente faz diferença é o que vem depois.

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