“The angry Arab”: Michael Craig Hudson e os árabes

Share Button

Michael Craig Hudson (1938-2021) recentemente falecido, foi cofundador do Centro de Estudos Árabes Contemporâneos em Georgetown, que desafiou diretamente a narrativa sionista e o ensino orientalista tradicional, escreve As’ad AbuKhalil.

Montanhas perto de Sana’a, Iêmen, 1992. (motohakone, Flickr, CC BY-NC-SA 2.0)

8 de junho de 2021
Por As`ad AbuKhalil Especial para Notícias do Consórcio

O mundo acadêmico perdeu Michael C. Hudson, conhecido especialista no mundo árabe, que morreu em 25 de maio. Em sua longa carreira, Hudson desafiou os principais equívocos ocidentais sobre os árabes e a política árabe e lutou contra a influência sionista na academia. Foi cofundador, com Hisham Sharabi, do importante Centro de Estudos Árabes Contemporâneos da Universidade de Georgetown.

Nascido em 1938 em New Haven, Connecticut, Hudson foi educado no Swarthmore College antes de estudar com Karl W. Deutsch na Universidade de Yale. Escreveu sua tese de doutorado sobre modernização política no Líbano, e a dissertação foi publicada em 1968: The Precarious Republic: Political Modernization in Lebanon (A República Precária: Modernização Política no Líbano).

O livro foi muito bem recebido pela comunidade acadêmica e tornou-se sensação em 1975, quando a guerra civil eclodiu no Líbano – uma guerra civil que duraria 15 anos.

Hudson se destacou (junto com o sociólogo sírio Halim Barakat) entre os acadêmicos ocidentais e orientais, ao se desviar das avaliações otimistas do sistema político libanês antes de 1975. Concluiu seu trabalho marcante observando: “Correndo o risco de subestimar a engenhosidade libanesa deve-se concluir que o futuro político da República será tempestuoso”(p. 331).

Michael C. Hudson em sua biblioteca em 2011. (Rbkhoury, CC BY-SA 3.0, Wikimedia Commons)

Em 1973, Elie Salem, cientista político libanês, daria ao seu estudo sobre o Líbano o título de Modernization without Revolution (Modernização sem revolução). O Líbano foi para a maioria dos cientistas políticos uma história de sucesso político. Hudson foi capaz, sete anos antes da guerra civil, de prever a turbulência potencial que aguardava a República Libanesa e seu povo.

Hudson descobriu seu amor pelo Oriente Médio em 1958, ainda como estudante de intercâmbio em Beirute, durante a intervenção dos fuzileiros navais dos EUA. Mais tarde, estudaria árabe e devotaria sua carreira ao estudo do mundo árabe.

Seu primeiro emprego como professor foi no Brooklyn College da City University of New York e, em seguida, lecionou na School for Advanced International Studies da Johns Hopkins University. Hudson então ingressou na School of Foreign Service da Georgetown University, e lá permaneceria até 2012, quando aceitou um cargo na Universidade de Cingapura, onde fundou um centro para o Oriente Médio.

The Georgetown Center

Hudson colaborou com Sharabi na criação de uma alternativa radical aos estudos do Oriente Médio nos Estados Unidos. Sharabi, recém-saído de sua radicalização pós-1967, juntou-se a Hudson para criar o Centro de Estudos Árabes Contemporâneos em Georgetown em 1975. A própria criação do centro, e seu nome, foram desafio direto aos centros orientalistas de estudos do Oriente Médio nos Estados Unidos e na Europa.

Em primeiro lugar, o centro considerava o mundo árabe uma unidade política, quando os EUA (governo, mídia e academia) lutavam contra todas as manifestações de nacionalismo árabe e se recusavam a aceitar a legitimidade do projeto nacionalista árabe, ou mesmo sua existência política.

Para os apoiadores e propagandistas do sionismo nos EUA e no Ocidente, uma unidade geográfica do Oriente Médio que não aceitasse a existência da entidade política israelense dentro de seu território não poderia ser legítima. Os EUA eram – junto com seus despóticos aliados no Golfo – inimigos declarados do nacionalismo árabe e rechaçaram todos os projetos e ideias nacionalistas árabes.

O Centro de Estudos Árabes de Georgetown foi corajoso reconhecimento acadêmico da relevância política da análise da unidade política árabe. (Existe hoje outro Centro de Estudos Árabes na Universidade de Houston).

Além disso, o centro de Georgetown concentrou-se no estudo contemporâneo do mundo árabe. Outros estudos do Oriente Médio (ou Oriente Próximo) enfocaram o mundo antigo e a região histórica. E, como Edward Said observou em Orientalism (Orientalismo), evidências tiradas de realidades históricas antigas e textos sagrados eram preferíveis (para a maioria dos orientalistas) às evidências tiradas de realidades modernas na análise da política árabe.

O centro, conforme imaginado por Sharabi e Hudson, deveria desafiar as suposições orientalistas e considerar os dados do mundo árabe atual como essenciais para a compreensão de sua política. Talvez pareça axiomático, mas não era fácil deslocar séculos de dogma orientalista.

Sharabi e Hudson também exploraram a atmosfera política diferente na capital dos EUA, em um momento em que os países do Golfo – ao contrário de hoje – estavam em desacordo com o lobby pró-Israel e acreditavam na necessidade de um lobby árabe alternativo. Sharabi foi fundamental – junto com o reitor da Escola de Serviço Exterior, que muito o apoiou, Peter Krough – na arrecadação de fundos em todo o mundo árabe. A posição das monarquias do Golfo era então muito diferente da posição da cadeira acadêmica de centro que foi ocupada pela falecida historiadora marxista Hanna Batatu e nomeada em homenagem ao ministro da Defesa do Kuwait; a cadeira de Hudson foi nomeada em homenagem a um diplomata dos Emirados Árabes Unidos.

Mas quando Moammar Qadafi, da Líbia, ofereceu-se para financiar a presidência de Omar Al-Mukhtar para Sharabi, a direção de Georgetown hesitou, depois que o lobby sionista entrou em ação. Uma grande campanha midiática foi organizada contra o centro, e o dinheiro foi posteriormente recusado.

Quadro de avisos Qadafi em Derj, Líbia, 2009. (Carsten ten Brink, Flickr, CC BY-NC-ND 2.0)

O centro contratou professores de diferentes disciplinas para ensinar temas de política e sociedade árabe contemporânea. Halim Barakat (professor e romancista sírio-libanês) foi um dos primeiros recrutados (fora expulso da Universidade Americana de Beirute devido a uma campanha viciosa empreendida pelos professores de direita Charles Malek e Samir Khalaf). Além disso, para os alunos do centro, o ensino de árabe desviou-se da tradição orientalista de leitura de textos antigos (sagrados e literários); em vez disso, foi enfatizado o ensino do árabe cotidiano (e do árabe do jornal).

Depois de República Precária, Hudson publicou outro trabalho marcante, em 1977, intitulado Arab Politics: The Search for Legitimacy (Política Árabe: A Busca por Legitimidade). Nesse livro, Hudson, mais uma vez, desafiou a sabedoria acadêmica ocidental convencional e afirmou que os paradigmas da política comparada aplicam-se à política árabe, que não precisa ser reduzida a estereótipos e referências à bizarrice do povo e de sua cultura.

Legitimidade dos regimes árabes

Hudson, usando o paradigma da legitimidade, argumentou persuasivamente que, embora a democracia seja fraca na região, existem outros recursos de legitimidade dos quais os governos se valem. Criou uma tipologia de regimes árabes e refutou a noção de uniformidade da política e das sociedades árabes. Hudson mostrou que as condições políticas variam de um país árabe para outro, e que os governantes não recorrem aos mesmos mecanismos para manter o governo. Hudson basicamente argumentou que a opinião pública árabe é importante e que mesmo os governantes tirânicos devem levar isso em consideração.

Sob a liderança de Hudson, o centro cresceu em estatura e atraiu estudantes e acadêmicos de todo o mundo. Nos anos em que fui aluno do departamento governamental (e mais tarde, quando lecionei no centro), fiquei impressionado com a diversidade do corpo discente. Hudson insistiu em manter altos padrões acadêmicos e entrou em conflito com os colegas por causa disso.

Universidade de Georgetown em Washington, D.C., do outro lado do rio Potomac. (Mario Roberto Durán Ortiz, CC BY-SA 3.0, Wikimedia Commons

Hudson viajou muito pelo mundo árabe e conheceu líderes do governo e da oposição: de Saeb Salam a George Habash, de Hasan Turabi ao rei Hussein. Praticou o verdadeiro nacionalismo árabe fazendo questão de viajar para todos os países árabes, exceto Djibouti. Eu costumava brincar com ele dizendo que ele tinha que fazer a viagem ao Djibouti. Ele achava que o sul do Iêmen era a parte mais bonita da região.

Em 2000, após a retirada humilhante de Israel do Líbano, fui com Michael e minha irmã, Mirvat, em uma excursão pelo sul do Líbano, visitando toda a área de onde o exército inimigo israelense fugiu. Ele segurava um mapa gigantesco e localizava cada cidade, vila e vilarejo ao longo do caminho. Queria parar em quase todos os vilarejos, apesar de minhas constantes reclamações sobre enjoo. Durante a viagem, surpreendi-me ao constatar que Michael nada perdera do interesse pela região e das preocupações com seu povo.

Certa vez, participei de um seminário sobre relações internacionais no mundo árabe com Adel Al-Jubeir, ex-ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita e atual ministro de Estado das Relações Exteriores. Hudson era pessoa de maneiras muito gentis, e não era dado a acessos de raiva ou grosseria. Mas uma vez, após uma apresentação de Al-Jubeir sobre algo relacionado à Arábia Saudita, Hudson teve que gentilmente lembrá-lo de que aquele era um ambiente acadêmico, não uma plataforma para governos. Outra vez, depois de uma das minhas muitas discussões acaloradas com Jubeir, Hudson me chamou de lado depois da aula e pediu-me que ‘pegasse leve’ com ele.

Hudson foi fundamental na realização dos simpósios anuais do centro, que atraíram estudiosos de todo o mundo árabe. Também foi dos primeiros defensores dos direitos das mulheres e do estudo das mulheres na região. As mulheres acadêmicas do centro e oradoras regulares de conferências eram raras em Washington, D.C., na década de 1980. Esses simpósios também reuniram acadêmicos do Ocidente e do Oriente, o que era raro na época (e ainda é raro na maioria das conferências universitárias dos EUA).

Hudson (que atuou como presidente da Associação de Estudos do Oriente Médio) foi um dos acadêmicos ocidentais mais influentes na região e deu palestras sobre o mundo árabe em todo o mundo. Sua marca nos estudos do Oriente Médio foi grande e foi sentida quando ele se aposentou de Georgetown em 2012.

Após o falecimento de Sharabi, Batatu, Irfan Shahid, Halim Barakat, Barbara Stowasser e Hudson, o centro de Georgetown perdeu muito de seu brilho e apelo; já não é a atração acadêmica de antes. O atual diretor, Joseph Sassoon, nem é conhecido no mundo árabe. Recentemente, recusou-se a assinar uma declaração em apoio à Palestina, depois de a declaração já estar assinada pela maioria dos professores e funcionários do centro. O atual governo de Georgetown ficou mais do que feliz em encerrar o apoio tradicional ao centro, porque esse apoio sempre provocou muitas críticas e hostilidade do AIPAC.

Depois que recebi meu PhD em Georgetown em 1988 (e Michael serviu como meu orientador de dissertação), ele me perguntou sobre meus planos. Respondi que não tinha planos. Ele perguntou: que tal ensinar? Eu disse: acho que não gostaria. Ele perguntou: você já experimentou? Eu disse não. Ele disse: aqui está um curso de política árabe: por que você não ensina e vê? E logo no primeiro dia de aula, descobri minha vocação e minha carreira. Lembro-me de voltar para casa e dizer: ensinar, ensinar. Por isso – e por muito mais – sinto uma dívida para com Michael C Hudson.

As’ad AbuKhalil é libanês-norte-americano, professor de ciências políticas na California State University, Stanislaus. É autor do Historical Dictionary of Lebanon (1998), Bin Laden, Islam and America’s New War on Terrorism (2002) e The Battle for Saudi Arabia (2004). Twitta como @asadabukhalil

Fonte: https://consortiumnews.com/2021/06/08/the-angry-arab-michael-c-hudson-the-arabs/

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

 

Share Button

Deixar um comentário

  

  

  

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.