Recolham as meias! Pela chaminé só virá Guerra

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Mapa indicando localização dos Estados Unidos e da Rússia.

18/12/2020, John Helmer, Dances with Bears, Moscou

Desde o incidente do Golfo de Tonkin, dia 4/8/1964, ao largo do litoral do Vietnã, o governo dos EUA crê piamente que precisaria de mentira nova, aprovada pela maioria do Congresso dos EUA, para iniciar novas guerras. E desde então, nem o Congresso jamais duvidou, nem o resto do mundo jamais aceitou, que mentiras delirantes como aquela sempre garantiriam a Washington a desejada guerra.

Nem a verdade sobre aquele incidente – cuja descoberta, sim, demorou a ser divulgada – pôs fim à guerra. Tampouco jamais impediu que o partido da guerra iniciasse sua guerra nova da hora. A força, sim, detém ou põe fim a guerras; a verdade, nunca, nem uma coisa nem a outra.

“A Rússia está virtualmente declarando guerra aos EUA. E temos de levá-la a sério” – disse Richard Durbin, presidente da bancada do Partido Democrata no Senado dos EUA, dia 12/12, um mês depois de eleito para o quinto mandato.

Durbin referia-se a notícias saídas do governo dos EUA e noticiadas fartamente, de uma operação que teria sido conduzida pelo Serviço de Inteligência Estrangeira russo (ru. SVR) para invadir as instalações da empresa de software SolarWinds nos computadores do governo dos EUA. Única novidade nessa denúncia de suposta invasão é que não houve qualquer dano noticiado, nem baixas, nem perdas, informou a Reuters, citando “três dos funcionários que sabiam do assunto”.

O New York Times anunciou: “o vasto ataque da espionagem russa contra o governo dos EUA e empresas privadas, em andamento desde a primavera e só detectado há poucas semanas, está entre os maiores fracassos de inteligência dos tempos modernos”. Mas nem tanto, porque o jornal cuidou de acrescentar que não sabia ao certo. “O alcance dos dados roubados ainda está sendo avaliado (…). Investigadores lutavam para determinar a extensão do dano causado às forças armadas, à comunidade de inteligência e aos laboratórios nucleares afetados pelo ataque altamente sofisticado.” Isso, depois de cuidadosas investigações: “os investigadores trabalharam ao longo de toda a 2ª-feira [14/12] tentando compreender a extensão do dano.”

Durbin — nascido em 1944 de mãe ucraniana e pai irlandês – mal saíra das calças curas quando o incidente no Golfo de Tonkin foi encenado pelo governo Johnson para dar início à guerra total, por terra mar e ar contra o Vietnã do Norte e os Vietcong. Daquela data em diante, não houve guerra que não tenha contado com o voto de Durbin.

De diferente, só o modo de dizer que, sim, a guerra contra o Iraque, em outubro de 2002, parecia-lhe urgente. Quando o Senado decidia se autorizaria ou não aquela guerra para derrubar Saddam Hussein, Durbin propôs mudar algumas palavras no texto da autorização para limitar o uso da força bélica dos EUA: preferiria “contra ameaça iminente” representada pelas armas de destruição em massa do Iraque” – se existissem –, em vez de “contra ameaça continuada à segurança nacional dos EUA” representada pelo Iraque. A emenda de Durbin foi derrotada por 70 votos a 30.

Quando o assunto é guerra contra a Rússia, Durbin hoje já nem se incomoda com diferenças entre “ameaça iminente” e “ameaça continuada”. Agora, Durbin diz: “A Rússia tenta incansavelmente invadir o ciberespaço norte-americano” – Durbin acrescentou –, “e o mais recente crime de hacking prova que estão tendo pelo menos algum sucesso. Temos de começar a levar mais a sério as ameaças em andamento, da Rússia, contra nossa democracia.”

Na atual guerra contra as “ameaças em andamento” que a Rússia estaria fazendo contra os EUA, não há limite de quantos ou quais alvos russos os EUA e aliados atacarão – com aprovação de Durbin –, nem qualquer restrição às mentiras  necessárias para justificar a guerra.

Eis o que temos pela frente, para o ano novo.

Nessa guerra, os EUA agressores não aceitarão que a Rússia defenda-se. Significa a OTAN avançar seus mísseis nucleares na Polônia, Romênia e no Japão; guerra econômica contra toda e qualquer forma de capital ou comércio russo; e guerra cibernética e de informação contra todos os veículos que noticiem sobre a Rússia, em casa e no resto do mundo, incluindo a ofensiva de EUA e OTAN camuflada sob uma teia de mentiras, para parecer movimento de defesa. Os exemplos da derrubada do MH17, os casos Skripal e Navalny Novichok – foram documentados nessa coluna e em dois novos livros, ao longo desse ano.

A ideia do governo dos EUA, a ideia de Durbin, é que a Rússia deve ser destruída preventivamente antes de infligir baixas ou prejuízos aos EUA. A suposta justificativa pré-fabricada para tal guerra é que a defesa russa é o ataque. Assim, a mesma mentira que ‘explica’ iniciar a guerra ‘explica’ também expandir a guerra.

Fonte: https://thehill.com/

Fonte: http://johnhelmer.net/
O indiciamento por corte federal, divulgado dia 15/10, numa blitz da grande imprensa e mídias eletrônicas comerciais nos EUA e Reino Unido, é a primeira vez em que operações militares russas, por soldados russos regulares, fora dos EUA, são declaradas crime dentro dos EUA. A peça da denúncia, na íntegra, está (ing.) aqui.

O agressor-em-chefe é o general Paul Nakasone, diretor da força de ataque cibernético dos EUA (chamada “Cyber National Mission Force”) desde 2014; desde 2016, diretor das operações especiais do Cyber Command; e do Cyber Command e da Agência de Segurança Nacional (ing. National Security Agency, NSA) desde 2018. Nakasone gosta de ser chamado de “principal ciberguerreiro da nação”. Tem ordens da Casa Branca para “ensinar aos militares dos EUA a disparar ciberataques amplos e disseminados” e para “tirar sangue do outro cara”.

Segundo o perfil autorizado dessas operações publicado pela revista Wired na edição de meados de outubro, a estratégia de Nakasone é a ofensa preventiva. “Em vez de esperar para reagir a um ataque, Nakasone e o Cibercomando dos EUA passaram a falar de ‘engajamento persistente’, ‘defesa avançada’ e ‘caçar à frente’, nomenclatura amorfa que recobre tudo, de assaltos digitais crescentes contra o ISIS e os sistemas de defesa aérea do Irã, até todo o trabalho de base para derrubar a rede de energia elétrica da Rússia.”

Fonte: https://www.wired.com/

Essa semana, a equipe de Nakasone disse ao New York Times que o general esteve “intensamente focado em proteger a infraestrutura das eleições nos EUA, com considerável sucesso na de 2020”. E que merece o crédito pela “bem-sucedida defesa do sistema eleitoral norte-americano, mês passado.”

Mas não podem explicar, e Nakasone não aceita a acusação, de que, de tanto que “avançou a defesa” preventiva, “já parece que as duas agências norte-americanas de segurança, a civil e a nacional, foram alvo preferencial do tal hacking preventivo oficial.

Agora falta [Nakasone] explicar por que razão uma empresa privada (FireEye) — não qualquer daquelas siglas de multibilhões de dólares que ele comanda de seu gabinete em Fort Meade, Md. — foi a primeira a fazer soar o alarme.”

O alarme que vem de FireEye seria falso? A empresa FireEye tem currículo  de mentir para inflar suas chances de sucesso nos contratos com o governo e sua parte no preço.

A suposta invasão por SolarWinds teria começado em março. De março até hoje, as ações de FireEye subiram 77%. Depois que começou a publicidade negativa contra Nakasone, a ação de FireEye ganhou outros 6%.

O mercado sinaliza assim que pouco se preocupa com o que seja verdade ou mentira em FireEye. Isso, apesar de relatórios financeiros da empresa revelarem prejuízo. Até 30 de setembro, por exemplo, FireEye perdeu, líquidos, quase $169 milhões; as liabilities superavam $2 bilhões. Desde 2013, FireEye tem acumulado perdas em todos os trimestres de todos os anos. Sem a ameaça russa, a empresa estaria falida.

Fonte: https://www.google.com/ A má publicidade tem sido ótima para SolarWinds. O preço por ação caiu 25% desde o pico de dezembro, mas mesma assim permanece 40% acima da baixa, em março. SolarWinds mostrou perdas pesadas em 2017 e 2018; e ganhos modestos em 2019 e em 2020.

A Agência de Segurança Nacional do general Nakasone também é mentirosa serial, com altos funcionários que já provaram que, como FireEye, sabem servir-se em benefício próprio, das mentiras que ‘declaram’ contra a Rússia. Para detalhes de como isso funciona, clique aqui. 

Quando mentiras fazem tanto dinheiro para FireEye, Nakasone e seus homens, a verdade está destinada a empobrecer o resto de nós. Para nós, a verdade é ou nostalgia sentimental, ou grito de alerta. Compreendendo que você, caro leitor, talvez considere que nosso urso dançante não passe de nostálgico sentimental, temos de insistir em distribuir sempre mais gritos de alerta. Desconsiderar nossos gritos de alerta é problema do leitor, com risco para nós todos.

Em língua russa, a palavra para “Alerta!” é “Atas!” Canto essa canção desde que Lyube (Любэ) a compôs, no ano do colapso da União Soviética. Ouçam outra vez.

Esq.: Lyube apresenta a canção, num concerto em 2008. Dir.: O primeiro vídeo-clip apareceu em 1991, com excertos da série de Vladimir Vysotsky de televisão, de 1979, com a letra nas legendas. O nome da banda foi inventado pelo vocalista Nikolai Rastorguev, para quem a palavra lyube é abreviatura de Lyubertsy, nome do subúrbio proletário de Moscou onde viveu; e na gíria russo-ucraniano também significa “qualquer, toda/todo; diferente”. Rastorguev disse ao público de seus shows, que cada um interpretasse o nome como bem entendesse.*******

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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