Putin joga a carta do entendimento, para a Síria

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1/9/2013, MK Bhadrakumar,Indian Punchline.

O Kremlin acaba de distribuir o texto oficial da fala do presidente Vladimir Putin sobre a crise síria. Chama a atenção que Putin falou mais demoradamente e disse muito mais do que sugerem as matérias que os jornais estão distribuindo no ocidente; e, também, que falou sobre praticamente cada um dos muitos aspectos dessa situação explosiva.

Já não há dúvidas de que Putin soube colocar-se metro e meio acima de qualquer outro governante mundial, ao assumir resolutamente uma posição de princípios morais, dado o envolvimento da Rússia na Síria, dado o vasto conhecimento que os russos têm sobre a Síria e o Oriente Médio e dado o papel que a diplomacia russa assumiu, ao insistir em salvar as conversações de Genebra-2, apesar de todas as improbabilidades.

A questão é saber até que ponto o presidente Obama foi influenciado pelo que disse Putin, no gesto de adiar sua decisão de lançar “ataque limitado” contra a Síria – adiamento que já se vê bem claro, no movimento de requerer aprovação do Congresso dos EUA, antes de atacar.

Fato interessante é que Putin falou de Vladivostok – quase um dia inteiro ‘antes’ do horário de Washington.

Muita coisa depende dessa questão, porque o adiamento dificultou muito, para Obama, lançar o ataque. Antes de o Congresso dos EUA reunir-se, dia 9/11, acontecerá a reunião do G-20, no qual os líderes mundiais discutirão, sem dúvida alguma, a crise síria.

A partir das indicações que se têm, os EUA estão muito isolados na opinião mundial, e Obama perceberá isso pessoalmente, no G-20. De fato, apesar da petulância de Obama ao não consultar Putin, o presidente russo revelou que discutirá a questão síria com Obama, quando se virem, em São Petersburgo, na próxima 5ª-feira [a menos, claro, que Obama se dedique a fugir de Putin, até na hora da fotografia (NTs)].

Vejamos o que Putin disse, nesse pronunciamento histórico, de Vladivostok:

A) Foi colhido de surpresa pela onda de recusa, na Europa, a aceitar tudo e qualquer coisa “de acordo com os desejos e as políticas” dos EUA. “Não esperava. Fui, de fato, colhido de surpresa por aquela reação dos europeus.” Putin observou que até a Grã-Bretanha “aliada geopolítica” dos EUA foi guiada por “interesses nacionais e senso comum” e considerações sobre a própria “soberania”. A Europa, afinal, começou a “analisar os eventos, extrair conclusões e agir de acordo com as próprias conclusões.”

B) Putin rejeitou cabalmente, como “absoluta sandice” a alegação de que o governo sírio seria responsável pelo ataque com armas químicas perto de Damasco, porque os ‘rebeldes’ já estavam sob pressão militar e não havia razão concebível pela qual o governo sírio ofereceria “um trunfo a quem está sempre clamando por intervenção militar estrangeira.”

C) Putin diz que a crise inteira é “uma provocação”, armada pelos que querem arrastar outros países para dentro do conflito sírio e querem o apoio de membros poderosos da comunidade internacional, especialmente o apoio dos EUA”. Deixou implícito que estados da região – Arábia Saudita e Turquia, em particular – tentaram arrastar os EUA para uma intervenção direta na Síria, o que o governo Obama recusou-se a fazer até agora, para grande tristeza dos ‘interessados’.

D) Putin pôs em dúvida a veracidade do que os EUA têm dito – e questionou a intenção por trás disso – que teriam “provas” da culpa do regime sírio. Desafiou o governo Obama a apresentar “provas”, e a deixar de recorrer ao álibi de que seria informação secreta.

E) Putin destacou que os EUA não têm “qualquer base a partir da qual possam tomar decisão tão fundamental”, de atacar a Síria.

F) Em variação notável, em homem cuja marca registrada é manter a política afastada das emoções, Putin dirigiu-se pessoalmente a Obama, para que corresponda às esperanças do mundo de que ele seja homem da paz – “Antes de tudo e principalmente, dirijo-me ao Sr. Obama não como meu colega, não como presidente e chefe de Estado, mas como homem que recebeu a honra de um Prêmio Nobel da Paz.”

G) Deixando de lado as polêmicas, Putin disse que atacar a Síria não é ato que sirva, sequer, a autointeresses dos EUA, porque esse ataque “agride todo o sistema internacional de segurança e viola os fundamentos da lei internacional.”

H) Putin conclamou Obama a pensar muito “antes de tomar decisões” e a “não ter pressa nessas coisas que podem gerar resultados completamente indesejados.”

I) Putin disse que vê o G20 como “uma boa plataforma” para discutir a crise síria, embora o grupo não seja “autoridade formal” ou “plataforma substituta” do Conselho de Segurança da ONU. Disse que espera discutir a Síria “num formato expandido”, com Obama, no G20, na próxima semana.

Bem visivelmente, Putin ignorou todo o contexto do esfriamento nas relações EUA-Rússia e não mostrou ânimo de ‘aproveitar-se’ do momento para “marcar pontos”.

Mas, é claro, Putin tem plena consciência de que é ele quem está em sincronia com a opinião mundial – incluída a opinião ocidental – sobre a questão síria, não Obama.

De fato, esse pronunciamento de Putin marca uma grande iniciativa diplomática do Kremlin, virtualmente às vésperas da reunião do G20, um importante apelo à razão e à contenção ante a situação na Síria. Evidentemente, Putin tem esperança de influenciar o cálculo de Obama e de conseguir mudar a tendência de seguir a via militar; e de, talvez, ressuscitar o processo de Genebra-2. É aposta muito ambiciosa, mas se alguém pode conseguir tudo isso, hoje, no cenário mundial, é Putin, e só ele.[1]

[1] Transcrição completa da fala de Putin (ing.)

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