Quando cultura e religião não são apenas alguns detalhes …

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Por Luciana Garcia – originalmente para o Oriente Midia.org.

Foi no mês de abril que, mulheres do mundo inteiro ficaram consternadas com a notícia de que uma jovem tunisiana integrante do grupo feminista Femen, Amina Tyler, havia sido condenada a morte. O seu pecado teria sido divulgar algumas fotos suas de topless em seu perfil do facebook, numa clara atitude de protesto em prol da liberdade das mulheres, suas fotos teriam causado a fúria de um líder islâmico, Adel Almi, que teria afirmado que Amira deveria ser condenada à uma pena de apedrejamento até a morte por sua conduta.

Imediatamente e, diante da repercussão internacional, a Rede Muçulmana, instituição que reúne feministas muçulmanas dos mais diversos países, em comunicado oficial, esclareceu que as palavras do líder islâmico não correspondiam a nenhuma fatwa (jurisprudência dentro do islã), tratavam-se tão somente de declarações violentas e criminosas, sem quaisquer peso legal, uma vez que na Tunísia não há pena de morte em sua legislação. Além do pronunciamento, a rede ainda condenou os meios de comunicação pela omissão de informações relevantes e o próprio grupo Femen, que a essa altura já se manifestava publicamente à respeito, sem ao menos corrigir as informações do caso Amina Tyler. O que poderia acarretar na insurgência de discursos islamofóbicos em muitas esferas.

neofeminismo

Ilustração: Natália Forcat

As integrantes da Femen, por sua vez, levaram adiante a versão sobre a pena de morte e, diante de uma eventual violação, foi convocado um ato global agendado para o dia 04 de abril: “Vá para a embaixada da Tunísia e proteste de topless, com “meu corpo contra o Islamismo” escrito em seu corpo, tire uma foto de você mesma e poste na sua rede social”. A convocação além de ter sido condenada pelas feministas muçulmanas, foi da mesma forma, condenado por muitos estudiosos sobre a cultura oriental, aos quais elegeram o chamado da Femen como sendo mais um caso de práticas de islamofobia. Isso porque em 2012, o Femen protestou contra a participação de países de maioria muçulmana nas Olimpíadas de Londres, por justificativas que segundo os mesmos estudiosos, eram extremamente superficiais.

Esses é um dos muitos casos em que o grupo Femen atua de forma polêmica, em sua defesa  pelo fim da exploração sexual das mulheres. Porém, as manifestações tornam-se cada vez mais esdrúxulas na medida em que transferem costumes estritamente ocidentais, advindos de um país como a Ucrânia (país de origem do grupo Femen), para realidades como a da Tunísia, localizado na região norte da África, com grande influência islâmica, estima-se no entanto, que o índice de muçulmanos atinge cerca de 99% da população do país.

Em resposta aos equívocos das últimas atuações da Femen pela questão Amina Tyler, muitas jovens muçulmanas, a exemplo da utilização das redes sociais pelo Femen, publicaram fotos segurando cartazes com os seguintes dizeres: “A nudez não me libertará e eu não preciso ser salva”, fato que rendeu uma matéria no site da rede Aljazeera. Isso ocorre porque no mundo muçulmano o conceito de liberdade feminina é completamente distinto ao ocidente. Para o islã o conceito do recato feminino esta intimamente relacionado ao aspecto de proteção da mulher, e não da opressão como é comumente revelado em diversos meios de comunicação do Ocidente.

Ocorre que as atuações e as propostas da Femen tem sido bastante sedutoras por parte das mulheres jovens que vivem em conjunturas diversas da europeia , muitas meninas são seduzidas com os ideais de liberdade e direitos e, acabam realizando atitudes que as comprometem demasiadamente, a jovem Amira além de sofrer com o discurso intolerante do líder islâmico, também poderá ser condenada a uma pena de seis meses a dois anos e multa de 100 a 1000 dinares (quantia equivalente à R$ 1.400,00) pelo crime de “atentado ao pudor”, ainda de acordo com as feministas muçulmanas.

E, com relação ao conceito de feminismo empregado pelo Femen, a presença de uma Femen Tunisia faz parecer que nem na Tunísia, muito menos em quaisquer países árabes e muçulmanos existam feministas, o que em tese justificaria a necessidade das mulheres muçulmanas “aprenderem” a serem ativistas com representantes de um movimento eminentemente europeu. E, tendo por base esse modelo particularmente ucraniano, indiretamente seria excluída toda a diversidade do movimento feminista existente na Tunísia e em localidades diversas.

Em uma recente entrevista ao site Opera Mundi, Bruna Themis (ex- número 2 do Femen Brazil) detalhou alguns aspectos sobre o processo seletivo para o ingresso no grupo. De acordo com ela, o Femen “quer somente meninas que se enquadrem no padrão de beleza delas”, nos protestos de rua. Ainda complementou que quando havia sido detida em uma das manifestações públicas promovidas, “uma das meninas me empurrou porque queria aparecer na câmara. É engraçado e triste”. Muito além da questão do exibicionismo, qualquer estudo pouco aprofundado revela que a sociedade ucraniana é extremamente diferente da tunisiana, outro detalhe interessante e relevante que deve ser mencionado é o fato de que na Ucrânia estima-se que o grupo é considerado o primeiro grupo feminista da história do país.

Toda a diversidade dos movimentos feministas na Tunísia aparecem na pluralidade das atuais reflexões diante do uso do hiyab (véu que cobre os cabelos) e do niqab (tipo de véu que cobre todo o corpo e rosto, só deixando os olhos a mostra) na esfera pública, em um momento de uma progressiva interferência dos preceitos islâmicos sobretudo na rotina das mulheres após a chamada “Primavera Árabe”. Foram durante os trabalhos do Fórum Social Mundial deste ano, mais precisamente durante a assembléia das mulheres realizada na faculdade de Direito da Universidade El Manar, que foram apontadas muitas versões concernentes ao recato feminino. Muitas mulheres tiveram a oportunidade de denunciar o fato, pouco conhecido, de terem sido sumariamente proibidas de usarem quaisquer tipos de véus nos espaços públicos antes da revolução de 2011.

Nos dias de hoje, é possível deparar-se com vários tipos de véus nas ruas e Universidades. Da mesma forma, existem múltiplas impressões acerca do seu uso. Se antes de 2011 existia a proibição, atualmente muitas mulheres alegam serem pressionadas pelo partido Ennhada (no poder) a fazerem uso do véu islâmico. E, mesmo sendo constatado uma progressiva influência islâmica na legislação da Tunísia, muitas mulheres comemoram o ressurgimento de muitos grupos feministas na cena tunisiana, o tema da mulher genuinamente árabe e ou muçulmana (secular ou religiosa) volta a ser central em uma conjuntura de transição democrática no país.

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