Qual o futuro do mito ISIS?

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O Estado Islâmico no Iraque e na Síria [ing. Islamic State in Iraq and Syria, ISIS] algum dia foi realmente forte? Ou foi tudo efeito da ignorância e do medo, repercutidos por propaganda eficaz?
15/1/2018, Elijah J. Magnier Blog

Especialistas e analistas de contraterrorismo, os de verdade (além das centenas de outros que brotaram como cogumelos depois da chuva durante os últimos anos da guerra na Síria), apressaram-se a explicar o poder e a capacidade do “Estado Islâmico” (ISIS) para se expandir. Com isso se enviesou o nascimento da coisa, apagou-se a derrota real e – mais importante –, reduziu-se muito o grande papel que Washington desempenhou nessa história macabra. Os EUA apoiaram o crescimento desse grupo terrorista no passado e continuam a apoiar até hoje.

Aqueles analistas do terror promoveram as capacidades do ISIS, celebrando o “renascimento” e anunciando a “expansão” daqueles terroristas. Relembram os anos de 2009-2011 no Iraque, quando o grupo foi reduzido a umas poucas centenas de militantes, e como o ISIS, apenas uns poucos anos adiante já conseguia ocupar vastos territórios no Iraque e na Síria.

Esse artigo começa exatamente nesse ponto, para dizer que o ISIS jamais passou de grupo oportunista; que nunca foi grupo forte; que se beneficiou de muitos elementos e oportunidades, mas é muito mais fraco do que o mundo supõe. Por isso a queda do ISIS foi rápida e miserável, o que afinal revela a realidade por trás do aparente poder do grupo.

Tudo começou com o Afeganistão em 1979, quando a Rússia invadiu o país e os EUA supuseram que poderiam derrotar Moscou, sem considerar que não tinham estratégia alguma e que a ‘operação’ poderia sair-lhes pela culatra contra o mundo, e contra os próprios EUA, adiante. O embaixador dos EUA à Arábia Saudita, Hume Alexander Hora, confirmou que “EUA e Arábia Saudita financiaram, treinaram e armaram Mujahedeen no Afeganistão para lutarem contra a Rússia”. O problema afinal apareceu quando a Rússia saiu de lá e ambos, EUA e sauditas, ficaram com o dilema: “como integrar jovens guerreiros (palavras dele) quando voltassem para casa, depois do Afeganistão” – disse Hora.

Na verdade, al-Qaeda – ramo iraquiano da organização que depois se metamorfoseou em ISIS – é o produto do que EUA e sauditas acreditavam nos anos 80s que seria ideia genial para derrotar os russos. Nem os EUA nem os sauditas deram-se o trabalho de pensar em avaliar consequências. Fato é que os EUA acreditavam que fossem quais fossem as consequências, não seriam problemas deles, mas do Oriente Médio. Que lidassem com elas. Com certeza não supunham naquele momento, que o Ocidente não teria problema algum. Até 11/9.

Depois da retirada dos russos, outra decisão de política exterior dos EUA também gerou um efeito bumerangue e ampliou a disseminação do terrorismo pela Arábia Saudita, aliada dos EUA. Quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait em agosto de 1990, Arábia Saudita sentiu a ameaça direta e recorreu a forças dos EUA, para proteção. Os seguidores da doutrina wahhabista que dominava a Arábia Saudita puseram-se absolutamente contra esse movimento.

Para acalmar os radicais sauditas em casa, indignados com a presença de forças norte-americanas no solo que é considerado o mais sagrado para todos os islâmicos (Meca e Medina), o falecido rei Fahed abriu os cofres para radicais e conservadores e financiou prodigamente incontáveis Madrassa sauditas (escolas de formação religiosa wahhabista, que disseminam radicalismo pelo mundo) para que ensinassem extremismo religioso e discurso de ódio também fora do país.

Muito mais estava por vir: depois da invasão do Iraque pelos EUA em 2003, Abu Musab al-Zarqawi (o jordaniano Ahmad Fadhil Nazzal al-Khalayla) uniu-se à al-Qaeda (antes de 2003, ele liderava o grupo Ansar al-Islam na área controlada pelos curdos no norte do Iraque) e tornou-se seu franqueado no Iraque. Não era o único a comandar uma insurgência contra as forças norte-americanas de ocupação na Mesopotâmia e contra os xiitas, e também contra seus oponentes sunitas. Havia também muitos outros nacionalistas iraquianos, Baathistas, grupos tribais e grupos xiitas que atacavam as forças dos EUA: a insurgência não era exclusividade da al-Qaeda no Iraque.

Zarqawi era conhecido pela brutalidade, a ponto de, quando Osama bin Laden ainda vivia, a própria al-Qaeda o chamava de “o xeique dos massacres” [ar. sheikh al-thab’baheen]. Seu grupo estava estimado em cerca de 100 combatentes, mais vários milhares de seguidores de Saddam Hussein. De fato, seus primeiros ataques ‘espetaculares’ foras registrados em agosto de 2003 contra o enviado da ONU, o brasileiro Sergio de Mello, em Bagdá, e Sayyed Mohamad Baqer al-Hakim em Najaf.

Não apenas a mídia-empresa contribuiu para elevar o nível de interesse em Zarqawi depois de ele ter degolado Nick Berg, cidadão norte-americano, em vídeo, em 2004, como, além disso, o governo Bush  ignorou várias oportunidades para matá-lo, e inflou tão desmesuradamente o perfil de Zarqawi, que ele passou a atrair número muito maior de novos recrutas para seu grupo, o que fez crescer sempre mais o seu prestígio.

Ao longo da “guerra ao terror” dos EUA no Iraque, as forças dos EUA engajaram-se cada dia mais profundamente nas vergonhosas práticas de torturas na prisão de Abu Ghreib, descendo ao nível mais desprezível de comportamento contra suspeitos, misturando criminosos iraquianos e suspeitos detidos pela segurança. Essa história acabou por viralizar – até ser esquecida anos depois e ir dormir nas páginas de livros de história. O mundo apagou todos esses registros, quando uma superpotência cometeu todos os tipos de crimes e manifestou o mais espantoso desprezo por valores humanos e morais. A mesma superpotência que pregava democracia e respeito aos direitos humanos era, ela mesma, o principal gatilho e agente de incitamento ao recrutamento para o terrorismo, de muçulmanos indignados em todos os cantos do mundo.

A decisão tomada pelo vice-rei dos EUA, Paul Bremer, para a ‘des-Baathificação, empurrou para o desemprego e a miséria dezenas de milhares de membros das Forças Armadas e da Segurança. Esses, como descobrimos ao longo dos últimos anos, vieram a constituir a elite do comando do ISIS  e muitos de seus militantes.

Mas também não parou aí: os EUA constituíram uma “Universidade para Jihadistas, que prosperou nos campos de treinamento em Buca, Cropper e Taji, no Iraque. Ali muitos dos que viriam a ser líderes terroristas se encontraram, formaram-se e recrutaram seu futuro exército. Nesses campos havia cortes de julgamento pela Xaria, tribunais islamistas para julgar e condenar prisioneiros que se recusassem a se alistar nos grupos radicais. Esse foi o comportamento típico do grupo (que mais tarde trocou de nome e passou a chamar-se ISIS – mas não é tática original deles), para se impor pela intimidação e pela ameaça.

Outra vez, apenas uns poucos anos depois, os EUA facilitaram o crescimento do ISIS e seus planos de mudar-se para a Síria (país então fragilizado, no auge do apoio que o mundo deu ao golpe para mudança de regime) e armaram, deram treinamento e financiaram jihadistas.

Al-Qaeda no Iraque aceitou o conselho do vice-líder da al-Qaeda Central, Ayman al-Zawaheri, para que declarassem (prematuramente) um “Estado Islâmico” no Iraque. Zawaheri, em sua mensagem a Zarqawi e sucessores, dizia que o objetivo final – como no caso de todos os atores religiosos não estatais no Oriente Médio – seria criar um Emirado Islâmico. De qualquer modo, o ambicioso Zarqawi e depois dele todos os demais líderes do grupo, queriam status mais alto que de simples grupo, ou de mais um grupo como a al-Qaeda, e queriam independência para recrutar jovens em todo o mundo. Os jihadistas no Iraque contavam com apoio muito mais decisivo de países da região e também da sempre errada política exterior dos EUA.

Pesquisadores conhecidos tentam ainda minimizar – ou mesmo apagar completamente – a grande responsabilidade que cabe aos EUA pelo crescimento de grupos religiosos extremistas, tentando culpar líderes xiitas iraquianos que foram apoiados, nos primeiros anos da ocupação norte-americana, por aquele mesmo vice-rei norte-americano do Iraque. Claro que a ascensão de grupos jihadistas no Iraque não é efeito exclusivamente de erros dos EUA. Governantes do Iraque também contribuíram, apoiando políticas e erros dos EUA no Iraque. Ambos (mas não exclusivamente políticos iraquianos, como os analistas gostam de sugerir), geraram incontáveis benefícios e vantagens para os jihadistas.

Os xiitas iraquianos não estavam habituados a governar: viveram décadas sob o jugo da ditadura de Saddam Hussein. Queriam usufruir a imensa riqueza que o Iraque produz e queriam comandar o poder no país. E oprimiam os sunitas, como os sunitas haviam oprimido os xiitas durante anos. Era uma visão ingênua de democracia, trazida pelos EUA para o país (e por indivíduos conhecidos que viveram oprimidos, mesmo no plano individual, durante anos). O nascimento aconteceu tão prematuramente, que, não surpreendentemente, a cria nasceu morta.

Estive com Xeique Jalal-eddine al-Saghir quando distribuía jornais nas ruas do Líbano, onde vivia exilado durante os anos de Saddam. Também vi Nuri al-Maliki vezes sem fim, antes da queda de Saddam Hussein. Um dia, vi-me no Iraque, ao lado de muitos funcionários, durante uma cerimônia religiosa em Karbalaa. Adel Abdel Mahdi (que era vice-presidente naquele momento), na presença de vários ministros (e também diante de mim) disse: “Temos de limpar nossos escritórios em Damasco, onde costumávamos pregar a queda de Saddam Hussein. Sabemos fazer campanha de oposição, mas não temos nem ideia de como dirigir um país”. Estava coberto de razão. Os líderes do Iraque estavam confusos.

Jihadistas no Iraque extraíram vantagem dessa confusão, com vistas a criar uma guerra sectária e atrair para suas fileiras o maior número de seguidores. Alguns líderes xiitas caíram nessa armadilha sectária, e os norte-americanos assistiram a tudo, quando elementos que eram crias deles combatiam contra os xiitas.

Quando o ISIS declarou seu Califato em 2014, não foi o grupo, como tantas vezes se anunciou, quem assumiu o controle de Mosul, no norte do Iraque. Tribos locais, vários grupos sunitas, e desertores Baathistas já estavam presentes na cidade, tentando preparar o terreno para o levante. De fato, não foi “plano, comando e controle” do ISIS. Muitos países vizinhos (inclusive o líder dos curdos iraquianos Masoud Barzani) apoiaram o que definiram em 2014 como um “levante e revolução sunitas” contra Bagdá (Nuri al-Maliki era então primeiro-ministro). Só quando o ISIS virou-se contra esses países e seus aliados iraquianos locais, o ISIS foi tornado inimigo de todo mundo.

O massacre de Speicher não foi cometido exclusivamente pelo ISIS (mesmo que a mídia do grupo tenha divulgado essa versão, repetida pela mídia-empresa dominante) mas por duas tribos locais, Salaheddine e Anbar, embora os vídeos tenham sido sequestrados pelo ISIS, que o declararam feito seu. De fato, o ISIS usou o mesmo velho estilo que usaram no campo Buca: se não está conosco, está contra nós.

Membros do “Exército Naqshabandi” (um dos grupos que contribuíram na ocupação de Mosul em 2014 e grupo insurgente ativo contra as forças dos EUA e do Iraque ao longo da invasão do Iraque) fugiram do Iraque vários meses antes da ocupação de Mosul, por medo do ISIS. O grupo usou com sucesso e adequadamente para seu benefício os veículos da grande mídia-empresa, manipulando a informação e inflando desmesuradamente o próprio tamanho, a ponto de ter convencido seus inimigos, aliados e observadores de que o ISIS seria força gigante.

Quando se mudou para a Síria, o Emir Abu Mohammad al-Joulani do ISIS (mandou estabelecer um braço do “Estado Islâmico no Iraque”, que viria a ser o ISIS) encontrou forças e coragem para desafiar o Emir do grupo, o líder do ISIS Abu Bakr al-Baghdadi. Joulani sabia do tamanho real do ISIS e de seu próprio tamanho no momento em que desafiou Baghdadi.

Durante o processo de partição entre o ISIS e Joulani (que se uniu voluntariamente à al-Qaeda, surpreendendo seu novo Emir Ayman al-Zawaheri), muitos combatentes estrangeiros foram ‘divididos’ entre a velha al-Qaeda e o novo ISIS. Isso, claro, deu mais poder ao ISIS, mas com certeza absoluta não a ponto de se converter no grupo “todo poderoso” que o próprio grupo autopropagandeou em 2014-2016.

Aqui outra vez, o ISIS efetivamente usou a vulnerabilidade do governo sírio (engajado em batalhas em tantas frentes), a ação da mídia-empresa (ampliar o mais possível o alcance dessa mensagem) e a internet (pelas mídias sociais, Twitter e Facebook) para inflar o próprio tamanho. E, ainda mais importante, surpreendeu muitos observadores com seus “métodos ‘cenográficos’ de matar” (afogamento, incineração, degola, lançar seres humanos de altos prédios como sentença de morte, apedrejamento, execução de prisioneiro por atropelamento por tanques de esteiras, explosivos em carros que conduziam prisioneiros). Também usaram efeitos visuais especiais, e jogos de computador para atrair o olhar de dezenas de milhares de olhos.

Assim, o ISIS conseguiu injetar medo no coração dos seus inimigos. Essa estratégia foi tão bem-sucedida, que milhares de iraquianos fugiram de Bagdá, Najaf e Karbalaa antes da chegada do ISIS. Só depois que o Exército Iraquiano e as Unidades Populares de Mobilização no Iraque e ideólogos na Síria (combatendo ao lado do Exército Sírio) decidiram levantar-se contra o ISIS, a qualidade do grupo foi afinal definida: carros-bombas, suicidas-bombas e atiradores especializados são as únicas armas reais do ISIS.

O Iraque reagiu, deu combate ao ISIS e recuperou o próprio país para seus cidadãos em cerca de um ano. A Síria adiou o confronto com o ISIS porque a prioridade era deter a al-Qaeda e outros rebeldes apoiados por países da região e muitos países ocidentais. Muitos comandantes em campo disseram-me na Síria: “O ISIS é grupo órfão e pode ser derrotado a qualquer momento. A Al-Qaeda é muito mais perigosa, mais corajosa e mais bem armada para combater e não ceder no campo de combate”.

O ISIS foi derrotado pelo Iraque e pela Síria, no momento em que líderes do Iraque e Síria decidiram pôr fim ao controle que o grupo ainda exercia sobre aqueles territórios. Só restam ainda uns poucos bolsões, incluindo o nordeste da Síria (onde o ISIS está sob proteção dos EUA).

Se se observa o currículo dos norte-americanos, eles usam o ISIS para seus próprios objetivos desde que foi criado no Iraque, quando Bush recusou-se a executar o líder Zarqawi e pôr fim ao grupo. Ainda não se pode ver com clareza o que os EUA planejam para o futuro do ISIS.

Muitos pesquisadores preveem o “retorno do ISIS“, ainda mais forte do que antes, ou sob outra forma. O ISIS só é bom em ataques do tipo bater-e-correr: fracassaram desastrosamente quando se tratou de organizar e governar. Essa experiência fracassada enterrou pelo menos por décadas futuras qualquer projeto de “Estado ou Emirado Islâmico”, e comprometeu irreparavelmente a causa islamista da al-Qaeda e de qualquer outro grupo similar. Nenhuma sociedade lhes dará guarida, no máximo esconderijos apenas temporários –, e não há dúvida que lhes darão também algum dinheiro clandestino (ao estilo do que fez Saddam Hussein) que pode comprar alguns para garantir algum tipo de assistência. – Mas o ISIS está/é fraco demais para renascer como em 2014.

Se pelo menos os pesquisadores e especialistas em terrorismo parassem de temer o fim do pão & manteiga de todos os dias e parassem de ‘prever’ – e assim estimular – algum “retorno do ISIS” (não significa que o terrorismo acabará, mas não é preciso inflar alucinadamente o perigo que deles adviria), o mundo que pensa estaria em melhor forma (e dormiríamos mais tranquilos à noite). Esse é um dos lados do problema.

O problema real são os países liberais democráticos que se servem de grupos terroristas e os põem a agir de modo a promover seus próprios interesses de política externa. Esse é o buraco que o ISIS pode ainda explorar, para voltar a crescer.*****

Traduzido por Vila Vudu

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